Eu não escolhi a minha intensidade, a personalidade inquieta, o cérebro acelerado, que só descansa diante de uma criança, de pão de queijo, de um bom livro ou de um bom amor. Preciso de entender tudo que eu toco, quero que tudo que eu encoste
queime de frio ou calor. Tenho evidentemente uma ânsia para sentir a vida acontecendo em tudo
aquilo que me compõe ou cerca.
Meus momentos, são vividos sempre - se não como se
fossem os últimos - como se fossem os únicos. Intensidade. Tem um preço. Sou normalmente guiada por um tempo que não acompanha o relógio. Durante a
minha vida me doei a tudo que eu fiz? Sim. Coloquei o máximo de energia em toda
experiência? Sim. Isso muitas vezes nos leva a caminhar mais rápido que nossos
passos aguentam, tropeçar e cair? Às vezes. Isso quer dizer que alguma coisa
poderia não ter sido feita para evitar as pequenas tragédias da vida? Não
necessariamente.
A gente entra aí mais ou menos no campo daquele
clichê, do qual dificilmente as pessoas escapam, quando somos perguntados:
- - Você se
arrepende de alguma coisa que você fez na vida?
E aí a resposta costuma ser automática, quase um
perdão, um conforto, um presente de nós para nós mesmos:
- Não, prefiro me arrepender do que eu fiz, do que
do que eu não fiz.
Engraçado como as pessoas tendem a ser reticentes e evitar a todo custo dizer que teriam feito alguma coisa diferente.
Poxa, não somos tão idiotas assim. Não vou dizer que já não pensei mil vezes se
determinadas coisas teriam sido diferentes na minha vida se em um determinado
dia eu não tivesse saído de casa, se eu tivesse evitado uma situação ou sido
mais firme no não ou no sim. Se eu tivesse seguido uma intuição, não fugido por medo, não evitado um sentimento.
Não é tão ruim assim assumir que talvez se pudéssemos escolher algumas
coisas tivessem sido feitas de outro jeito, ainda que se refira a algo que a gente não fez. É inteligente olhar para vida assim e
alimenta os próximos passos. A experiência nos ensina a desacelerar nas horas
certas, a não tomar decisões importantes em um segundo, a não deixar a vontade
do outro em primeiro lugar quando a gente acredita no que está fazendo.
Mas o que me pega para responder esta pergunta não é exatamente não enxergar que algumas etapas da minha vida poderiam ter
sido ultrapassadas de um jeito diferente. Porque em fim das contas eu sou
integralmente reconciliada com todos os eventos pelos quais já passei, tendo
sido agente ou vítima, já me concedi um perdão demorado por todas as pessoas
que magoei, até quando esta pessoa fui eu mesma.
Mas o que está efetivamente em jogo nesta história
é não saber quem de fato eu seria se eventualmente tirasse alguns elementos da
minha história.
E se tivesse sido diferente? Assim, meio no clima do “efeito borboleta”,
alterar determinados elementos tão significativos a ponto de serem lembrados
neste momento, me levariam para onde, me tornariam o que? Eu ainda seria eu?
Porque eu não sou capaz de abrir mão é disso. Eu não queria ser outra pessoa,
nem uma versão diferente desta que eu me tornei. Eu sou cheia de remendos e
cheias de traumas para curar e cheia de barreiras para vencer. Mas eu não
queria ser diferente. Quando eu acordo eu quero morar em mim, eu sou o tipo de
pessoa que eu gostaria de conhecer. Imprevisível naquilo de não se prever,
inconstante naquilo de não se estabilizar, um caminhão de amor naquilo de se
amar.
Outro dia li na internet algo parecido com
“receita de brownie sem lactose, sem açúcar, sem óleo, sem glúten, à base de
alfarroba”.
Quem quiser pode continuar chamando isso de brownie,
mas de fato se trata de um? Ou só parece? Talvez seja uma outra coisa qualquer.
Talvez nem seja ruim. Talvez seja mais saudável. Mas não é brownie. Não tem o
mesmo sabor, nem a mesma textura ou a mesma quantidade de açúcar e chocolate
capazes de alterar os níveis de endorfina no corpo.
Seria assim com a gente também, eu imagino. Altere
o percurso por onde andei e ainda vai parecer que sou eu. Mas o gosto, a
textura e a habilidade para dizer mais sim do que não, não serão iguais.
Então me decidi. Se me perguntarem se eu me
arrependo de alguma coisa na vida, minha resposta não é mais a mesma. Eu,
claro, me arrependo de algumas atitudes ou abstenções já tomadas. Mas não, eu
não gostaria de ter feito nada diferente, de alterar o curso de nada. Estar onde eu estou, me sentir onde eu deveria estar, girando
na minha própria velocidade, sabendo me fazer as perguntas certas e com a sensação
de ter as boas respostas, me sentindo pronta para o que vem amanhã... não, não dá para abrir mão disso.
Não poderia abrir mão disso para me tornar um
brownie fit, que é qualquer coisa menos um brownie. Ou eu seria qualquer pessoa, menos eu.
O que finalmente eu quero dizer é que nossos
defeitos, nossos desacertos, nossas omissões são o que efetivamente nos compõem. Uma
vida correta demais, encaixada demais, controlada demais, pode ter aparência de
paz, mas me parece muito mais com tédio. Para alcançar uma verdadeira paz,
temos que tocar o caos, o diferente, o novo, o outro, outras vidas, lugares e
sensações que nos levem para algum lugar distante da obviedade
que não é capaz de nos provocar outra coisa senão perdas inevitáveis do tesão
em viver.
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