sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Naquele altar.

E quando eu te vi naquele altar perdi o ar. Tudo girou. Tive vontade de vomitar. Meu coração parou. Tudo isso por três infinitos segundos. Você estava no altar e não era eu indo na sua direção. Teria pensado que ainda era amor. Mas acho que foi um ataque epilético do coração. É que amor não tira o ar, mas enche os pulmões com uma respiração profunda, tipo suspiro. Amor não faz tudo girar, mas altera a velocidade da rotação da terra. Amor não dá vontade de vomitar, mas dá fome de amanhã, apetite do para sempre. Amor definitivamente não faz o coração parar, mas disparar, em um ritmo bonito e suave de alguma trilha sonora antiga que nos dizia que o amor aparece mesmo onde ninguém ousaria supor.

E quanto eu te vi naquele altar eu entendi que não é mais amor. Aí eu quis saber. Será que já foi? Será que fui livrada como em outras tantas vezes? Será que a gente aconteceu predestinado desde o início a não ser? Será que aquilo de achar que determinávamos o que aconteceria era tudo pegadinha do que já estava destinado a não acontecer? Será que seu abraço fazia parte de todos aqueles que eu teria que experimentar até encontrar o dele e ter certeza que era o certo? Mas a verdade é que eu não me sinto exatamente livrada de você. Desejei muitas coisas para nós dois. Em alguma medida elas aconteceram. Teve muita vida, seguida de mortes e renascimento e encontros e desencontros e perguntas. Perguntas sem resposta, perguntas que a gente não teve tempo ou vontade ou coragem de responder. Mas não fui livrada. Te perdi, ou talvez você tenha me perdido primeiro; não que a ordem altere o resultado.

E quando eu te vi naquele altar desejei que você fosse feliz como eu desejei um dia que nós fossemos juntos. Você me parecia mesmo feliz, sabia? E eu fiquei feliz também. Me lembro quanto foi ruim quando você disse ter se tornado um solitário depois de mim. Porque eu não achava que eu fosse capaz de ser a mulher que você esperava. Mas eu também achei que você não ia ser capaz de encontrar outra mulher como eu. E agora você escolheu alguém. E eu sinto alívio. E espero que ela te escreva cartas como as minhas, que divida músicas e poesia com você, que perca o sono de madrugada, quando você também está acordado para falar de estrelas ou impossibilidades, que te beije na chuva, que entenda seus silêncios e recuos, que vibre com seus retornos imprevisíveis e que te ache um cara tão sensacionalmente confuso e incrível quanto eu achei.

E quando eu te vi naquele altar eu soube e entendi que não era mesmo para ser eu. Te entendi melhor por ter ido embora, mesmo achando que exagerou na quantidade de vezes. Continuei sem entender seus sim’s, suas permanências, suas voltas, mas entendi suas partidas, suas fugas, seus não’s, uns seguidos dos outros até o último que nunca acabou. 

Ainda lembro a primeira vez que te vi, que te olhei. E agora provavelmente vou lembrar da última, naquele altar. Provavelmente ainda vamos nos encontrar por aí, no shopping, no supermercado, em um restaurante qualquer. Mas esta, ah, esta foi sim a última vez; quando eu te vi naquele altar.

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Brownie fit (por favor, não)!



Eu não escolhi a minha intensidade, a personalidade inquieta, o cérebro acelerado, que só descansa diante de uma criança, de pão de queijo, de um bom livro ou de um bom amor. Preciso de entender tudo que eu toco, quero que tudo que eu encoste queime de frio ou calor. Tenho evidentemente uma ânsia para sentir a vida acontecendo em tudo aquilo que me compõe ou cerca.

Meus momentos, são vividos sempre - se não como se fossem os últimos - como se fossem os únicos. Intensidade. Tem um preço. Sou normalmente guiada por um tempo que não acompanha o relógio. Durante a minha vida me doei a tudo que eu fiz? Sim. Coloquei o máximo de energia em toda experiência? Sim. Isso muitas vezes nos leva a caminhar mais rápido que nossos passos aguentam, tropeçar e cair? Às vezes. Isso quer dizer que alguma coisa poderia não ter sido feita para evitar as pequenas tragédias da vida? Não necessariamente.

A gente entra aí mais ou menos no campo daquele clichê, do qual dificilmente as pessoas escapam, quando somos perguntados:

-       - Você se arrepende de alguma coisa que você fez na vida?

E aí a resposta costuma ser automática, quase um perdão, um conforto, um presente de nós para nós mesmos:

- Não, prefiro me arrepender do que eu fiz, do que do que eu não fiz.

Engraçado como as pessoas tendem a ser reticentes e evitar a todo custo dizer que teriam feito alguma coisa diferente. Poxa, não somos tão idiotas assim. Não vou dizer que já não pensei mil vezes se determinadas coisas teriam sido diferentes na minha vida se em um determinado dia eu não tivesse saído de casa, se eu tivesse evitado uma situação ou sido mais firme no não ou no sim. Se eu tivesse seguido uma intuição, não fugido por medo, não evitado um sentimento.

Não é tão ruim assim assumir que talvez se pudéssemos escolher algumas coisas tivessem sido feitas de outro jeito, ainda que se refira a algo que a gente não fez. É inteligente olhar para vida assim e alimenta os próximos passos. A experiência nos ensina a desacelerar nas horas certas, a não tomar decisões importantes em um segundo, a não deixar a vontade do outro em primeiro lugar quando a gente acredita no que está fazendo.

Mas o que me pega para responder esta pergunta não é exatamente não enxergar que algumas etapas da minha vida poderiam ter sido ultrapassadas de um jeito diferente. Porque em fim das contas eu sou integralmente reconciliada com todos os eventos pelos quais já passei, tendo sido agente ou vítima, já me concedi um perdão demorado por todas as pessoas que magoei, até quando esta pessoa fui eu mesma.

Mas o que está efetivamente em jogo nesta história é não saber quem de fato eu seria se eventualmente tirasse alguns elementos da minha história.

E se tivesse sido diferente? Assim, meio no clima do “efeito borboleta”, alterar determinados elementos tão significativos a ponto de serem lembrados neste momento, me levariam para onde, me tornariam o que? Eu ainda seria eu? Porque eu não sou capaz de abrir mão é disso. Eu não queria ser outra pessoa, nem uma versão diferente desta que eu me tornei. Eu sou cheia de remendos e cheias de traumas para curar e cheia de barreiras para vencer. Mas eu não queria ser diferente. Quando eu acordo eu quero morar em mim, eu sou o tipo de pessoa que eu gostaria de conhecer. Imprevisível naquilo de não se prever, inconstante naquilo de não se estabilizar, um caminhão de amor naquilo de se amar.

Outro dia li na internet algo parecido com “receita de brownie sem lactose, sem açúcar, sem óleo, sem glúten, à base de alfarroba”.

Quem quiser pode continuar chamando isso de brownie, mas de fato se trata de um? Ou só parece? Talvez seja uma outra coisa qualquer. Talvez nem seja ruim. Talvez seja mais saudável. Mas não é brownie. Não tem o mesmo sabor, nem a mesma textura ou a mesma quantidade de açúcar e chocolate capazes de alterar os níveis de endorfina no corpo.  

Seria assim com a gente também, eu imagino. Altere o percurso por onde andei e ainda vai parecer que sou eu. Mas o gosto, a textura e a habilidade para dizer mais sim do que não, não serão iguais.

Então me decidi. Se me perguntarem se eu me arrependo de alguma coisa na vida, minha resposta não é mais a mesma. Eu, claro, me arrependo de algumas atitudes ou abstenções já tomadas. Mas não, eu não gostaria de ter feito nada diferente, de alterar o curso de nada. Estar onde eu estou, me sentir onde eu deveria estar, girando na minha própria velocidade, sabendo me fazer as perguntas certas e com a sensação de ter as boas respostas, me sentindo pronta para o que vem amanhã... não, não dá para abrir mão disso.

Não poderia abrir mão disso para me tornar um brownie fit, que é qualquer coisa menos um brownie. Ou eu seria qualquer pessoa, menos eu. 

O que finalmente eu quero dizer é que nossos defeitos, nossos desacertos, nossas omissões são o que efetivamente nos compõem. Uma vida correta demais, encaixada demais, controlada demais, pode ter aparência de paz, mas me parece muito mais com tédio. Para alcançar uma verdadeira paz, temos que tocar o caos, o diferente, o novo, o outro, outras vidas, lugares e sensações que nos levem para algum lugar distante da obviedade que não é capaz de nos provocar outra coisa senão perdas inevitáveis do tesão em viver.

terça-feira, 31 de maio de 2016

Desculpa, então, Luiz Otávio.

Fim de tarde. Desci para fazer um lanche. O livro de leis em uma mão, o cartão do banco na outra. Assentei nas mesas da rede de sanduíches que fica embaixo do escritório. Juro que eu estava comendo um salgado fit comprado na padaria ali perto, mas as mesinhas me pareceram um bom lugar para assentar.



Somos uma geração movida a grandes tragédias. Tanta informação, tanta preocupação, tantos projetos para serem realizados ao mesmo tempo, tantas relações para gerir, tanta satisfação para dar, tantas metas para não se estabelecer e quando forem alcançadas serem dobradas, que a gente só reage na marra. Só nos preocupamos com o meio ambiente quando estamos diante do maior desastre natural ocorrido em nosso país, só nos preocupamos com as nossas mulheres quando há um estupro coletivo realizado por dezenas de “caras”, só nos preocupamos com o terrorismo quando ele acontece em um lugar balado na cidade Luz ou quando um avião com civis é derrubado, só nos preocupamos com imigração quando o pequeno sírio Alan foi fotografado morto na beira da praia.



Somos uma geração movida a tragédias tão grandes, que esquecemos de olhar para as tragédias diárias que nos cercam. Vou primeiro dizer que sou estranhamente viciada nos detalhes, em dar para minha vida um sentido diferente todos os dias. Em não perder o tanto de vida que acontece o tempo inteiro nas pequenas coisas, nas cores, nas flores, na poesia, que gravada no meu corpo me lembra que eu não quero perder a graça de fazer poesia com a vida. Mas se eu reparo em pequenos gestos, em gentileza, em alguém que me sorri sem esperar nada em troca, em quem olha nos olhos quando entra no elevador, essa minha lista aí também cresce logo ali.



Eu não consigo deixar de ver. E aí, voltando pra história ali de cima, hoje eu estava lá assentada, tentando ler e comer meu salgado fit, quando fui interrompida pela terceira ou quarta vez, por um outro rapazinho perguntando se “a tia aqui não podia comprar um lanche para ele”. É chato isso né? É. Mas a gente se convence que é chato porque “a refeição é um momento de privacidade” ou porque “a gente quer ler sossegado” ou porque “quer falar ao telefone sem ser interrompido”. Só que não é nada disso. É chato porque é a tragédia ali, sendo esfregada na nossa cara. É chato porque quando eu me alimento eu não quero sentir o estômago embrulhar por ter tão pouco a fazer naquela situação a não ser dizer não ou dar logo o tal lanche para a criança sabendo que isso não resolve aquela tragédia na minha frente que tem cara de ser pequena, mas é enorme.



A criança, - este último não era tão criança assim -, devia ter uns 14 anos e parecia ter 11 porque eles sempre parecem mais novos do que são. Eu me peguei distraída com um cheiro. Cola. E levantei o olhar. Quando olhei para ele tive uma espécie de déjà vu da pior natureza. Sério, que merda (e desculpem de coração o palavrão que normalmente eu uso quando estou feliz, mas aqui não deu para não ser). Poxa. Nossas tragédias, por todos os lados, e a gente finge que não é com a gente. Eu não estou escrevendo isso para explicar o que todo mundo está cansado de saber, nem o motivo do meu aperto no peito. Eu estou escrevendo para frisar que meu déjà vu voltou 5 anos no tempo, na história que eu contei aqui; para lembrar que o tempo passou e tão pouca coisa mudou.



Para lembrar que nossas tragédias estão vivas ao nosso redor e a gente não tem tempo ou coragem de olhar para elas com o olhar certo. Era o mesmo cenário. Era a mesma tragédia. Talvez fosse até a mesma criança que cresceu, e cuja a vida não se tornou melhor. Mas também se não for, se for outro, continua sendo só a mesma estatística a qual me referi da outra vez.



Dessa vez eu não consegui relaxar, eu não consegui entender do que ele precisava mais naquele momento. Dessa vez eu não consegui dar nada para ele que fizesse ele se sentir melhor como na outra ocasião eu achei que tivesse feito. Hoje eu só falei para ele se assentar, comprei uma batata e um suco e esperei ele comer, para não correr o risco dele ser expulso de lá durante o lanche. Ele comeu, mexendo nas minhas chaves em cima da mesa, como se fosse um jeito de mostrar que a gente estava junto. O que não evitou que ele fosse expulso de lá aos gritos – e isso não é modo de dizer - menos de dez minutos depois, quando uma espécie de segurança da lanchonete passou por ele ainda rodando por ali e sentiu aquele cheiro. Cola.



Depois dos gritos, do olhar amedrontado (e drogado) daquele novo Luiz Otávio, cujo nome de verdade eu não tive tempo de saber, o segurança se voltou para nós assentados ali dentro e se desculpou. Se desculpou pelo “constrangimento”. Sem nem se dar conta de que temos um problema muito maior que o constrangimento que a situação nos causou. Sem nem sem dar conta de que deveríamos estar constrangidos por outro motivo. Sem nem se dar conta que quem deve desculpas somos nós. Sem nem se dar conta que quem deve desculpas somos nós, para os Luiz Otávio’s do caminho, pelas tragédias em que nós os transformamos.




Desculpa, então, Luiz Otávio.

terça-feira, 3 de maio de 2016

Essa coisa de ser livre.

“E aqueles que eram escravos entenderam errado esta coisa de ser livre”.

Ser livre tem a ver com não permitir que o olhar do outro determine a maneira como eu me comporto.
Ser livre é não colocar sobre si mesmo um olhar que imputa culpas, ao invés de responsabilidades sobre nossas atitudes.
Ser livre é ter coragem de dizer que é amor.
Ser livre é não ceder nunca ao “se todo mundo faz assim, deve estar certo”.
Ser livre não tem nada a ver com fazer qualquer coisa, mas tem a ver com fazer o que é bom para gente mesmo.
Ser livre é não deixar ninguém escolher o que me faz feliz.
Ser livre é escolher conscientemente onde colocar minha felicidade.
Ser livre é aceitar que desde que minhas escolhas não reflitam negativamente no outro, elas são minhas.
Ser livre é escolher ter três filhos.
Ser livre é escolher não ter nenhum filho.
Ser livre é escolher que o único amor que merece o seu é o dos cachorros.
Ser livre é se apaixonar todos os dias. Pela mesma pessoa ou por uma pessoa a cada dia.
Ser livre é aceitar que eu ainda amo aquele cara, mas que esse amor não paralisou minhas opções de ser feliz.  
Ser livre é poder ter o número de parceiros que você quiser. E ser livre é escolher esperar.
Ser livre é se orientar sexualmente no sentido que for.
Ser livre é trabalhar com algo que te dê prazer e não estar acorrentado a um salário.
Ser livre é escolher seu próprio estilo de vida.

E eu sou.

Eu sou livre quando transbordo, quando falo a verdade.
Eu sou livre quando falo não, quando fico em casa sábado à noite ou quando volto no dia seguinte.
Eu sou livre graças a meus pais que me deixaram ser o que eu quisesse.
Eu sou livre quando não desejo a vida, o corpo, o dinheiro ou a história de ninguém.
Eu sou livre quando sorrio para um estranho na rua.
Eu sou livre quando paquero alguém no metrô.
Eu sou livre quando não dou aquele beijo na frente do portão no fim da noite.
E sou livre quando roubo este mesmo beijo.
E eu sou livre quando não deixo dizerem que mulher não deveria falar palavrão. Nem falar alto.
E sou livre quando não falo palavrão. E quando falo alto.
Eu sou livre quando saio de saia curta.
E sou livre quando me nego a colocar um salto alto.
Eu sou livre quando viajo sozinha.
Eu sou livre quando não aceito seu não como resposta.
Eu sou livre quando choro no saguão do aeroporto.
Eu sou livre quando me apaixono pelos personagens dos livros que eu leio.
Eu sou livre quando não deixo fazerem por mim escolhas que impactarão diretamente no resto da minha vida.
Eu sou livre quando digo sim para um pedido de casamento. E sou livre quando digo não, uma, duas e três vezes.
E sou livre quando sou solteira.
E sou livre quando eu namoro.
Eu sou livre quando não aceito os rótulos que me oferecem.
Eu sou livre quando aprendo a comunicar o que eu sinto.
E sou livre quando não quero falar sobre isso.
Eu sou livre quando fico.
E sou livre quando vou embora.

Eu não sou absolutamente livre, ninguém é. Atribuímos filtros à nossas próprias histórias. Do instagram, dos nossos pais, da lente do outro. Mas há uma busca constante. Enquanto eu puder, eu quero construir minha história com base em uma liberdade adquirida, concedida à base de muitas auto responsabilizações, mas com o conforto definitivo da compreensão da lei dos efeitos e defeitos. Só um perdão demorado oferecido a nós mesmos nos permite caminhar livres, guiados por alguma coisa que se a liberdade não explicou, não deve mesmo ter nome.

terça-feira, 26 de abril de 2016

3,2,1... Já!


Hoje por um segundo eu pensei em esquecer você. Você e qualquer lembrança sua. Eu também quis chorar, mas não consegui. Quase uma homenagem as tantas vezes que em você esperou que eu chorasse e eu fiquei ali imóvel a te olhar, quase que como só para contrariar. Mas é. Eu quase te esqueci, mas não esqueci não. Primeiro, porque junto com você iriam muitas descobertas, o universo infinito das palavras ganhando significado, nossos lugares, notas musicais e as manhãs mais felizes da minha vida passadas juntos descobrindo um jeito só nosso de amar. Segundo, porque você está aqui, gravado no meu corpo, mas não só. Você está nas minhas roupas, nos meus livros, na minha poesia, nos meus sonhos. Você faz parte da pessoa em que eu me transformei e eu não quero deixar de ser. Eu ainda sonho você e você ainda parece de verdade. Mas é bem verdade que a única coisa que parece real por aqui nessa manhã estranha é o número de zeros que compõem a distância que nos separa em metros. O mundo dá voltas, o nosso girou. Girou e parece que foi tanto que estamos de novo no exato lugar onde estávamos quando nos vimos pela primeira vez. Eu ainda não consigo imaginar como eu sou sem amar você. Mas a gente vai aprender. A gente precisa de encerrar esse capítulo, pontofinalizar essa história. Não, eu não te esqueci. E nem vou. Eu vou sempre sentir saudades. Mas deixo você ir. Dessa vez tem que ser em direções opostas. A gente merece o recomeço. Zerar a vida. Reinventar possibilidades. Se permitir novos começos. Eu preciso. E para isso preciso realmente de te deixar ir. Então, vamos. Eu conto ou você? Tudo bem, contamos juntos. No já? 

3, 2, 1... Já.


quinta-feira, 31 de março de 2016

Nem ruim, nem bom.


Essa noite eu sonhei com você. Já tinha mais de um mês e foi a primeira vez. A primeira vez desde que você não está mais aqui. Sei lá. Não foi nem ruim, nem bom. Não, não é saudade. Eu não sinto saudade de você. A gente sente saudade de quem deixou coisas para trás. Você não deixou muita coisa por aqui. A gente sente saudade quando a presença é mais forte que a ausência. Quando ficou mais coisa do que foi. É verdade que ficou uma lista de filmes e séries a serem vistos juntos. Ficaram uns lugares para ir e umas viagens para fazer. Ficaram umas noites de amor para viver e umas posições para testar. Mas é bem verdade que isso não dá saudade nenhuma. São só filmes que eu não tenho interesse de assistir, séries que eu não quero acompanhar. São só músicas que eu não quero mais escutar. São só lugares que eu não quero ir. É isso. Na verdade você só deixou para trás coisas a não serem feitas. Sua presença aqui não me disse nada. Ficou uma sensação, um vazio de alguém que esteve aqui sem estar, que eu não conheci de verdade. Uma promessa muito diferente da oferta, uma propaganda enganosa, que é tão falsa que é engraçado feito piada; e não triste feito desamores ou tragédias. Tragédia anunciada que você foi desde o dia que anunciou sua vinda. O último livro que eu li contava a história de uma mocinha que escrevia uma carta de despedida para cada amor que ela deixava de sentir. Eu percebi que sempre fiz isso. Entre a ficção e a realidade, os meus textos sempre tiveram despedidas dos meus amores. Mas eu não estou aqui me despedindo de você. É que você não foi um amor. É, é óbvio que eu não te amei. Além do mais, a gente só se despede de quem está indo embora. E para ter ido embora você teria que ter chegado efetivamente algum dia. Se te parece estranho a verdade é que você nunca chegou de verdade. Nem sei se você existiu. Ou se eu te inventei.  Eu só me dei conta quando você não estava mais aqui. Quando você ia vir, fez as malas, o roteiro da viagem, me enviou o número  e horário do voo e do portão de chegada. Mas você nunca colocou os pés em terra firme, nunca foi visto desembarcando. Só te vi quando você fez o check-in de partida, quando tomou o caminho de volta. Eu não me despedi. Não teve tristeza, não teve até logo. Não teve perda, nem adeus. É isso aí, você vai ser sempre aquele estranho desconhecido que na nossa despedida deu boas vindas para outra pessoa. E teve uma lágrima, mas foi de raiva. Parece estranho? Parece não. É. Para mim também. Tudo é, você é. Você não trouxe nada, nem levou muita coisa, exceto por um livro estranho cujo final eu não tenho o menor interesse de saber. É isso, eu sonhei com você. E pensando bem, assim como você, não foi nem ruim, nem bom. 

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Por muitas estrelas no teto.





Ei, Caqui! 


Sabe que por mais de uma vez eu ouvi as pessoas dizerem com um certo tom de ironia a respeito da minha maneira de olhar o mundo? Algo do tipo “lá vai a Luísa e o mundinho dela”.


O que estas pessoas não souberam é que de fato eu tenho um mundo inventado e que se para elas pareceu alguma coisa irreal é porque deve mesmo ser. O que elas não souberam é que eu sinto maior orgulho de mim porque criar um mundo para gente mesmo exige muita coragem e dá maior trabalho. O que elas não souberam é que eu inventei este mundo para me proteger, mas aqui eu acabo por ser imune a muito mais coisas do que poderia imaginar. O que elas não souberam é que o fato delas não entenderem um mundo inteiro só me faz ter mais vontade de viver de um jeito diferente da maioria das pessoas que eu conheço. O que elas não souberam é que insistir naquilo em que eu acredito e colocar minha felicidade só na minha própria conta é uma experiência sem preço. 

Mas o mais importante que elas não sabem e talvez nunca virão a saber, é que eu não acordei um dia e resolvi ser do jeito que eu sou. Eu me transformei nisso. E o que muda a gente não é o que a gente tem que passar. O que nos muda efetivamente é a maneira como enfrentamos cada experiência que compõe nossa história.

Quantas Luísas no mundo já perderam seus Lucas’s e provavelmente não se modificaram por isso? E continuaram iguais, exceto pelo fato de serem Luísas sem Lucas’s? Não foi assim para mim. Você sabe que a parte mais intensa de perder você é que você nunca deixou de ser meu? Restou muito pouca coisa na vida que você não tocou, restou muito pouco em mim que não tem o seu toque ou o seu retoque. Eu te perdi e te ganhei muitas vezes na vida para achar que sua invisibilidade tenha sido em vão.

É bem verdade que todo meu ceticismo dificultou muitas coisas. Eu não inventei uma religião ou um Deus para me confortar. Eu segui vivendo das minhas sensações e intuições. Eu, essa Luísa sem Lucas, modificada. Você é um pouco responsável pelo meu comportamento contraditório, por opostos que me habitam de maneira tão evidente a depender de onde se olha. Por ser tão poesia, quanto realidade; por ser tanto sorriso fácil, quanto lágrima escondida; por ser tão doce quanto áspera; tão complexa quanto simples; tão disponível quanto inacessível; por ser tão apaixonada quanto descrente do amor; por ter sonhos mirabolantes e querer tão pouco no final.

Os “sonhos” e o “final” na mesma frase podem ser a resposta para tantas perguntas que me fizeram escolher este jeito de viver. No fim das contas, é ter entendido que o final é agora, daqui a pouco ou há um segundo, que me deixa escolher com tanta verdade o quanto eu transformo meus sonhos em qualquer coisa no presente. É que eu acho que viver só tem graça assim, e morrer também.

É bem verdade que foi em uma dessas fugas suas aí, que eu subtrai de quem quer que fosse o direito de dizer que não é bem assim, que não dá para eu fazer, que não existe o homem que eu quero, o amor que eu quero, a educação que eu quero pros meus filhos, os seres humanos com quem eu quero conviver. Sua morte me disse isso: que não vai ter ninguém no mundo que vai merecer minha descrença em tudo que eu acredito;  que a amargura, a incapacidade de sonhar, o contentamento com o pouco é um problema grave do outro, que pouco querendo, provavelmente, menos ainda terá. Eu aprendi que eu não tenho nada a fazer por estas pessoas que permitem que alguém escolha por elas onde é que elas devam colocar sua felicidade.

E aí eu acho que chego onde eu queria. Um dos textos mais acessados no blog por todos estes anos foi "Estrela no teto". Eu não acho que nada que eu escreva aqui queira enfim dizer muita coisa para ninguém, mas quer saber, eu também me nego a acreditar que de fato não tenha alguma coisa de muito real nas coisas que eu enxergo com olhos tão detalhistas. Talvez para muita gente, a tal estrelinha no teto tenha sido só uma falha do pintor que ficou com preguiça de arrancar aquele adesivo velho. Para mim não é só isso.

Quando eu decidi ir para fora do país eu fugi de muita coisa, de muita gente, até de mim mesma, talvez. E perdi muita coisa com isso. Eu perdi os últimos momentos do Thorzinho, eu perdi fins de noite ao lado dos meus pais, eu perdi um grande amor com olhos de couve, eu perdi até um tanto de coisas que eu nunca vou saber. E eu poderia ter perdido você também. Mas quer saber? Obrigada, por não ter me deixado.

Sabe, quando eu cheguei lá, com aquele infinito inteiro embaixo dos meus pés, eu dormi uns dois dias sem parar. Entrei no quarto no primeiro dia e fiquei ali durante os dois ou três próximos. Quando eu finalmente acordei, era noite de 29 ou 30 de dezembro de 2013, eu tomei um banho e decidi que era para valer, que tinha acontecido. Aí eu entrei no quarto para pensar, deitei na minha cama, apaguei as luzes, fechei os olhos por um segundo e os abri na sequencia. No teto do meu quarto eu vi uma constelação.

Não, não é poesia, metáfora ou nenhuma outra figura de linguagem. Eu vi umas dezeninhas de estrelas no teto. Aqueles mesmos adesivinhos brilhantes que um dia devem ter feito a alegria de alguma criança inocente por aí estavam ali iluminando meu quarto, em cima da minha cabeça. Elas não ficam acessas por muito tempo. Mas me lembro de fechar os olhos, pensar se eu estava sonhando, ainda meio tonta com o fuso horário e quando eu abri elas ainda estavam todas lá.

E para quem quer que fosse, poderiam ser só uns adesivos velhos, mas para mim elas eram um prenúncio, um anúncio, uma intuição, uma premonição, de que tudo que eu perdia estando ali seria devidamente compensado com tudo aquilo que eu tinha a ganhar, nem que fossem apenas, mas nem por isso menos importantes, aquelas infinitas possibilidades. Aquelas possibilidades ilustradas ali em forma de adesivos de estrelas no teto, que se não diriam nada para mais ninguém, para mim disseram tudo que eu poderia querer saber.

Tem um tempo que eu aprendi a falar diretamente com você sem me achar louca por isso. E hoje, neste dia 23 de fevereiro eu venho de novo falar com você, para você, para te agradecer por todas as vezes que você partiu depois da primeira vez e não tenha nenhuma dúvida de que foram muitas, mas principalmente por sempre ter voltado. Obrigada por renovar minha esperança, por não deixar meus medos me travarem, por não deixar eu desistir de acreditar na parte boa das pessoas e da vida, por não deixar a maldade do outro tirar o que eu tenho de melhor, por não deixar a minha maldade me impedir de tentar ser melhor, por me autorizar os clichês e não me deixar viver em nenhuma zona de des-conforto.

Você também me mudou de um jeito ruim talvez. Hoje em dia minha guarda é alta, e é difícil para mim baixa-la, me desarmar. Eu resisto a precisar das pessoas, eu evito algum tipo de afeto, eu distorço meus afetos, eu engulo o choro e falo, falo, falo, e ainda assim às vezes deixo passar o que de fato eu teria que dizer para não me sentir vulnerável. Eu deixo o outro solto, longe, inseguro. Eu deixo de dizer: ‘volta’, ‘eu ainda amo você’, ‘eu não quero te perder’. Isso é meio culpa sua, meio minha, meio do resto da vida inteira que me fez assim.

De toda forma, é tudo por você. É por você, que todos os dias da minha vida, eu vivo. Todos os dias eu sinto sua falta aqui mesmo no presente, aqui assentado ali na escadinha da sala, no sofá ao lado, no andar de baixo. Por você todos os dias eu vou pagar o preço das minhas escolhas e vou tentar ser alguém que eu realmente gostaria de conhecer. Por você eu vou sempre fechar os olhos e ver um céu estrelado, mesmo que esteja nublado, mesmo que seja coisa da minha cabeça, mesmo que ninguém mais possa ver. E vou tentar viver em um mundo que eu sonhei, nem que para isso eu tenha que viver para sempre em um mundo inventado.


Obrigada por todas as estrelas que você colocou no meu teto.

Para os que vão tarde.


Minhas últimas viagens antes de voltar ao Brasil me trouxeram, dentre tantos prazeres, o de conhecer pessoas incríveis. Estas pessoas não vão ser meus melhores amigos, nem futuros namorados, também não vão estar na minha vida para sempre, mas de algum modo vão fazer sempre parte dela de alguma maneira. E essas pessoas serão certamente lembradas em dias quaisquer em momentos significativos. 

Em umas das ilhas da Grécia para onde eu fui sozinha, no barquinho de doze pessoas que nos levava ao lugar mais lindo que eu já conheci na vida, tinha uma brasileirinha. Carol. Carol como a maioria das Carol´s que me cercam era doce. Tinha a fala mansa. Não alterava o tom da voz para falar. E me achou com o olhar, ao se aproximar dizendo: você é a outra brasileira do grupo? Sim, eu era. 

As pessoas que a gente conhece quando está sozinho, viajando por algum lugar que fique a mais que dois meios de transporte de casa, vêm com um selo. É o selo de zona segura. Eu e Carol não precisamos de intimidade ou confiança adquirida através de alguns anos de amizade para estar assentadas na beira daquela praia deserta falando sobre lugares quase inacessíveis das nossas alminhas, sobre um íntimo perigoso até para nós mesmas.

Carol era uma mulher linda. Com seus 38 anos, um sorriso lindo e um olhar cheio de histórias, ela teve que ir até o Japão para viver um amor brasileiro e foi por lá que ela viveu também a experiência que acabou de um jeito não tão raro assim. Eu tinha vivido algum coisa parecida umas semanas antes. E até aquele dia eu não tinha tocado neste assunto com quase ninguém e ela também não. E de repente ali, a gente acessou diante daquelas águas verdes transparentes lugares muito desconfortáveis de nossas histórias e vidas.

Em comum, ainda não cicatrizados, tínhamos vivido duas histórias com um final muito parecido. Aqueles casos em que a história se encerra ali em um diálogo onde um dos lados transborda sensações, impressões e emoções e outro oferece aqueles gritos ensurdecedores e não explicativos do silêncio. Hoje pela manhã me lembrei da Carol. Fiquei lembrando de quanto seus olhos me diziam enquanto ela me contava aquela história sem parar de sorrir. Mesmo sem vontade, talvez. 

Hoje quando olhei no espelho enxerguei o mesmo olhar e o mesmo sorriso. Aí lembrei da minha história. Das minhas. Da dela. Da de dezenas de amigas e amigos que tiveram que lidar com alguém que entendeu que de fato a melhor resposta a alguma pendência afetiva era simplesmente silenciar. Sumir. 

Sempre me perguntei porque é que as pessoas somem. Quer dizer? A gente sabe, no fundo a gente sabe. Todo mundo já saiu nas pontas dos pés, sem fazer barulho, como quem não quer ser visto. Como crianças quando fazem algo errado e saem devargarzinho para escapar ao xingo dos pais. Mas não estamos falando mais de crianças ou pelo menos não deveríamos estar. As pessoas somem porque é confortável, porque sumir é não ter que encarar o outro nos olhos. É não ter que dizer o desconfortável “não te quero mais”. Ou é não ter que dizer: “eu te amo, mas...” ou “não deu para aguentar seus ciúmes, suas inseguranças, suas manias”. Ou “estou voltando para o meu ex”. Ou “a distância está grande demais”. Ou “o tesão – ou o amor – acabou”. Sumir é não ter que discutir a relação. Sumir é não ter que assumir que você não sabe como dizer que está indo embora. Sumir é se poupar. 

Mas sumir é não poupar o outro. Sumir também é covarde. É egoísta. Sumir é dizer muito mais do que se pode imaginar. Sumir é se tirar a chance de dizer a si próprio diante do espelho que está indo e tem que assumir as responsabilidades pelo que perde ao ir. Sumir é visualizar e não responder. Sumir é democrático e serve para todo tipo de gente, mas só some quem não está bem na própria pele, quem está desconfortável consigo mesmo a ponto de não se atribuir a tarefa de dizer o que sente. E quem vai, pode não perceber, ou não saber, mas sumir é uma recusa para si mesmo, muito mais do que para o outro.

Mas para mim, com toda incômoda transparência de quem vive com as janelas escancaradas, isso não responde a pergunta. Porque que é, sen-or, que as pessoas somem? Há sempre duas pessoas em uma relação.  Não importa quão des-afinadas elas possam estar. Ninguém fica ali sozinho, ninguém faz nada sozinho. Ninguém entrou ali sozinho e ninguém deveria ter a ousadia de sair sozinho também. Diante de uma pergunta, as pessoas esperam uma resposta. Nem que seja um não, verbalizado, honesto e explicado, que acaba em certos casos por nunca vir. 

O que ainda resta, entretanto, como verdade, é que as pessoas só fazem com a gente o que nós permitimos. A gente deve a si mesmo não aceitar um amor, um relacionamento afetivo ou sexual com alguém que tenha menos para dar do que a gente merece. E todo mundo merece não incluir nos planos gente que some, que vira pó ou fumaça. 

A gente merece, sim, é esvaziar a lixeira, se considerar livrado, muito mais do que abandonado. A gente merece não despejar em que some expectativas ou afetos que, - se existiram de verdade um dia -, provavelmente passaram a existir somente nas nossas cabeças. A gente merece não inventar desculpas mirabolantes para quem não se deu o trabalho nem de inventar uma esfarrapada. A gente merece não inventar mentiras para uma única verdade simples, nua e crua: fica ali quem quer. 


A gente merece não se perguntar porque que é as pessoas somem. Mesmo sabendo que a resposta não é tão difícil assim de encontrar. Elas somem porque dá na telha delas. E tudo que quem fica acaba devendo é o provável já vai tarde.

domingo, 14 de fevereiro de 2016

Valentine's day.



Eu não lembro mais da roupa que você estava, que poderia ser aquela camisa azul que eu gostava ou aquela verde surrada. Nem lembro do número daquele portão de embarque que poderia ser o 2C ou o 17A. Eu não lembro mais do seu cheiro, que poderia ser aquele perfume importado ou aquele que veio com a pele. Eu não lembro do olhar que você fez, mas poderia ser aquele de quem não se abala ou o outro que segura as lágrimas. Eu não lembro da sua expressão, mas poderia ser aquela séria ou aquele sorriso difícil que eu aprendi a merecer. Eu não lembro do livro que você estava lendo e ficou na cabeceira, mas poderia ser aquele clássico romântico ou aquele outro sobre atividades físicas. Eu não lembro o último lugar que você me tocou, mas poderia ser a curvinha no fim das costas ou a nuca com a mão pesada dizendo que não era para eu ir ainda. Eu não lembro de muitos detalhes, mas poderia lembrar como se fosse agora do que eu sentia sabendo que você era meu. Talvez, só talvez, um dia eu pare de me lembrar disso também. E poderia ser amanhã ou uma outra hora.
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