terça-feira, 21 de agosto de 2012

No lugar mais alto do pódio.

No fundo, todo casal sabe que pode acontecer, mas vive como se não fosse nunca.

Lá atrás com as primeiras conversas, vieram as primeiras promessas. Os primeiros encontros, as primeiras horas e horas de conhecimento diziam, - meio que anunciavam -, que duas almas às vezes saem de seus próprios corpos para se encontrar. E como era bom sentir que era um encontro, sentir que estava nascendo, acontecendo. Que o pedido estava se realizando.Que eles estavam realmente dispostos a se permitir, como na velha música. E se permitiram.

Tudo aquilo que já haviam visto e vivido até ali serviu de norte para o novo casal que nasceu no corredor de uma repartição pública, com o primeiro beijo roubado e desajeitado dentro do carro, com o pedido de namoro no chão da casa da melhor amiga no fim de uma festa. Na verdade o que haviam visto e vivido serviu mais de sul do que de norte. Porque eles só quiseram e se prometeram caminhar no sentido contrário de tudo aquilo com o que não concordavam em outros pares, em tantos amores que lhes pareciam mal sucedidos.

Eles só não queriam acabar como tantos casais, mal se suportando, se traindo, se agredindo, se magoando. Eles só queriam que o que nascia ali fosse tão real quanto parecia ser sonho; um sonho bom. Eles queriam tanto e mesmo parecendo impossível, fizeram ser.

Foram quase seis anos. E pareceu muito mais. E também pareceu pouco para caber tudo aquilo que eles planejaram. Eram o exemplo de namorados. Todo mundo acreditou no que eles viveram porque eram, evidentemente, uma dupla, um par, um casal. Sempre vão ser lembrados assim por quem conviveu com o atípico casal, que parecia mesmo saído de um filme com final feliz.

Ela não se cansava de desenhar com os dedos os oito gominhos na barriga dele e eles discutiam se não seriam sete. Ficava muda quando ele falava sobre Direito ou sobre qualquer assunto no mundo. Duvidava da memória que ele tinha. Adorava a disciplina dele com a academia, alimentação e estudos. Enchia os olhos de água sobre a maneira como ele amava os animais. Adorava ser chamada de morena, pequena, florzinha. Branquinha também. Amava ouvir música inventada a cada bom dia, boa tarde ou boa noite. Até o último dia o coração dela palpitou quando a buzina dele tocou na rua; e era inconfundível. Ela entendeu que não dava para viver sem aqueles olhinhos apertados quando riam para ela.

Ele adorava a mulher não convencional que ela era. Admirava a maneira como ela acreditava intensamente naquilo que escolhia acreditar. Sabia que ela tinha medo de trânsito e de motoqueiro. Que amava livros, crianças e animais. Que ela queria ter três filhos que já tem até nome escolhido. Que tem mania de puxar o cabelo da raiz até a ponta quando está nervosa. Que quer uma casa com dois ambientes separados para cada e um comum. Que não está nem aí para o que é convencionado. E quando ela fazia uma dança esquisita pelo apartamento inteiro até o canto do sofá onde ele sempre estava ele tinha certeza que seria ela a mãe dos seus filhos. Ele disse da primeira até a última vez que ela apareceu na varanda o quanto ela estava linda e o coração dela bateu mais forte todas as vezes.

Eles foram felizes contrariando tudo aquilo que as pessoas dizem que um casal deve fazer. Descobriram a paz um no outro. Foram o amor mais amigo. O abraço mais sincero. Entenderam o que significa se fundir a alguém. Perder a hora caminhando de mãos dadas na beira do mar. Se sentir inteiros andando de bicicletas juntos. O que é achar que suas vidas são apenas uma. Ter certeza de como serão seus filhos e escolher os métodos pelos quais serão educados. Planejar uma festa de casamento fora dos padrões. Saber que muitos planos só terão sentido se realizados juntos. E que uma vida ia ser pouco para realizar tantos planos.

Só que agora não vai dar para ser.

Uma hora, sem que nem por que, algo morreu ali ou se está vivo, se perdeu. Se é possível acreditar que até nisso eles combinaram, foi de comum acordo. Já viu comum acordo para isso? É verdade, eu estava lá, a luz acendeu ao mesmo tempo para os dois. Ou melhor, apagou. Sopraram a vela exatamente no mesmo segundo, como em tantos aniversários comemorados juntos, - porque o destino planejou até esta parte.

O abraço dado naquela última manhã era um grito forte cheio de ecos no maior silêncio do mundo, avisando que era ali, a linha de chegada. Que era a hora de tirar a mesa, de fazer as malas, de virar as costas, de sair da piscina, de juntar os brinquedos. Eles seguraram o ar por um segundo, três minutos ou dezessete, não se sabe ao certo dizer. Da porta, a sogra disse alto sem saber ou tendo certeza do que o momento estava antecipando: "Que delícia de abraço." Eles não sorriram.

Eles construíram um castelo juntos. Tijolo por tijolo. Dia por dia. Beijo por beijo. Risada por risada. Sessão de cócegas. Tarde no tapete. Conversas jurídicas. Japonês. Filme. Cinema. Pipoca. Subway. Parque. Vinho. Carona. Buzina. Risos. Sorrisos. Viagens. Fotos. Muitas fotos. Reveillon, Páscoa, Natal. Dieta. Planilhas. Mineirão. Futebol. Livros. Formatura. Abraço. Cintura. Mãos dadas. Flores. Bombons. Compras. Praia. Morar juntos um mês por ano. Carona. Revezar para dar comida para os cães de manhãzinha. Dormir nos primeiros dez minutos do filme. Ter uma parte qualquer do corpo encostada no outro durante toda a noite. Beijos. Abraços. Presentes. Presente. Futuro. Passado.

Um fim de tarde. Um fim da história. Ou uma chance para um recomeço. Ou dois. Naquele carro. O último beijo. A última cena. A última vez que ele a olhou na varanda, esperando que ela entrasse em casa antes de arrancar o carro. E ela nem entrou. Ficou ali, parada, por uns bons minutos antes de ter coragem de virar as costas e ir para uma vida que parecia tudo, menos a dela.

A verdade é que junto com os dois tem uma legião de pessoas meio desacreditadas de que um amor deste tipo pode se transformar assim. Mas quer saber? No quarto escuro em que devem morar por uns tempos, onde é difícil enxergar, eles ainda conseguem encher o peito para dizer que alcançaram a linha de chegada no ápice, na melhor parte. Lá, onde se estoura a champagne, no lugar mais alto do pódio após completar os 42.195 metros liberando endorfinas e dopaminas próprias da paixão. É aí que eles estão saindo de cena.

Não dá para estar no lugar mais alto do pódio e pensar que algo possa ter saído errado. Deu certo, muito certo. Mas também não dá para chegar até a linha de chegada e continuar correndo. É este o momento. Ou nenhum outro. Eles pararam de correr antes de se frustrarem, se desrespeitarem, se enganarem. Antes de se quebrarem. E antes de casarem também. Enquanto ainda são tudo aquilo que eles se propuseram, lá no início, a ser até o final, sem nem saber se ia acabar.

A verdade é que a missão foi cumprida. Muitíssimo bem cumprida, aliás. E é por isso que quando a vela for novamente acesa, quando acenderem a luz do quarto eles vão estar prontos para amar outra vez. Agora, com as luzes apagadas está difícil de acreditar, sabendo que estarão modificados para sempre depois disto tudo. Mas eles vão lembrar que amar sempre vale a pena. Porque vale. Porque valeu. E foi bom. Foi ótimo. E para ser melhor ia ter que acontecer de novo em outra vida.
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