domingo, 23 de fevereiro de 2014

Para falar de saudade.


Como uma palavra que só existe no dicionário pode ter tantos significados? Como é que tantos outros povos conseguem explicar o que sentem sem esta palavrinha cheia de mistérios que faz parte da nossa vida desde tão cedo? E, nossa, como é difícil explicar em francês ou inglês com as minhas restrições que “tu me manques” ou “i miss you” é muito diferente de “eu sinto saudade, eu sinto muita saudade”. 

Saudade

Somos ainda tão pequenos quando a saudade bate na porta da vida. Quando no primeiro dia de aula nossos pais nos entregam nossa mochila, nossa lancheira, nos dão um beijo na testa e se despedem. Depois na escolinha quando o coleguinha mais velho rouba seu lugar na fila ou seu lápis colorido, quando você cai e se machuca ou é dia de vacinação. Mais uns anos e dormindo na casa de algum coleguinha ou de alguma tia, quando a gente acorda com algum sonho ruim de madrugada. Acho que são por aí nossas primeiras saudades, do colo dos nossos pais, das mãos dadas ou da sombra deles na porta do quarto, tudo nos dizendo que  tudo vai ficar bem. 


A vida vai adiante, seguimos por aí e deixamos amigos para trás, ou amigos nos deixam, mudamos de escola, de bairro, de gostos, entramos na faculdade, saímos dela, deixamos o estágio, o emprego, mudamos de turma, de namorado, de cidade. E de repente o que era, para de ser. E de novo vem ela.

Saudade.

Depois, normalmente, são eles, os anjos peludinhos que a gente cresce aprendendo a amar. Mas algo foi mal calculado nesta história e eles se vão sempre antes de nós. Deixam normalmente a lembrança de doces olhares, amores incondicionais e a festinha que eles fazem todos os dias quando a gente volta para casa, faça chuva ou sol. Lilicos, Thors, Fredericos Augustos, Pandoras, Blacks, BJ’s, passam pela nossa vida. E um dia qualquer, após ouvir uma desculpa esfarrapada de nossos pais tão inconsoláveis quanto nós ou de ouvir que há um céu dos bichinhos, sem nem ter ideia do que isso quereria dizer, eles nunca mais estão lá. E lá vem ela outra vez.

Saudade.
Então, dois infartos, a carona com o motorista errado, um tiro vindo do namorado, um acidente sem qualquer causa aparente acontecem e a saudade ganha sua forma mais cruel. A morte. A saudade que vem com a morte trucida, espatifa, rompe. É a saudade que faz sentir antes da hora. Uma saudade antecipada, que explode porque sabe o que ainda vai vir, ou melhor dizendo, o que não vai vir. A morte é um fim. Uma transparência. Um invisível, um não tocar. Com a notícia de uma morte, de um nunca mais, a gente sente instantaneamente toda a dor equivalente a uma vida inteira de ausência que está só começando ali. Se a medida da saudade fosse em calorias a saudade que vem com a notícia da morte seria algo como o waffle com duas bolas de sorvete, calda quente, chantilly e nutella do Alessa. Em um segundo está lá, a dor aguda de uma saudade que ainda nem chegou; em um segundo vamos ao 163º andar do Burj Khalifa e despencamos ao primeiro, sem cinto de segurança, sem anúncio ou amortecedor.

Até aqui esta é a saudade que eu melhor conhecia, ou a saudade que eu pior conhecia. A saudade do que eu não ia mais ter. Sem desmerecer as outras mortes que cruzaram meu caminho, cada uma com um gosto, sem qualquer dúvida a perda da minha vida foi meu irmão. Foi ali que eu aprendi que o que ficava pra trás era a lembrança e não a saudade. Que a saudade é o que vem adiante, e começa ali no exato segundo que sucede à notícia de uma morte. A saudade dura e cruel do que a gente não pode mais viver. A saudade dos meus filhos sem tio. A saudade da não-carona para festa ou para academia. A saudade do não-brinde no não-casamento dele. Ou do não-discurso dele no meu, se eu casar. A saudade da não-foto de família completa. A saudade é do futuro que está ali, pronto para acontecer, mas não vai.

E era esta a saudade que eu melhor conhecia. Era sobre isso que eu poderia desenvolver uma tese de doutorado e é esta a saudade que mudou a minha vida e me fez ser e poder ser exatamente a pessoa que eu sou, sem superfícies, sem lógica, sem apegos conceituais. Foi esta a saudade que me permitiu ser o tipo de pessoa que eu gostaria de conhecer. Que acendeu a luz na minha alma para dizer que a vida termina sem aviso, que eu não queria uma existência comum e que eu precisava fazer esta coisa de viver de um jeito diferente, mas do meu jeito.

Aí eu resolvi fazer as malas. E mesmo que elas fossem três e enormes, nunca tive uma sensação tão evidente de ter vindo deixando absolutamente tudo para trás. E acho mesmo que deixei, porque o essencial não cabe nem em todas as malas do mundo. Hoje, são exatos cinquenta e sete dias da minha partida. E eu volto a mencionar o dicionário apenas para lembrar que a mesma palavra que se usa para falar do ato de partir, de ir embora; se usa para tratar do ponto de início, onde tudo começa e não deve ser por acaso. A partida.

E dentre todas as coisas, dentro todos os posts escritos com a vista do Rio Sena ou de alguma cafeteria charmosa desta cidade mágica, minha vida aqui me apresentou uma outra saudade. Agora, não mais antecipada, não a que se sente antes do tempo, como a que eu senti quando vi meus pais pelo vidro pela última vez antes de vir. A saudade de agora, vem chegando devagarzinho, coerente, acompanhando o tempo, crescendo aos poucos e ativada pelas mais inesperadas situações.

Cada vez que encontro no meio das minhas coisas algum item que eu não tinha conseguido colocar na mala, sei que minha mãe leu minhas vontades e deu um jeito de encaixar aquilo ali. Nesta hora, a saudade dos seus cuidados se instala por aqui. Quando tenho que ser forte para fazer sozinha algo, mesmo querendo pedir ajuda, sinto saudade da atenção contínua do meu pai me fazendo de bonequinha-do-papai e do orgulho que ele teria de me ver me virando. Quando chega a sexta-feira e passo pelo supermercado antes de ir para casa, os vinhos me matam de saudade das noites no quintal com os dois. Cada vez que alguma nova amiga me olha com carinho ou me pede um conselho sinto saudades imensas das minhas companheiras de uma vida inteira. Cada vez que algum novo amigo ri alto de alguma coisa sem sentido que eu falo, meu coração se parte em dez de saudade da risada dos meus bons amigos homens. Cada vez que algum homem se aproxima com admiração e diz que as brasileiras devem ser as melhores mulheres do mundo para se casar, eu lembro do cara que me amou o amor maior que eu já vi no mundo. Cada vez que meu skype abre sozinho no meu computador, eu imagino meu irmão do outro lado do mundo me chamando de marmota e dizendo que está morrendo de saudade, mesmo sabendo que isso não pode acontecer.

A saudade que eu aprendo aqui é nova e é diferente a cada dia. É uma saudade distante por quatro horas do fuso horário ou dez de distância. É uma saudade que chega a qualquer hora e tem impulso nas mais diversas coisas, mas que não serve de desculpa para interromper nada que eu esteja fazendo. É uma saudade que não espera para acontecer, mas tantas vezes tem que esperar para ser cuidada. É uma saudade do que está sendo; a saudade da vida que está acontecendo ao mesmo tempo que a vida que eu vivo aqui, mas sem mim. Minhas renúncias, meu não estar. Só eu sei como pensei nisso ao fazer as malas e vir sem olhar para trás.

Mas escolha feita, eu acho que posso dizer que o maior sinal de que ela foi acertada, é que mesmo com toda esta saudade, quando eu chorei aqui, pode até ter sido de saudade, mas foi, primeiro, de felicidade. E ser feliz é o único compensador que faz valer toda saudade que a gente tem que sentir pela vida afora.

S
audade.

Em dias 23 de fevereiro, sempre especialmente. Mas sempre saudades. Dele. De você. E da história inteira que está acontecendo em uma vida que já me pertenceu, mas não me pertence agora. O que sobreviver ao tempo, provavelmente, eternizado estará. E qualquer hora eu volto, ou não, porque eu não sou daqui, eu não sou daí, ou não sou de lá. Eu sou de viver e só, aqui ou em qualquer lugar.

domingo, 2 de fevereiro de 2014

Um pouquinho, só mais um pouquinho.


A história nem é recente. Já acontece no mundo desde os primórdios da humanidade. É mais ou menos o tal do disse-me-disse. Faz um tempinho e uma mocinha que eu não conheço, com quem não tenho amigos em comum e com quem nunca troquei uma única palavra resolveu sem ser consultada dar a alguém muito próximo de mim seu depoimento a meu respeito.

É, esta estranha desconhecida de nome esquisito, quis dar uma opinião pessoal ao meu respeito para uma pessoa com quem convivo há cerca de oito anos, quase um terço da minha inteira existência. Sem ser perguntada, ela quis opinar e opinou. Um depoimento pessoal e de natureza, a meu ver, negativa.

E por razões muito óbvias é claro que alguém que eu não conheço, que nunca olhou nos meus olhos, com quem nunca troquei nenhuma palavra, não merecia um post no meu blog, mas cá entre nós, aqui também tem espaço para as porcarias da humanidade e eu não posso querer viver sempre no mundo que eu inventei, sob pena de meu mundo inventado ser de mentira, e não é. Até nas histórias mais lindas, temos os vilões, a madrasta, o lobo-mau, então, não seria diferente aqui.

O depoimento da mocinha tinha conteúdo irrelevante, mas me remeteu a uma velha história. Me remeteu a minha já distante adolescência, quando conheci, - e acho que é quando de fato a maioria de nós conhece, - os seres humanos na sua pior versão. É o momento triste quando temos que deixar a ingenuidade de lado e entender que pela vida afora tem gente que vai ser ruim, apenas pelo prazer de ser, ou vai te fazer coisas ruins apenas pelo prazer de fazer.

A gente conhece a maldade, mas então o tempo passa e percebemos que aqueles seres tinham uma desculpa. Eram adolescentes, sem muito o que fazer, tendo seu primeiro contato com o pior que existe em si, testando sua habilidade de fazer mal a outro alguém, meio inconsequentes, sem muita capacidade de entender os efeitos disso para o outro. Depois que a gente cresce, a desculpa acaba. Quem é ruim, é ruim e pronto. Agora, sem desculpas.

Mas foi lá atrás, ainda menina, ainda com um pouco da ingenuidade que a vida não tinha levado inteira, que uma lição veio a tona para nunca mais ser esquecida: não interessa quanto bem você faz a quem está a sua volta, não interessa, porque na vida, definitivamente, a gente não colhe só o que planta. Não mesmo. Não interessa quanto você se esforce, alguém sempre vai ter algum motivo obscuro para não querer tanto seu bem assim, não interessa quanto esforço você coloque nesta coisa de viver.

Agora, no auge dos meus vinte e oito anos e lidando, à princípio, com pessoas com grau intelectual similar ao meu, ainda me surpreendo com algumas coisas. Para mim, ainda é curioso como as pessoas são bobas, como se preocupam com o que é pequeno demais, com o que não soma pontos na hora de acertar as contas no final. Ainda é curioso como as pessoas são irresponsáveis. Mas no meu mundo este tipo de pessoa se torna invisível.

Eu escolhi a forma como eu ia viver ainda muito jovem. Quando eu ainda não conseguia racionalizar minha escolha, mas escolhi, meio por intuição como eu ia me relacionar com o outro, com os outros, com os seres humanos (ou nem tão humanos assim) à  minha volta. E escolhi.

Para ganhar o coração de alguém não tive nunca que ser nada além de real. Nunca tive que ser nada além do que eu realmente sou para ser amada. E ser real representa ter uma história, um passado, uma trajetória, ter cometido erros e acertos, repetir alguns erros e não ter vergonha deles, que passam a nos conduzir para mais perto da excelência. Nos conduzem a um lugar onde o mínimo de desacertos são cometidos e nossas escolhas são motivadas pelas razões corretas.

A minha história vem nos meus ombros. Sou mulher, sou moleca, sou responsável. Sou princesa de rua, tenho pé no chão e asa nas costas, faço o que me dá na telha. Sou menina, filha orgulhosa, amiga leal, apaixonada por mim mesma, pela vida e por tudo que tem peso de pluma.

Mas assumi conscientemente as consequências das minhas atitudes por toda minha vida.

Aceitar que não existe a tal lei da compensação é difícil. Em tese se faço o bem, se digo o bem, se sinto o bem, era para eu receber tudo de volta. Era, mas se fosse assim tão fácil, não era vida, era morto, era morte. No caminho muitas vezes a gente recebe o que não encomendou, na caixa de correio aparece embrulho cheio daquilo que não mandamos trazer.

Mas cada um escolhe o jeito de fazer sua própria vida. E eu escolhi. Escolhi não desqualificar ninguém para tentar me qualificar. Escolhi não plantar maldades para tentar tornar piores histórias que eram melhores que as minhas. Escolhi não atacar quem eu não conheço e quem nunca me fez nada (e descobri que quem faz isso quer tirar o foco de si mesmo). Escolhi nunca entrar na vida de ninguém tentando ocupar o espaço que já foi de outra pessoa, mas sempre pretendendo um novo, só meu, com minha cara, meu formato e meu cheiro.

E, então, entendi que não importa como eu viva, algumas pessoas simplesmente vão escolher viver do pior jeito, distribuindo o que tem de ruim em si. Todos somos uma mistura de bom e ruim, mas escolher o que você transmite ao outro é opção de cada um. Eu fui muito mais honestamente gostada quando deixei de ser um personagem para agradar os outros e passei a fazer minhas escolhas para agradar primeiro a mim . Tive que desistir da unanimidade para isso, porque nem sempre dá para agradar a todos fazendo assim.

Mas o contrário também aconteceu. Se o bem que eu me propus a fazer era pensado para mim, o mesmo aconteceu com o mal. Daí em diante tudo que eu fiz na minha vida afetou em um primeiro momento quase que exclusivamente só a mim. Os frutos do bem e do mal foram colhidos um a um e destinados aquilo que se propuseram: a me tornar uma pessoa mais leve ou a me tornar uma pessoa melhor, ora pelo acerto, ora pelo erro.

Só fui honestamente gostada quando fui eu mesma e quando qualidades e defeitos, efeitos e defeitos que eu não tenho medo de mostrar foram capazes de ocupar os sonhos de alguma alma distraída, que me enxergou do jeito que eu sou e gostou do que viu.

Hoje eu vim escrever para lembrar a mim mesma que não interessa o que venha, pessoas invisíveis não tiram minha esperança em torno das pessoas que posso enxergar. Talvez quando passarem a parar de gastar tanta energia com algo que não trás nenhum retorno afetivo, então vão entender que se de um lado, às vezes coisas ruins aconteçam para pessoas boas, o contrário é mais coerente, porque toda maldade será no devido tempo castigada.

Felicidade incomoda, eu sei. Mas nunca vou esconder a minha por gente que eu nem posso enxergar. Sou um colete a prova de balas, não posso ser atravessada, mas apesar disso, me arranho. E todo arranhão, toda cicatriz fica aqui, me lembrando de reafirmar o compromisso que eu fiz com o meu caminho, de distribuir meu melhor, de modelar minha versão original e de mostrar sempre a versão mais real de mim mesma, porque para mim só faz sentido ser gostada assim.

É clichê, mas é verdade, se quiser ainda assim falar de mim, me chame, sei coisas terríveis a meu próprio respeito.

Mais amor, é só o que eu desejo, mais amor, por favor. Um pouquinho, só mais um pouquinho. A educação é para quem recebeu, mas ficar calado é uma opção democrática e serve para qualquer um. O que vier de ruim para mim, o que esmagar meu coração por até três segundos, eu devolvo em dobro, em forma de sorriso fácil, cartão postal ou borboletas. 


sábado, 1 de fevereiro de 2014

Não é só por um beijo gay.


Dia destes e em um momento familiar em uma noite comum na Paris de todo dia, estávamos eu e o casal com que eu moro, (que cumpre para mim o papel ora de irmãos, ora de primos, ora de amigos, ora de pais) assentadinhos na sala, cada um ocupado de uma outra tarefa, como um livro, um tablet ou computador.


Distraídos como estávamos, um casal se beijava ali na TV, calorosa e apaixonadamente. Na vida real, cada um continuava se ocupando com o que estava fazendo. A cena era de “Plus Belle la Vie”, a tradicional novela francesa, que está no ar há cerca de dez anos e passa em torno das oito da noite, no horário daqui, claro. Ah, o beijo era entre duas mulheres.

E acreditem, a vida continuou. Ninguém parou para debater o beijo, aliás, o milionésimo beijo gay da novela. Acabou o capítulo daquela noite e mudamos para novela brasileira. Ali, a curtos (mas nem por isso não importantes) passos para uma sociedade engessada como a brasileira, o autor tenta incluir algumas relações homossexuais, para dar um ar de vida comum (é, foi o tempo em que o que se pretendia era polemizar, agora o que se quer é apenas retratar a vida de todo dia). Mas no Brasil os passos ainda são curtos demais. Um beijo homossexual nas telas brasileiras ainda parece uma utopia (ou parecia até o momento em que o post chegar ao final). 

Há quase vinte anos estamos tentando. E as desculpas usadas para evitá-lo são ridículas (na falta de uma palavra melhor, só consegui esta). A mais frequente e nem por isso menos horrível costuma ser o “mau exemplo”, - (tive uma pequena convulsão) - , principalmente para as crianças”. A quem se quer enganar? É segredo para alguém que as crianças, como os animais, nascem naturais, sem preconceitos, sem amarras e lidam com sua própria natureza muito melhor do que adultos. Crianças não se chocam com desejos, com vontades. Só sentem. Só querem. Só intuem. Puramente e lindamente. Os incomodados, contaminados, preconceituosos e atrasados são os adultos. E como são.  

Mas, ah, o exemplo!!!!!!!! É, também acho um péssimo exemplo  um beijo de língua bem gay na novela, entre o casal mais honestamente apaixonado ali, com suas diferenças e defeitos (Felix dá-vontade-de-ser-melhor-amiga-dele e Nico fofuxinho dá-vontade-de-apertar-e-colocar-no-colo). É, os outros têm razão, não não, beijos entre homens não. Acho mesmo que deveríamos incentivar mais os outros ótimos exemplos que são dados nesta novela linda. Como jogar crianças em caçambas, roubar o bebê de outro casal, casar por interesse, roubar todo o dinheiro do marido que você envenenou até ficar cego, deixar seu bebê desnutrido enquanto você tenta matar o mesmo marido cego, o amante, enterra a tia no jardim, amarra a médica no quintal e derruba uma velhinha manca. Ah, o exemplo! Nossas novelas brasileiras que inspiram nossas crianças a serem melhores. Realmente beijos gays, bem gays, cheios de purpurina ou não, com sexo depois ou não, com tudo aquilo que se tem direito são um péssimo exemplo. #ironia.

Não consigo achar normal e não querer gritar. Não consigo entender quem não consegue enxergar do que estamos tratando aqui. Pelo AMOR à vida (e não foi um trocadilho como nome da novela, mas só não pedi pelo AMOR de Deus, porque ele não tem absolutamente nada a ver com isso)! Como pode? Mas é isso. Enquanto não formos, junto com outras sociedades super evoluídas como o Paquistão ou a Nigéria, #ironiadenovo, capazes de lidar com o outro, diferente ou não, da mesma cor, com os mesmos desejos, com os mesmos valores, ou não, seremos uma sociedade assim, que me envergonha. E o “assim” mereceria outros tantos posts. 


Honestamente? Na falta de outro sentimento melhor, tenho é pena de quem tem medo de homossexualidade, de que tem medo da manifestação livre de desejos. Tenho pena de nós, que não conseguimos ensinar às nossas crianças a serem felizes sendo o melhor do que são. Tenho pena mesmo, quase compaixão (quando não é raiva), de uma sociedade que prefere fingir que certas coisas não são como são, ao invés de permitir a si mesma o exercício bonito e livre de algo que nasce com cada um e é produzido antes mesmo do amor, que é o desejo.

Somos todos nós, seres humanos, uma sucessão de desejos e sentimentos, que reprimidos geram crianças e adultos da geração “psiquiatria”, que compra a felicidade embalada nas farmácias, que não consegue seautoconhecer, se autoentender, se autoaceitar. 


Antes de eu vir para França, muitas pessoas me disseram que talvez eu não voltasse nunca, e isso é assunto para um outro post. Mas posso dizer com certeza de quem tem o coração disparado muitas vezes ao dia, que aqui sinto por muito mais vezes que meu mundo inventado existe de outras formas na realidade. Ser e deixar ser, viver e deixar viver, amar e deixar amar. Porque na rua, na chuva, na fazenda ou em uma casinha de sapê, aqui o que está na moda ser exatamente aquilo que se é. 

Eu, sigo de dedos cruzados, para que antes do que eu desejo os moralistas (e eu nunca achei que uma palavra fosse tão mal usado como “moral”) possam assistir a muitos beijos de amor entre dois homens, um homem e uma mulher, duas mulheres. Porque é disso que as pessoas precisam, de amor e liberdade, caminhando juntos, para que não hajam desejos reprimidos, mal vividos, encubados, estes sim, responsáveis por boa parte daquilo de ruim que se vê por ai.

Torne as pessoas livres e felizes e elas vão entender aonde querem ir. Tire de uma criança a possibilidade de achar que o desejo dela mora no coleguinha do mesmo sexo e não na do sexo oposto, tire de uma menininha a possibilidade de brincar com o carrinho e não com a boneca, tire das crianças a beleza de reagir naturalmente àquilo que o corpo delas pede e crie, então, um adulto que vai ter que passar a vida tentando curar os males que a humanidade lhe causou, sem talvez nunca conseguir.


Hoje, quando acordei, vi nas minhas redes sociais uma multidão gritando em uma só voz: "até que enfim!". E até que enfim mesmo alguém acordou e colocou dois homens apaixonados se beijando na novela. Senti um alívio. Uma alegria. Senti uma vontade de dar um grito. Depois fechei os olhos e torci para que os próximos beijos gays não precisem de mais vinte anos, de um último capítulo e de tanto alarde para acontecer. A próxima novela vem ai e eu espero que desde o primeiro capítulos tenham muitos beijos, paixões e cenas de amor em todas as suas formas.

O silêncio de quem eventualmente não tenha gostado me dá uma luzinha de esperança, de que a partir de agora mais do que antes quem tenha que viver enrustido e reprimido, com vergonha de ser como é, sejam as pessoas que cheias de preconceitos ainda não conseguiram viver e aceitar bem o amor em todas as suas formas. Estarei completa quando assuntos como este não precisem de ser tornar um post.


Um viva a coisa mais linda do mundo que é a liberdade. Uma vaia para coisa mais triste do mundo que é o preconceito. E um dedo cruzado para toda forma de amor. 

Não, absolutamente, não é só por um beijo. 
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