segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Desculpas antes que o ano vire.



Fim do ano e sempre me despeço por estes dias. Natal, virada de ano. Natural que as pessoas agradeçam e renovem os pedidos para os próximos 365 dias que neste momento se parecem centenas de oportunidades de fazer tudo diferente. Neste ano não vou seguir o protocolo, não vou renovar os pedidos um a um porque 2012 me mostrou que nossos planos, nossas intenções não tem muita vontade própria. O destino se desenha como quer e nossa luta é para se desviar aqui e ali do que não parece o ideal. Também não vou agradecer, ainda que eu tivesse motivos para isso, porque gratidão é atitude, é referência, é coerência e não um amontoado de palavras soltas e sem sentido.

Para fugir do clichê hoje eu vou fazer diferente e vou me desculpar enquanto é tempo e antes do ano virar, vou me desculpar comigo e com vocês. Peço sinceras desculpas por desrespeitar meu destino, por ter desacatado o que eu senti por mais de uma vez, por ter encerrado tanto vida, por ter alterado o curso da minha história, negligenciado meus instintos e eliminado chances quando eram um mero pressentimento.

Peço sinceras desculpas por quando fui frágil, por não ter segurado lágrimas na sua frente, em público e no escuro do meu quarto. Peço sinceras desculpas por ter chamado minha covardia de coragem, por tomar decisões importantes em dez segundos, por não dizer minha decepção quando você me fez ser algo que não mora em mim.

Peço sinceras desculpas por não ter assumido certas responsabilidades, por não saber a hora de parar, por não ter aprendido a dizer não, por estar vulnerável por paixão. Peço desculpas por ter negligenciado meu sentimento, o seu, o dele. Peço desculpas por não ter te dado a chance de viver em mim.

Peço desculpas se te julguei mal, se te julguei por uma atitude isolada, se te julguei simplesmente. Peço desculpas por me oferecer corpo, quando tinha um sorriso tão sincero para te oferecer. Peço desculpas por não ter te dito que também moram sentimentos ruins em mim, que eu te achei egoísta, frio, leviano e senti raiva. Peço desculpas pela raiva que eu senti.

Peço desculpas por não ter associado música alguma à você, mas não quis estragar músicas que eu gostasse. Peço desculpas por não ter atendido sua ligação naquela madrugada mesmo imaginando que você se doía e se sentia sozinho. E por ter desejado que seu plano não se realizasse por não fazer parte dele.

Peço desculpas por sentir que fiz menos do que eu pude. Desculpas por querer receber aquilo que você nem tinha para dar. Desculpas por colocar em você uma expectativa que nem em mim eu aceito que depositem. Desculpas muito sinceras por ter tentado esquecer você e desculpas por não ter conseguido. Desculpas por não ter dito mais vezes o que eu sentia. E desculpas pelas vezes que eu disse.

Peço desculpas por ter usado as entrelinhas e na sequência sido tão assustadoramente clara. Peço desculpas por não ter tempo de deixar subentendido e precisar gritar o que eu sinto e quero. Peço desculpas por ter o ego do tamanho do mundo e não ter sido treinada ao não. Peço desculpas por não ter te abraçado tanto e por ter estado conectada por tempo demais ao seu lado.

Peço desculpas por não saber o jeito certo de te pedir para mim. Por te deixar ir embora. Por deixar a vida seguir sem você. Peço desculpas por guardar em mim tanta vida que era para eu colocar pra fora. Peço desculpas pela falta de habilidade. Peço desculpa por entender sua decisão como medo e a minha como coragem, quando vai ver é tudo ao contrário. Agora, daqui, a vida inteira é que parece ao contrário e parece que ninguém reparou.

Desculpas a mim e a vocês. Desculpas que eu encerro o ano aceitando, me perdoando. Pra viver. Pra seguir em frente. Pra virar a página. Espero que você me desculpe também. Espero que você se desculpe também. Até o ano que vem.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

"De maior".

Isso sempre acontece comigo. E deve ter alguma razão. Saindo do Tribunal de Justiça assentei em uma daquelas casinhas de ônibus para organizar minhas coisas e esperar um táxi. Estava lá não tinha dois minutos e vem uma princesinha de rua, rostinho de boneca, descalça, um vestido caindo largo sobre os ossinhos dela, tentando vender adesivos. A reação é meio padrão e a minha também foi. – Compra um tia? – Não tenho, princesa.
E ela se assentou ali do meu lado para esperar. As duas pessoas que estavam por ali deram uma afastada que me encheram de raiva e um certo nojo.Meu telefone tocou em cima da minha pasta, a pequena olhou para minha foto na imagem de fundo, depois para mim e perguntou: - É você? Eu olhei para ela e concordei, ouvindo, então, daquela boquinha desenhada, que eu estava muito bonita na foto. E ela disse isso enquanto colocava a mão no meu joelho. Olhei melhor para aquela coisinha magrela do meu lado, com os olhinhos de jabuticaba na minha direção e pensei em quanta distância aparentemente havia entre nós, apesar dela definitivamente agir como se sentisse que não havia nenhuma. E na verdade não havia mesmo. E era como se meu corpo dissesse que ela podia ter feito aquilo, me tocado, se aproximado. E na verdade dizia mesmo.

Aí eu contei para ela que a foto era no casamento de um grande amigo, que eu havia me maquiado, arrumado meus cabelos e por isso estava bonita. E ela disse que às vezes a mãe dela se maquiava e também ficava bonita. E a conversa foi por ai. Passou rápido no meu pensamento uma puta vergonha de lembrar quanto eu tinha gasto naquela maquiagem e naquele cabelo e um segundo atrás tinha me negado a comprar um adesivo de um real. Só sei que com meus anjinhos na Força do Bem eu aprendi o poder do toque, do olhar, do abraço. Só que eu não podia abraçar aquela criança ali na minha frente. Seja porque talvez ela não estivesse pronta para isso, seja porque isso pudesse representar uma certa loucura da minha parte. Aí eu fiz o que eu pude, me aproximei dela até nossos braços e pernas estarem encostados e deixei ela pegar meu celular “segurando sozinha”, como ela quis, correndo um risco enorme de perdê-lo, mas sabendo no fundo que não ia.
 Aí a conversa seguiu. Soube que ela estuda de manhã, de tarde vai para rua ajudar a mãe a vender os adesivos para pagar o aluguel, mora em uma casa em Santa Luzia, mas o aluguel é R$ 250,00, mora com a mãe e com os irmãos, de 3,5 e 8 anos, e nunca soube do pai. Os irmãos não ajudam porque eles são “de menor”, mas como ela é “de maior” ela pode ajudar. Aí pronto. Meu olho cheio de água, um nó na garganta. Uma raiva do ser humano. Vontade de sacudir aquela magrelinha e perguntar porque ela achava que tinha o direito de olhar no meu olho e dizer que era maior. Maior em que? Maior estatística ruim? Maior injustiça do mundo? Maior doçura dentre aquelas centenas de pessoas rodando naquela rua nojenta onde ninguém se dava o trabalho de olhar para ela?
 Maior...certamente ela é maior, bem maior do que a maioria daquelas pessoas que se afastam quando ela assenta. Maior que estes corruptos nojentos que não são capazes de imaginar a vida que este tipo de anjo leva quando desviam bilhões de reais do dinheiro público. Maior quando toca meu joelho com aquela naturalidade que só uma docinha de seus menores onze anos seria capaz de possuir no meio deste mundo esquisito. Ela ia vender os adesivos no ônibus, explicou que hoje estava ruim para vender. Resolvi comprar uns para sobrinha - que eu nem tenho -, ela me convenceu de que o do Luan Santana era o preferido das meninas e eu levei alguns. Então, o ônibus em que ela ia vender as cartelinhas chegou, ela me olhou toda linda e disse: - Chegou, vamos? E eu, esperando meu táxi, sem olhar para onde o tal ônibus ia, fui. Só que o motorista não deixou ela entrar.

Não deu tempo de dar tchau, de mandar beijo, de perguntar seu nome, nem desejar boa tarde ou boa sorte. Só deu tempo de ver aqueles olhinhos de jabuticaba me olhando lá de fora. Na minha cabeça uma frase que minha mãe disse um ou dois dias atrás, sobre como seria bom se todo mundo fosse criança para sempre. Bom sim, mas bom demais para ser verdade.
Aí eu chorei.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Do que aprendi com eles.

Dia dos professores. E minha homenagem para eles vai através das duas pessoas mais importantes na minha vida. Meus pais são envolvidos com educação desde seus primeiros anos de trabalho. Não trabalham mais dentro da sala de aula, mas construíram tudo que tem investindo nisso com muito amor, ensinando aquilo que aprenderam nas especializações e na vida. Independente do belo trabalho que os vejo realizar, sinto que aquilo que de mais importante ficou na história foi o que me ensinaram e que por outras vias também alcançou a centenas de pessoas. É aquilo que ultrapassa a grade curricular e permitiu que eu fosse hoje Dra. Luísa, Xú, Lú, Luli, Magrela, Morena, Pequena, Xulispa, Da minha janela. Professores são almas livres, pessoas que não envelhecem, que não param no tempo, que estão dispostos a doar o que sabem, a dividir o melhor de si mesmos, a passar a vida tentando ensinar a própria vida para jovens para quem o céu é o limite.
 
Comigo também foi assim. Cresci dentro da minha casa e aprendi tudo que sei ali. Desaprendi muita coisa na rua, é verdade. Mas o que há de bom, veio de dentro. Educada por eles pude muito. Pude ser mais conteúdo do que imagem. Pude entender como acertar. E me perdoar pelos enganos, que não foram muitos, mas existiram. E existindo me ensinaram a ser honesta comigo mesma. Meus pais me ensinaram o valor do amor. O prazer da liberdade. E como ela só tem graça quando se tem para onde voltar. E como ela dói se for mal usada. Meus pais me ensinaram a me levantar do chão após cair em queda dura com a morte do meu irmão. Meus pais me ensinaram que eu posso ser quem eu quiser. Que as pessoas podem ser quem são. E que só temos o direito de gostar ou não gostar de quem conhecemos de verdade. E precisamos nos dar o direito de conhecer a fundo cada um que cruza nosso caminho. E entender que nada é por acaso, nem a passagem das pessoas por nossas vidas, nem a permanência delas. Meus pais me ensinaram a ser uma risada ambulante, uma gargalhada fácil, um sorriso doce. Meus pais me ensinaram o prazer das palavras, escritas, ditas e lidas. E também me ensinaram o valor do silêncio. Meus pais me ensinaram a dar valor ao beijo sincero, ao carinho bem dado, ao querer bem das pessoas. Meus pais me ensinaram a resgatar sempre aquilo que a vida vai tirando de nós, como a inocência. E buscar aquilo que há de melhor em mim. E me ensinaram a me amar mais. E amar tanto o outro quanto eu gostaria de ser amada. E me ensinaram paciência. E me ensinaram a ser e fazer tudo diferente do que eu aprendi sem perder o norte para onde minha bússola aponta. Meus pais me ensinaram o prazer de viajar; de fazer as malas, rodar o mundo. E o prazer de voltar para casa. Meus pais me ensinaram que tenho que ter todos os desejos dentro do peito. Me ensinaram a boa música (também amo pagode e sertanejo). E me ensinaram a gostar do que e de quem me faz sentir viva, mesmo que os outros não achem aquilo necessariamente bom. E me ensinaram a entregar para as pessoas o que eu tenho de melhor.

E se eles não me ensinaram tudo isso, eles certamente me ensinaram como aprender. Pelo caminho mais duro ou mais fácil, mais curto ou mais longo, mais sofrido ou mais simples. Mas me apontaram a direção. E me permitiram ser o que eu escolhi ser.

Meus pais me ensinaram a aprender com os erros deles também. E aprendi entendendo que pais são meio heróis, mas também são meio humanos. E vão errar, talvez nos magoar, talvez ser magoados. Mas são aqueles que vão sempre estar lá. Nos sorrir com doçura. Prometer que tudo sempre vai ficar bem de um jeito que dá para acreditar. Nos ensinar a ser doces, além de tudo. Fortes, além de tudo. Filhos, além de tudo. Alunos, além de tudo. Para nunca perder o jeito de aprender. Para nunca deixar de saber que a vida sempre tem o que ensinar.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Só mais uma de amor II.


Ele saiu, deixou a porta bater nas suas costas e ficou ali parado, ouvindo só sua própria respiração e talvez o som que ele achou ser do soluço baixinho dela por trás da porta.

O fez não sem antes ter ouvido da boca salgada de lágrimas dela que ele era um idiota ou corrompido, não sei mais ao certo. Não sem antes também ter dito que ela levava uma vida louca, sem rumo. Tudo aos quase gritos. Entre lágrimas. Verdades parecidas com mentiras. Mentiras parecidas com verdades. Acusações. Ofensas. Carapuça que serviu como luvas para os dois. Mesmo que nenhum deles fosse tão ruim assim como o outro naquela hora queria tanto acreditar.

Eles tiveram um caso por duas semanas; romance relâmpago, mais relâmpago do que romance. Ele era comprometido há muitos anos. Ela uma solteira convicta, também há muitos anos. Ele tinha uma relação que alcançava quase uma década. Ela só tinha relações superficiais desde que o ex-noivo lhe trocou por uma grande amiga; isso já uns três anos antes.

Amantes fazem promessas. Ele prometeu que queria estar inteiro naquela relação. Ela aceitou a promessa e esperou que fosse cumprida. Ambos sem saber porque o crédito em algo aparentemente tão incerto. No último encontro a promessa ficou no ar, porque “como estava é que não dava mais para ficar”; ou pelo menos era isso que eles achavam. “– Me procura quando estiver livre. – Procuro. – Promete, então. – Prometo. Me espera. – Te espero.”

No dia seguinte, em um encontro ocasional, que pelo lugar e companhias não era tão ao acaso assim, ela beijou dois outros caras e poderiam ter sido quatro, ou seis. Ele assistiu tudo. Emputecido. Magoado. Quebrado até. A namorada viajando a trabalho e ele ali - abandonado pelo amor por aquela outra mulher que nunca disse com todas as letras que seria sua, mas (ele acha) deve ter dado a entender.

Voltamos lá em cima, no começo da história. Além da porta que separa os dois mundos.

No fundo ela é só uma mulher com medo de acreditar que todos os homens do mundo não vão quebrar seu coração, não vão trocá-la por outra que provavelmente não tenha um amor tão bom quanto o seu para dar. De família abastada e boa, cheia de boas maneiras, discreta, identificada por nome e sobrenome, inteligente, com uma lista de bons partidos à disposição.

No fundo ele é só um cara normal. Vive uma relação estável até demais que ocupa quase um terço da sua vida. Trabalha em uma empresa de engenharia, participa de projetos sociais, nunca fica com duas em uma mesma noite. É viciado em vinho e leitura, escritor por hobby. Se diverte mais com seus amigos do que fazendo qualquer outra coisa na vida. Tem um sorriso largo e fácil.

No fundo os dois carregam dúvidas, anseios, questionamentos e inseguranças com os quais são mais complacentes dentro de suas cabeças do que nas suas atitudes. Nenhum dos dois perdoa a si próprios. Nenhum dos dois se aceita exatamente como é. Ele não perdoa que precise buscar em outras mulheres aquilo que o tempo impossibilitou que a sua própria lhe proporcionasse. Também não perdoa sua própria falta de coragem de abandonar um barco talvez furado. Ele não perdoa seu talvez. Ela não perdoa que não possa só se divertir, dar umas risadas, sem sucumbir à desejos tão mundanos após uma taças de espumante importado. Também não perdoa que seus dias seguintes a façam sentir aquelas pessoas do copo meio vazio, ou inteiro vazio. Ela também não perdoa seu talvez.

Talvez eles entendam um ao outro mais que a si mesmos no fim das contas. Nunca quiseram se julgar, questionar suas escolhas. Mas fizeram isso e pior, fizeram isso sem se preocupar em trocar seus pés e almas de lugar para entender a realidade alheia. Eles gostariam só de respeitar melhor as opções que cada um tem que fazer para viver como acha que deve para sobreviver. Eles se magoaram assim, meio sem querer. Mesmo acreditando que no fundo tivessem potencial para ser um bom casal. Ou teriam, se fosse tudo mais menos o oposto do que é.

Ali no corredor, atrás da porta que fechou atrás de si, ele ainda ouviu o eco das suas palavras duras ditas para ela que quase se afogou em lágrimas, após tremer os lábios por trinta intermináveis segundos tentando engolir o choro. As palavras duras dela também ecoavam, repetindo tudo aquilo que a vida ia mostrar para os dois que não importava tanto no fim das contas.

Ali dentro, no sofá da sala à meia luz, ela ainda era capaz de ouvir o baque abafado da batida forte da porta, que deixou um silêncio ensurdecedor e um vazio lotado. Ela também era capaz de ouvir a respiração cheia de remorso do cara que no dia anterior a fez uma promessa que não cumpriu.

Dali em diante cada um seguiria seu caminho e suas vidas iriam continuar exatamente como sempre foram. Ele continuava escolhendo a quem enganar, a si próprio ou a atual namorada. Ela continuava escolhendo quem enganar, a si própria ou ao próximo da fila dos bons pretendentes que sabiam que ela era sim tudo aquilo que não se permitia mais ser.

Tudo que eles queriam e precisavam para suas vidas eram um ao outro. Mas isso eles nunca vão vir de fato a saber. A história foi mais ou menos assim. Ou bem parecida.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

No lugar mais alto do pódio.

No fundo, todo casal sabe que pode acontecer, mas vive como se não fosse nunca.

Lá atrás com as primeiras conversas, vieram as primeiras promessas. Os primeiros encontros, as primeiras horas e horas de conhecimento diziam, - meio que anunciavam -, que duas almas às vezes saem de seus próprios corpos para se encontrar. E como era bom sentir que era um encontro, sentir que estava nascendo, acontecendo. Que o pedido estava se realizando.Que eles estavam realmente dispostos a se permitir, como na velha música. E se permitiram.

Tudo aquilo que já haviam visto e vivido até ali serviu de norte para o novo casal que nasceu no corredor de uma repartição pública, com o primeiro beijo roubado e desajeitado dentro do carro, com o pedido de namoro no chão da casa da melhor amiga no fim de uma festa. Na verdade o que haviam visto e vivido serviu mais de sul do que de norte. Porque eles só quiseram e se prometeram caminhar no sentido contrário de tudo aquilo com o que não concordavam em outros pares, em tantos amores que lhes pareciam mal sucedidos.

Eles só não queriam acabar como tantos casais, mal se suportando, se traindo, se agredindo, se magoando. Eles só queriam que o que nascia ali fosse tão real quanto parecia ser sonho; um sonho bom. Eles queriam tanto e mesmo parecendo impossível, fizeram ser.

Foram quase seis anos. E pareceu muito mais. E também pareceu pouco para caber tudo aquilo que eles planejaram. Eram o exemplo de namorados. Todo mundo acreditou no que eles viveram porque eram, evidentemente, uma dupla, um par, um casal. Sempre vão ser lembrados assim por quem conviveu com o atípico casal, que parecia mesmo saído de um filme com final feliz.

Ela não se cansava de desenhar com os dedos os oito gominhos na barriga dele e eles discutiam se não seriam sete. Ficava muda quando ele falava sobre Direito ou sobre qualquer assunto no mundo. Duvidava da memória que ele tinha. Adorava a disciplina dele com a academia, alimentação e estudos. Enchia os olhos de água sobre a maneira como ele amava os animais. Adorava ser chamada de morena, pequena, florzinha. Branquinha também. Amava ouvir música inventada a cada bom dia, boa tarde ou boa noite. Até o último dia o coração dela palpitou quando a buzina dele tocou na rua; e era inconfundível. Ela entendeu que não dava para viver sem aqueles olhinhos apertados quando riam para ela.

Ele adorava a mulher não convencional que ela era. Admirava a maneira como ela acreditava intensamente naquilo que escolhia acreditar. Sabia que ela tinha medo de trânsito e de motoqueiro. Que amava livros, crianças e animais. Que ela queria ter três filhos que já tem até nome escolhido. Que tem mania de puxar o cabelo da raiz até a ponta quando está nervosa. Que quer uma casa com dois ambientes separados para cada e um comum. Que não está nem aí para o que é convencionado. E quando ela fazia uma dança esquisita pelo apartamento inteiro até o canto do sofá onde ele sempre estava ele tinha certeza que seria ela a mãe dos seus filhos. Ele disse da primeira até a última vez que ela apareceu na varanda o quanto ela estava linda e o coração dela bateu mais forte todas as vezes.

Eles foram felizes contrariando tudo aquilo que as pessoas dizem que um casal deve fazer. Descobriram a paz um no outro. Foram o amor mais amigo. O abraço mais sincero. Entenderam o que significa se fundir a alguém. Perder a hora caminhando de mãos dadas na beira do mar. Se sentir inteiros andando de bicicletas juntos. O que é achar que suas vidas são apenas uma. Ter certeza de como serão seus filhos e escolher os métodos pelos quais serão educados. Planejar uma festa de casamento fora dos padrões. Saber que muitos planos só terão sentido se realizados juntos. E que uma vida ia ser pouco para realizar tantos planos.

Só que agora não vai dar para ser.

Uma hora, sem que nem por que, algo morreu ali ou se está vivo, se perdeu. Se é possível acreditar que até nisso eles combinaram, foi de comum acordo. Já viu comum acordo para isso? É verdade, eu estava lá, a luz acendeu ao mesmo tempo para os dois. Ou melhor, apagou. Sopraram a vela exatamente no mesmo segundo, como em tantos aniversários comemorados juntos, - porque o destino planejou até esta parte.

O abraço dado naquela última manhã era um grito forte cheio de ecos no maior silêncio do mundo, avisando que era ali, a linha de chegada. Que era a hora de tirar a mesa, de fazer as malas, de virar as costas, de sair da piscina, de juntar os brinquedos. Eles seguraram o ar por um segundo, três minutos ou dezessete, não se sabe ao certo dizer. Da porta, a sogra disse alto sem saber ou tendo certeza do que o momento estava antecipando: "Que delícia de abraço." Eles não sorriram.

Eles construíram um castelo juntos. Tijolo por tijolo. Dia por dia. Beijo por beijo. Risada por risada. Sessão de cócegas. Tarde no tapete. Conversas jurídicas. Japonês. Filme. Cinema. Pipoca. Subway. Parque. Vinho. Carona. Buzina. Risos. Sorrisos. Viagens. Fotos. Muitas fotos. Reveillon, Páscoa, Natal. Dieta. Planilhas. Mineirão. Futebol. Livros. Formatura. Abraço. Cintura. Mãos dadas. Flores. Bombons. Compras. Praia. Morar juntos um mês por ano. Carona. Revezar para dar comida para os cães de manhãzinha. Dormir nos primeiros dez minutos do filme. Ter uma parte qualquer do corpo encostada no outro durante toda a noite. Beijos. Abraços. Presentes. Presente. Futuro. Passado.

Um fim de tarde. Um fim da história. Ou uma chance para um recomeço. Ou dois. Naquele carro. O último beijo. A última cena. A última vez que ele a olhou na varanda, esperando que ela entrasse em casa antes de arrancar o carro. E ela nem entrou. Ficou ali, parada, por uns bons minutos antes de ter coragem de virar as costas e ir para uma vida que parecia tudo, menos a dela.

A verdade é que junto com os dois tem uma legião de pessoas meio desacreditadas de que um amor deste tipo pode se transformar assim. Mas quer saber? No quarto escuro em que devem morar por uns tempos, onde é difícil enxergar, eles ainda conseguem encher o peito para dizer que alcançaram a linha de chegada no ápice, na melhor parte. Lá, onde se estoura a champagne, no lugar mais alto do pódio após completar os 42.195 metros liberando endorfinas e dopaminas próprias da paixão. É aí que eles estão saindo de cena.

Não dá para estar no lugar mais alto do pódio e pensar que algo possa ter saído errado. Deu certo, muito certo. Mas também não dá para chegar até a linha de chegada e continuar correndo. É este o momento. Ou nenhum outro. Eles pararam de correr antes de se frustrarem, se desrespeitarem, se enganarem. Antes de se quebrarem. E antes de casarem também. Enquanto ainda são tudo aquilo que eles se propuseram, lá no início, a ser até o final, sem nem saber se ia acabar.

A verdade é que a missão foi cumprida. Muitíssimo bem cumprida, aliás. E é por isso que quando a vela for novamente acesa, quando acenderem a luz do quarto eles vão estar prontos para amar outra vez. Agora, com as luzes apagadas está difícil de acreditar, sabendo que estarão modificados para sempre depois disto tudo. Mas eles vão lembrar que amar sempre vale a pena. Porque vale. Porque valeu. E foi bom. Foi ótimo. E para ser melhor ia ter que acontecer de novo em outra vida.

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Carta para ele.

Nunca fiz isso assim, nunca escrevi para você diretamente. Me parecia difícil demais. Quer dizer, ainda me parece. Você sabe dos meus ceticismos e para te escrever eu precisava de acreditar realmente que você fosse capaz de ouvir. Você também sabe que quando foi embora me tirou um pouco este tal do não acreditar, porque foi a única forma que encontrei para viver; sobreviver eu diria.

Também acho que nunca quis pensar exatamente naquilo que teria te dito pela última vez se tivesse tido esta chance. Sufocante demais pensar nisso, porque esta chance não existiu. E nem vai. Mas sempre dá para tentar. Eu sou de me arriscar, você sabe. Preciso de sentir antes, viver antes, para saber.

Sabia que eu me lembro da última vez que a gente se falou? Você me ligou, na quarta-feira antes do carnaval. Falou para eu ligar para mamãe e pedir para ela comprar passagem para você viajar na quinta-feira. É, naquela quinta-feira. Uma viagem que você inventou de última hora. Eu estava no Gabinete trabalhando e tinha um tanto de gente perto, então fui meio seca – isso me chateou um segundo depois de eu ser. Te disse que nem adiantava pedir porque mamãe estaria trabalhando e não ia ter tempo. Passados dois minutos você ligou de novo e disse que ela tinha comprado. Ela sempre dá um jeito, a gente sabia que ela daria. Amoleci a voz, perguntei quem ia com você, que dia você voltava, umas duas ou três coisas que pareciam tão desimportantes naquela hora e agora eu faço um esforço enorme para lembrar. Para lembrar da sua voz, do seu tom de voz naquela conversa, naquela última vez que te ouvi. Me lembro que você riu mesmo de algo que eu falei, mas não consigo me lembrar de que. Eu tento muito lembrar e é ruim demais. Me lembro que você estava leve, homem, meu amigo. Me lembro de que foi a última vez que eu ouvi sua voz.

Sabia que tinha escrito uma carta para você, papai e mamãe no dia do acidente? Eu também ia viajar no dia seguinte e tive uma sensação estranha no peito. Mas estava feliz naquele dia, com um sentimento diferente, mas bom. Sinto uma puta culpa disso, poxa. Se ao menos eu tivesse ficado triste, tivesse tido a idéia de te ligar, sei lá, saber como você estava, ouvir sua voz. Mas eu não adivinhei. Eu ia te ver antes das nossas viagens. Você ia voltar naquela noite. Mas resolveu voltar mais cedo do trabalho. Eu fui direto para academia depois de sair do Fórum e ia te encontrar quando voltasse para casa. Na verdade você ia estar para chegar. Na verdade você está para chegar até hoje, mas eu achei que era de outro jeito.

Sabia que o Bruno me levou para casa? Foi até a academia e me perguntou se eu não queria uma carona. Eu estava rindo, distraída e leve. Ele teve que me chamar para ir embora por mais de três vezes antes de eu olhar nos olhos dele e perceber que tinha algo estranho. Eu disse que não podia ir porque papai ia me buscar. Ele disse que não ia. Aí achei que meu pai tinha infartado. Não sei por que, mas foi o que eu pensei na hora. Quando ele disse que não, foi um alívio, mas a expressão dele não melhorou. Ai eu soube. Soube que tinha algo errado. Perguntei se tinha algo com a mamãe e ele disse não outra vez. Perguntei se era você e ele disse que "-sim, um acidente". E a gente já estava no carro indo para casa quando eu perguntei se estava tudo bem e ele soltou um ruído que eu quis que fosse um sim. E eu perguntei se ele jurava que não tinha acontecido nada sério. E ele calou.

Sabia que me lembro também da última vez que nos vimos? Eu cheguei de uma festa já era de manhã e fui pegar biquini lá em casa para ir tomar sol na casa da Sasá. Eu entrei pela sala e você estava assentado no sofá, eu tropecei no fio do seu celular que estava carregando e cai no chão. Você riu, todo lindo e me chamou de marmota. Enquanto eu fazia minha malinha, você e papai foram ver uns vídeos no computador, me lembro de parar no meio do corredor e dar tchau para vocês. Meu pai falou um "até já" sem se virar. Você virou na minha direção, sorriu para mim, olhou nos meus olhos e se despediu. Pela última vez.

Sabia que sou uma grande amiga dos seus amigos agora? Trabalho com o Cabeça e ele toma conta de mim. Ele me trata exatamente como você me tratava sabia. Fala quando eu engordei e me segura a onda na Tpm. Sou baranga para o Nando e para o Serginho. Esquisita pro Romanelli. Luísa mesmo para o Marcelo, que agora tem uma esposa de nome igual. Lulu para o Bruno e o Felipe. Eles estão se casando, quase todos. E eu não sei por que, mas acho que se você estivesse aqui você não ia querer se casar ainda.

Sabia que quando você foi embora me prometi que nunca ia agir de um jeito que fosse te decepcionar? Só que às vezes eu faço tudo errado. Meto os pés pelas mãos. E não consigo cumprir as promessas que fiz para você e para mim. Às vezes machuco as pessoas. Às vezes deixo elas me decepcionarem. Você sabe. Nestas horas você faz uma falta danada.

Sabia que eu chorei quando perdi o aparelho celular que eu usava porque tinha seu contato nele e toda vez que eu mexia na agenda estava lá “Irmãozinho lindo” me fazendo sentir que em qualquer mínimo detalhe que fosse alguma coisa ainda era igual?

Sabia que tem fotos suas pela casa toda e que isso faz a gente sentir que você sempre faz parte de tudo? Naturalmente? E sabia que minha mãe escolheu umas fotos muito ridículas que eu tenho certeza que você ia tirar se pudesse? Em todas as nossas fotos eu era gordinha e isso me irrita um pouco. Mas não muito, porque eu olho só para você quando vejo as fotos. Sabia que eu emagreci? E fiquei magricela? E todo mundo pensou que eu tinha algum transtorno alimentar e agora eu ganhei uns quilinhos e não estou mais tão magrela.

Sabia que um dos melhores dias da minha vida foi uma madrugada nossa? Nossa ida para Happy news, ouvindo “Tô nem aí”, no carro cheiroso do Bruno. Você pagando minha conta e me protegendo dos mocinhos da boate e ficando com minha melhor amiga e nós voltando para casa de manhã e dormindo todo mundo espalhado pelos quartos.

Sabia que eu sinto falta de umas coisas que nem aconteceram?

Sabia  que queria saber se você lembra que ia morar comigo quando eu fosse juíza? Poxa, acho que eu nem vou ser isso mais, sabia? Estou feliz aqui advogando, talvez menos pela advocacia do que pelo resto. Você sabe o resto. Mas isso não quer dizer que a gente não ia poder morar juntos. Eu ia te dar um presente com meu primeiro salário, lembra? Sempre me pego pensando no que você ia querer. Nunca sei. Lembro que você me deu um presente com o seu primeiro salário, mas eu tento para burro lembrar o que foi e não lembro. E é ruim.

Sabia que eu tenho remorso de ter montado meu quarto no terceiro andar? Me lembro de que você pediu primeiro uns anos antes e acabou não acontecendo. Depois quando voltei com esta idéia papai e mamãe deixaram eu ir. Não gosto que ninguém mexa nas minhas coisas, mas você pode ser meu companheiro de quarto, se quiser.

Sabia que ninguém usa mais Orkut, mas não tive coragem de me desfazer do meu, porque quando a saudade está ruim demais eu vou lá ler aquilo que você deixou, que mais parece um pressentimento. E olhar suas fotos preferidas, porque você está lindo nelas e é claro, porque a gente sempre escolhe as fotos mais bonitas para redes de relacionamento.

Sabia que esta carta não era para ter sido assim? 
Mas sabe o que é? Escrever para você como seria se eu tivesse tido uma última chance ia me dar a sensação de ser a última de verdade, entende? Prefiro pensar que não, sentir que não. Prefiro assim, dizer umas coisas quaisquer e não dizer nada. Acreditar que você pode ouvir. Que não é a última chance, a última vez. Eu não quero uma última chance e se eu pudesse escolher nem ia querer. Eu queria uma primeira chance. De novo e só.

Sabia que você faz uma falta danada? Pois faz.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Aos pés e corações des-aquecidos.

Dia 12 de junho. Dia dos namorados. Dia lindo, não? Lindo, mas talvez nem tanto.

Para os solteiros, ou melhor, para boa parte deles o dia não parece ter nada de tão lindo assim. É que assistir a 237 ações de marketing contendo corações vermelho-sangue, banners de “o-fotógrafo-captou-o-segundo-que-antecede-o-beijo” e dezenas de postagens nas redes de relacionamentos da dobradinha flores&bombons estampando os perfis pode parecer bem sem graça para quem não tem um par para chamar de seu.

Ter alguém para esquentar o pé e o coração neste dia frio parece proposta boa demais para não se aderir. Mas por si só me soa meio como propaganda enganosa. Primeiro, os pés vão continuar frios porque até onde sei é plena terça-feira útil e ninguém vai se enfiar de dupla, com filme e pipoca debaixo das cobertas no meio do expediente. Segundo, flores e bombons com data marcada não são lenha para aquelas fogueiras que soltam suas últimas faíscas diante dos ciúmes exagerados, implicâncias sem motivos, rotinas tediosas, asperezas e gritos, amores ruins.

Quem tem pé e coração aquecido tem pé e coração aquecido o ano inteiro. E sei que está cheio de dupla por aí que não tem nem um, nem outro. Acreditem, solteirinhos do meu coração, metade da felicidade estampada em cada esquina e perfil de site de relacionamento não retrata muito bem o que está ali por trás, mas isso é assunto para outra hora. Estatisticamente, talvez até mais que metade, aliás. E nem é uma crítica a ninguém. Pode ser que seja eu mesma fazendo isso em algum momento, pode ser até que já tenha feito. É do ser humano; é uma tentativa, uma chance. Nem tudo é o que parece ser. Não estou desmerecendo este dia. Eu, aliás, também já postei minha foto, troquei mensagens de amor e agradeci por ter tido um bom alguém ao meu lado em bons momentos da vida.

Mas, sinceramente, ter alguém por si só não é nada. Não queira simplesmente um par, porque é pedido genérico demais. Queira e aprenda primeiro a felicidade com a melhor companhia que pode existir, que é você mesmo. Antes de pegar a estrada em busca do seu destino pare para fazer a revisão. Troque o óleo, calibre os pneus, dê balanceamento e alinhamento; cuide de si, da sua mente e de seu coração, compre um livro ou uma roupa nova, aprenda a almoçar assentado sozinho em um restaurante lotado, descubra prazeres que morem no seu particular. Tenha um mundo infinito particular.

No dia da consciência negra eu, branquela, não quis mudar de cor. Na Páscoa não quis morrer para renascer outra vez (apesar de que não seria tão má idéia). No dia do médico não quis fazer medicina. E acho que você também não. Então no dia dos namorados, não queira alterar o status de relacionamento.

Nascemos sozinhos, somos essencial e naturalmente sozinhos. Nos agrupamos, primeiramente, por uma questão de sobrevivência, instinto. Uma coisa animal. Ter namorado é uma coisa, sentir amor é outra bem diferente. Precisar de um namorado para ser feliz é garantia de não ser feliz quando encontrar um. Não deveria valer superestimar algo que só tem valor se a tal revisão tiver sido feita. Senão, o pneu vai furar ou o motor vai fundir.

Ter alguém é gostoso, mas não garante a felicidade de ninguém. Não ter ninguém é sinônimo de que se está sozinho, não solitário. É simples ou deveria ser. Mais que isso é ilusão, menos que isso é desilusão.

É totalmente impossível ser feliz sozinho.

Feliz dia dos namorados aos solteiros.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Brisa leve, bomba atômica.


E foi nesta última semana mesmo que, não pela primeira vez, me perguntaram se o que está escrito aqui é tudo verdade ou não. Difícil responder a esta pergunta. Posso dizer para começar que o que está no blog é real. Existe mesmo. É alguma verdade minha. Mesmo que seja um tipo de verdade inventada. Isso aqui é meu mundo. Onde me organizo, onde me construo, onde me reconstruo. É o modo que eu inventei de me encontrar quando eu me perco. De me refazer quando me quebro. De me reconstruir quando me despedaço. De me mostrar quando estou guardada. De me esconder quando estou exposta demais. É uma deixa, uma entrega, uma dica. É um grito, um pedido, um alívio. É isso tudo e não é nada disso. É um amontoado das verdades mais doloridas e escancaradas que só ficam expostas aos olhos de quem quer ver. Aos olhos de quem sabe ver. E é uma fuga, um jeito de correr sem olhar para trás, de pular sem ter como voltar. O que está gravado não se apaga mais. É meu caminho. Ou uma narrativa distorcida dele. Ou simples. Tão simples que parece dizer algo que não diz. Ou diz o que na verdade parece não dizer. É sem medo. O blog é sem medo. É impensado. É desconexo. Mas faz sentido. É um quebra-cabeça de duas peças. Existe. É real. Tudo que está aqui aconteceu em mim. Não quer dizer que tenha acontecido comigo. Pode ser uma premonição, uma intuição. Pode estar guardado naquela gaveta de tranqueiras de décadas passadas. E pode até ter acontecido ontem mesmo. Ou pode ser só algo que explodiu em mim. Que nasceu e morreu dentro do peito. Feito brisa leve, feito bomba atômica. Mas que ficou por ali. Entre um piscar de olhos, entre um suspiro. Mas é sempre algo em que eu acredite. E para eu acreditar tem que quase dar para pegar. Acreditar. Talvez quando eu tenha criado o blog eu precisasse só disso. De saber que as pessoas podem acreditar em mim. Porque sou real. Porque sou muito mais do que se vê. Mas preciso de ser vista de algum modo. Preciso de um universo meu. De um criar livre. De uma liberdade minha. De algo que ninguém possa me tomar. De um modo que ninguém possa interferir. Ninguém precisa gostar do que lê, ninguém precisa concordar com o que lê, mas as pessoas tem que saber que é verdade. Vista, vivida ou inventada. Mas minha. A regra aqui é só uma: não há regras. Só aqui eu não preciso de saber para onde estou indo. Só aqui eu posso chegar a qualquer lugar. Minhas ausências dizem algo. Minhas palavras dizem mais do que está escrito. Um lugar só meu. Um lugar para onde corro sem precisar sair do lugar. Um mundo mágico capaz de me devolver de imediato a inocência, a ingenuidade, a suavidade que me recuso a perder mesmo quando já se foi. Um curativo para as dores da alma. Um porta-treco para as emoções do coração. Um Ctrl+Alt+Del para um sistema em pane. Um jeito de deixar mais de mim do que uma imagem, uma atitude ou um retrato. Porque ao contrário do que possam dizer palavras nunca serão apenas palavras. Meu atalho, meu caminho mais curto. Minha parte preferida disso ainda é o que ninguém vê. Ou aquilo que só vê quem tem olhos de enxergar. É verdade? É mentira? É real.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Não é de graça.


Tem um preço. Custa caro. Mas eu escolhi pagar. Estou falando de viver. De viver com graça. É que viver sem graça não tem, definitivamente, graça nenhuma.

Aí eu escolhi. Escolhi passar pela vida assim. E assim quer dizer sorrindo. Quer dizer amando. Quer dizer me doando inteira a cada uma das minhas relações. Quer dizer fazendo a coreografia errada sem me importar com os outros. Quer dizer fazendo careta. Sendo criança. Escondendo atrás da porta do banheiro para dar susto no amigo e assustando a pessoa errada. Quer dizer ajoelhando no chão de rir de mim mesma. Quer dizer não correndo da chuva e me molhando inteira. Ou correndo da chuva e me esborrachando no chão. Ou rolando barranco abaixo e rasgando meia calça e joelhos na primeira hora da festa. Quer dizer não me importando, não me incomodando com o que os outros vão pensar. E quer dizer sempre querendo ser a última a ir embora, mesmo se aparentemente a festa já acabou. Entende que nunca acaba? Sempre dá tempo de dançar a última música. De dar o primeiro beijo ou o último. Não é? É. Não tem hora, nem lugar de ser feliz. Quer me ganhar? Me trata com carinho e me faz dar umas risadas fáceis e bobas e leves. Pronto. Ganhou. Me tem, pode levar, inteira. Gosto das pessoas por gostar, antes mesmo delas me darem nenhum motivo para isso. Coleciono melhores amigos que fiz em um segundo. Encostada em balcões de festas esperando para ser atendida ou na porta do banheiro aguardando alguma amiga. Ou brincando de avião ou de pega-pega com a afilhada no shopping. Ou na fila do cinema. Adoro loucos, estranhos e desequilibrados.

Falo sozinha, falo com estranhos. Sorrio para quem não conheço. Taxistas têm por hábito consertar meus dias. Velhinhos também. Tenho vontade de abraçar as pessoas de repente. Falo alto, rio alto. Meu chefe me manda SMS da sala dele enquanto estou ao telefone me pedindo para falar baixo. Faço voz de criança. Invento música. E faço danças estranhas que aprendi com meu irmão. Dou vacilos e erro. E erro feio. Me despedaço. Me esborracho. Levo foras, pés na bunda. Sou dispensada. Já achei que ia morrer de amor. Mas no final sempre estou rindo. Me refaço. Sempre sou a que ri no final. Ri muito. Porque sei que quem perde não sou eu. Quem perde não sou eu nunca, aliás. E quer saber? Adoro. Me adoro. Me amo assim. Meio louca, já que santa eu não sou e nem quero que ninguém pense algo tão indecoroso a meu respeito. Tenho um currículo razoável quando o assunto é viver com força.

Vivi. E ainda não cansei. Tenho energia para mais milhares e milhares de tombos, danças estranhas, risadas e histórias para contar. E tenho o sorriso que aprendi lá em casa, com os loucos (graças a Deus) dos meus pais. Ao falar comigo, ao tratar comigo, ao amar comigo, lembra que sou a bonequinha do papai. E se eu não gostar do que ouvir eu “conto tudo para minha mãe”. Minha vida é assim. E foi uma escolha. Uma escolha consciente, mas inconseqüente. Consciente porque eu optei. Inconseqüente porque não enxerga e nem quer enxergar o amanhã, o depois, a outra hora. Aprendi a viver uma felicidade simples. Que tem morada fácil em uma vida louca. Que não se importa se vão me achar idiota, infantil ou meio maluquinha. Porque no fundo se sou mesmo um pouco isso tenho minhas contrapartidas, minhas contradições, as outras de mim. Sou muitas, tão diferentes. Sou inteira. Sou uma dezena de defeitos e efeitos, que eu não tenho tempo para perder tentando mudar. A vida é agora. Minha vida é agora e simplesmente porque eu escolhi. Tem um preço. O preço é ser um pouco idiota. E por isso custa caro. Mas eu escolhi pagar se é o que se paga para por ser um pouco feliz. Não é de graça, mas vale.

quinta-feira, 8 de março de 2012

Sutiãs de renda.

Lutamos tanto, por tantos anos para sermos tratadas como iguais. A qual preço? Porque iguais? Será que o que desejávamos mesmo, lá atrás, era isso? Igualdade é a melhor palavra e o melhor ideal? Não sei não. É claro que quero ser tratada com equilíbrio. Mas eu ainda quero mesmo ser tratada por eles com diferenças, muitas diferenças.

Porque ainda quero que abram a porta do carro para mim, que me mandem flores, que me beijem no olho. Ainda quero que me façam surpresas, que me chamem de linda, que me deem atenção. Quero que eles troquem pneus, lâmpadas e matem baratas. Quero que puxem a cadeira para que me assente, arrumem minha franja, me achem linda quando eu falo sem parar. Quero que me olhem nos olhos. Quero que percam o ar quando eu sou naturalmente sensual e não se agüentem perto de mim quando sou forçosamente sexy. Quero poder usar minha TPM como desculpa para minhas alterações de humor e para fugir da dieta. Quero manter meu direito de nunca ter seus tons de voz aumentados para mim. Quero poder chorar quando aquela calça não me serve mais. Quero poder acreditar nas besteiras que eles nos dizem quando querem nos conquistar sem me achar uma verdadeira idiota. E isso inclui as adoráveis desculpas esfarrapadas. Quero poder agir como adolescente e depois ser chamada só de meio maluquinha ou autêntica. Quero que vagabunda, piranha e safada sejam abolidas de seus vocabulários ao se referir pejorativamente às nossas companheiras de gênero. Quero o direito de fazer uma lista de todos os caras que eu já fiquei e quero o direito de dizer que não sei este número ao certo quando eles nos perguntarem. Quero liberdade sexual. Quero poder falar de sexo sem ser vulgar e de amor sem ser careta. Quero poder ver Playboy só para procurar alguma celulite que o editor distraído tenha esquecido de tirar. Quero ser mais que peitos e bundas e às vezes quero ser só isso. Quero ter o direito de tratá-los assim também. Quero ser aquela grande mulher que está sempre por trás de um grande homem (ou na frente ou ao lado).

A verdade é que eu não quero ser igual a eles. Quero só poder ser como eu quiser. E, evidentemente, não, eu não quero que me cumprimentem com um tapa nos ombros, nem me chamem de “vei”, nem digam “vá se foder”. E não quero usar gravatas, cuecas e tênis. Não quero entender as regras de futebol, do MMA ou de rugby. E também não quero utilizar o verbo comer para me referir a nada que não se refira de fato a refeições. Não quero aprender a distinguir o barulho do motor de um Fiat 147 e de um Jaguar, sabe-se lá que barulho ou carro sejam estes. Não quero separar tão bem amor de desejo. Não mesmo. Não quero ser como eles são.

Por fim, também quero que possa ser tudo ao contrário. E que enquanto mulher também tenha o direito de detestar discutir relação, de sair sozinha, de descer do salto, de não ter o sonho de casar de branco. O direito de falar alto, ser vista desarrumada, soltar uma palavrão sem querer. O direito de ter amigos homens, dançar até o chão e levar um tombo em uma festa qualquer.

É simples. Eu quero somente ser o que eu quiser e quero que todas as mulheres possam fazer isso também. E quero inverter tudo de lugar se for minha vontade. O que eu quero tanto, aquilo pelo que luto tanto é pelo respeito. Pelo direito de ter alguns direitos iguais, mas de ver preservada a diferença. Pelo direito de ter direitos diferentes. Quero o direito de ser respeitada não por agir como as outras pessoas acham que eu deveria, mas sim agindo da maneira como eu quiser e bem entender.

Nós fomos às praças e queimamos os sutiãs. Eles eram cor da pele. Hoje isso não aconteceria. Eles são de renda, custam caro e foram pagos com nosso próprio dinheiro.

E só para não deixar dúvidas, é claro que no fim das contas, eu quero também ter meu espaço no mercado profissional, quero pagar minhas próprias contas, quero ser ouvida com atenção de quem sabe do que fala. Ser diferente não é tão ruim assim, eu diria até que é essencial. Somos contra a opressão, somos contra violência, somos contra submissão. Mas suplico, meninos (e meninas), em nome do tipo de igualdade que pretendemos, não retirem de nós o direito de ser diferentes. Especialmente diferentes. Nós agradecemos e, acreditem, vocês também.

E lembrem-se. Nossos sutiãs agora são de renda.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Sapatos apertados.



Todo mundo tem um par de sapatos apertados. Cada um sabe bem onde aperta o seu. Com a vida também é assim. Eu costumo saber bem onde me aperta, onde mora o que incomoda, atrapalha a caminhar adiante, o que impede de seguir em frente.

Para mim aperta não conseguir entrar na vida de algumas pessoas e aperta que outras saiam da minha. Aperta que tomem conclusões precipitadas a meu respeito. Aperta preconceito, sexismo. Aperta que as pessoas busquem maneiras iguais de tentar ser feliz. Aperta mentira. Aperta descaso. Aperta assistir ir embora pessoas que eu gostaria que sempre fossem minhas. Aperta quando um bom e antigo amor se casa. Aperta quando alguém não consegue me entender do meu jeito; aperta mais ainda quando este alguém sou eu mesma.

Aperta quem não respeita. Aperta fofoca. Aperta quem julga os outros. Aperta quando faço coisas sob as quais deveria ter arrependimentos, mas me nego a me arrepender de viver. A culpa também me aperta. Me aperta não receber o mesmo que dou em troca. Aperta a intolerância; a minha e a dos outros. Aperta o segredo mal guardado. Aperta não dar todo amor do mundo a quem merece. Aperta o mau humor. Aperta a mudança, a perda, o não ter. Aperta. Aperta o fato de algumas pessoas simplesmente não se importarem. Aperta. Aperta o fim da história, o fim do livro, o fim de um percurso.

Aperta haver quem não está mais presente, quem não participa mais da minha vida. Aperta saudades. Aperta quem me constrange, quem não me olha nos olhos, quem me trata como desimportante. Aperta falta de educação, falta de gentileza. Me aperta roupa apertada, me aperta quilos a mais na balança. Aperta não saber me despedir, não saber como dizer adeus. Aperta insônia. Aperta ter só uma vida. Aperta aquilo que não posso mudar. Aperta o que escapa do meu controle.

Também aperta o dedo mindinho. E aperta, aperta muito, o carnaval ser uma época de mais lembranças tristes do que felizes, aperta hoje fazer seis anos que meu anjo da guarda tem nome. É isso, o que mais aperta para mim é isso.

Desamarrar os sapatos liberta. Tirar os sapatos liberta. Andar descalça liberta. Me desamarro, me descalço, ponho os pés no chão. Me liberto, mais do que me aperto, mas o que liberta vai ficar para outra hora. Por hora fico aqui, eu e meus sapatos apertados.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

O que fica.








Someone Like You (Adele Cover) by Kamelia on Grooveshark


Nas vésperas da minha última viagem em meio a correria típica de vésperas de viagem duas perguntas se repetiram um milhão de vezes na minha cabeça: O que eu gostaria de deixar por aqui quando não estou? E o que na verdade fica? Viajar, sair do meu lugar me põe sempre este tipo de ideias no pensamento. É que eu não tenho mesmo o hábito de deixar meu lugar seguro por tantos dias. Nem sei se posso chamar minha vida assim: lugar seguro. Talvez melhor seja dizer que é o meu lugar. E ponto. Inseguro, que seja. Mas de qualquer forma é meu e não costumo deixar minhas coisas por aí.

Mas o que eu gostaria de deixar quando me vou? Ah, gostaria que ficasse o eco da risada fácil que sou capaz de sorrir. E a evidente e descontrolada capacidade de amar que eu aprendi. Gostaria que ficasse sempre o gosto da saudade que sinto do que não pude viver. E o cheiro da liberdade que mora dentro de mim. De que nunca vou abrir mão e que compõe metade do meu sorriso, do meu amor e da minha necessidade de um viver real, intenso e louco. Eu gostaria de deixar minhas verdades: inconstantes. Minhas contradições. Meus ideais. Gostaria de deixar algo capaz de fazer sorrir quem por um segundo se lembrasse de mim. Algo do tamanho que fosse, que fizesse um sorriso no canto da boca ou uma gargalhada do tamanho do mundo. Algo que fizesse as pessoas pensarem: era mesmo uma linda; ou uma louca. E era leve. Gostaria de deixar a paz que existe em um lugar imaginário que inventei para fugir quando vejo, ouço ou vivo o que não quero. Gostaria sim de deixar algo capaz de dizer que vivi exatamente como escolhi e lamentei por cada um que não foi capaz de entender isso.

Isto aí eu gostaria que ficasse. Mas se eu vou o que fica de verdade mesmo? Ah, fica a bagunça do meu quarto. Minhas roupas que eu adoro. Ficam meus livros. Minha maquiagem. Vidros e vidros de perfume que gosto tanto que mal uso. Meu par de sapatos preferidos que só usei duas vezes para não estragar. (Quem vai querer arrumar minha bagunça, ler meus livros e passear com meus sapatos?) Quando eu me vou também ficam meus milhares de arquivos de computador. Minhas petições não acabadas. Minhas dezenas de planilhas incompletas. Minhas outras dezenas de posts não terminados cheios de idéias loucas. Minhas fotos do mural. (Quem vai terminar meu trabalho? Quem vai lançar todos meus dados nas minhas planilhas? Quem vai finalizar meus posts se as idéias loucas são só minhas? Quem vai tirar as fotos do meu quadro?) Quando eu me vou ficam páginas cheias de rascunhos e um milhão de listas espalhadas por bolsas, guardanapos, gavetas, arquivos e emails. (Quem vai querer cumprir todas as tarefas das minhas listas?) O que mais fica quando não estou? O que minha ausência é capaz de causar? E porque isso me importa? Eu sei que deixo isso tudo aí.

Mas...e o que mais? Fica algo do que eu gostaria de deixar? Eu não sei; mas quer saber? Fica ao menos a tentativa de sempre ser aquilo que eu planejei ser. Do jeitinho que foi dito lá em cima. E mais. Fica um caminho sem direções. De quem vive querendo só acertar, mas faz isso sem medo algum errar. E errando, não se importa com o que vão pensar. E entende, que cada erro vai nos conduzir a um lugar. Um lugar qualquer. Onde no fundo todo mundo quer estar. E que errado e certo são só questão de opinião. E fica a tentativa de entender o sentido de tudo, com a certeza de que bom mesmo é viver como se sentido não houvesse. E fica a certeza de que não existem coincidências e acasos e que cada pessoa escolhida para cruzar meu destino foi escolhida por uma razão. E fica a busca que pensar assim gerou em mim. Uma busca contínua para que cada um que passe por aqui entenda que nada foi em vão. E fica o que eu repeti mil vezes e virou verdade: não há jeito certo de fazer ou viver. Tudo é uma questão de escolhas e não é necessário ter pressa alguma para fazê-las. E fica mais. Fica o pedido de que na minha falta nunca me limitem, nunca me definam, nunca me restrinjam a menos do que eu fui capaz de ser.

O que eu gostaria de deixar por aqui quando não estou? E o que na verdade fica? E quando você não está? Já fez planos para sua ausência? Já pensou no que acontece na sua vida quando você não está nela? Pensando tanto no que eu gostaria de deixar quando eu não estiver, concluí. O que importa e vai importar no fim das contas é o que você faz quando está. O que fica é o que você é, o que faz enquanto é presença. O que você faz enquanto é feliz, enquanto existe, enquanto vive. Seja, exista, viva. Do seu jeito, com intensidade, como se você não fosse estar aqui amanhã.

É o que fica.

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