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Brownie fit (por favor, não)!



Eu não escolhi a minha intensidade, a personalidade inquieta, o cérebro acelerado, que só descansa diante de uma criança, de pão de queijo, de um bom livro ou de um bom amor. Preciso de entender tudo que eu toco, quero que tudo que eu encoste queime de frio ou calor. Tenho evidentemente uma ânsia para sentir a vida acontecendo em tudo aquilo que me compõe ou cerca.

Meus momentos, são vividos sempre - se não como se fossem os últimos - como se fossem os únicos. Intensidade. Tem um preço. Sou normalmente guiada por um tempo que não acompanha o relógio. Durante a minha vida me doei a tudo que eu fiz? Sim. Coloquei o máximo de energia em toda experiência? Sim. Isso muitas vezes nos leva a caminhar mais rápido que nossos passos aguentam, tropeçar e cair? Às vezes. Isso quer dizer que alguma coisa poderia não ter sido feita para evitar as pequenas tragédias da vida? Não necessariamente.

A gente entra aí mais ou menos no campo daquele clichê, do qual dificilmente as pessoas escapam, quando somos perguntados:

-       - Você se arrepende de alguma coisa que você fez na vida?

E aí a resposta costuma ser automática, quase um perdão, um conforto, um presente de nós para nós mesmos:

- Não, prefiro me arrepender do que eu fiz, do que do que eu não fiz.

Engraçado como as pessoas tendem a ser reticentes e evitar a todo custo dizer que teriam feito alguma coisa diferente. Poxa, não somos tão idiotas assim. Não vou dizer que já não pensei mil vezes se determinadas coisas teriam sido diferentes na minha vida se em um determinado dia eu não tivesse saído de casa, se eu tivesse evitado uma situação ou sido mais firme no não ou no sim. Se eu tivesse seguido uma intuição, não fugido por medo, não evitado um sentimento.

Não é tão ruim assim assumir que talvez se pudéssemos escolher algumas coisas tivessem sido feitas de outro jeito, ainda que se refira a algo que a gente não fez. É inteligente olhar para vida assim e alimenta os próximos passos. A experiência nos ensina a desacelerar nas horas certas, a não tomar decisões importantes em um segundo, a não deixar a vontade do outro em primeiro lugar quando a gente acredita no que está fazendo.

Mas o que me pega para responder esta pergunta não é exatamente não enxergar que algumas etapas da minha vida poderiam ter sido ultrapassadas de um jeito diferente. Porque em fim das contas eu sou integralmente reconciliada com todos os eventos pelos quais já passei, tendo sido agente ou vítima, já me concedi um perdão demorado por todas as pessoas que magoei, até quando esta pessoa fui eu mesma.

Mas o que está efetivamente em jogo nesta história é não saber quem de fato eu seria se eventualmente tirasse alguns elementos da minha história.

E se tivesse sido diferente? Assim, meio no clima do “efeito borboleta”, alterar determinados elementos tão significativos a ponto de serem lembrados neste momento, me levariam para onde, me tornariam o que? Eu ainda seria eu? Porque eu não sou capaz de abrir mão é disso. Eu não queria ser outra pessoa, nem uma versão diferente desta que eu me tornei. Eu sou cheia de remendos e cheias de traumas para curar e cheia de barreiras para vencer. Mas eu não queria ser diferente. Quando eu acordo eu quero morar em mim, eu sou o tipo de pessoa que eu gostaria de conhecer. Imprevisível naquilo de não se prever, inconstante naquilo de não se estabilizar, um caminhão de amor naquilo de se amar.

Outro dia li na internet algo parecido com “receita de brownie sem lactose, sem açúcar, sem óleo, sem glúten, à base de alfarroba”.

Quem quiser pode continuar chamando isso de brownie, mas de fato se trata de um? Ou só parece? Talvez seja uma outra coisa qualquer. Talvez nem seja ruim. Talvez seja mais saudável. Mas não é brownie. Não tem o mesmo sabor, nem a mesma textura ou a mesma quantidade de açúcar e chocolate capazes de alterar os níveis de endorfina no corpo.  

Seria assim com a gente também, eu imagino. Altere o percurso por onde andei e ainda vai parecer que sou eu. Mas o gosto, a textura e a habilidade para dizer mais sim do que não, não serão iguais.

Então me decidi. Se me perguntarem se eu me arrependo de alguma coisa na vida, minha resposta não é mais a mesma. Eu, claro, me arrependo de algumas atitudes ou abstenções já tomadas. Mas não, eu não gostaria de ter feito nada diferente, de alterar o curso de nada. Estar onde eu estou, me sentir onde eu deveria estar, girando na minha própria velocidade, sabendo me fazer as perguntas certas e com a sensação de ter as boas respostas, me sentindo pronta para o que vem amanhã... não, não dá para abrir mão disso.

Não poderia abrir mão disso para me tornar um brownie fit, que é qualquer coisa menos um brownie. Ou eu seria qualquer pessoa, menos eu. 

O que finalmente eu quero dizer é que nossos defeitos, nossos desacertos, nossas omissões são o que efetivamente nos compõem. Uma vida correta demais, encaixada demais, controlada demais, pode ter aparência de paz, mas me parece muito mais com tédio. Para alcançar uma verdadeira paz, temos que tocar o caos, o diferente, o novo, o outro, outras vidas, lugares e sensações que nos levem para algum lugar distante da obviedade que não é capaz de nos provocar outra coisa senão perdas inevitáveis do tesão em viver.

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