« Enquanto não
atravessarmos a dor da
nossa própria solidão, continuaremos
a nos buscar em outras metades.
Para viver a dois, antes,
é necessário ser um. »
- Fernando Pessoa.
Fábio,
você tem ideia do que você fez? Você tem ideia de quantas milhares de pessoas
estão infelizes por sua causa? Está bem, eu sei que é um peso muito grande para
você carregar, mas você devia ter pensado nisso antes. Eu gostava tanto de
você, sabia? Sei lá se você é afinado o bastante, mas como a única coisa que eu
entendo de música é que eu gosto quando me faz sentir viva, você serviu. Passei
minha infância inteira te ouvindo por milhares de quilômetros no banco de trás
do carro e em tardes passadas no quintal. Passei minha adolescência inteira te
ouvindo cantando lá na sala durante os jantares que meus pais faziam
para os amigos. Passei minha vida adulta inteira acordando com você me
perturbando domingos de manhã (muito antes de Marcos & Belluti patentearem
este direito à perturbação alheia).
E
poxa, Fábio, você simplesmente não pensou no que estava fazendo?
Eu sei que
você é mais da geração dos meus pais, onde ser diferente era moda, onde o legal
era não ser igual a todo mundo. Mas você tem filhos mais jovens, você não
percebeu que as últimas gerações tem cada vez menos tempo de pensar? Que é uma
geração que faz tudo igual e escolhe primeiro o que quer e depois se pergunta
porque (e às vezes nem se pergunta). Você não reparou que nesta geração todo
mundo sonha em casar e nem sabe o que isso quer dizer? Que todo mundo quer
fazer uma festa igual à daquela loira filha daquele político cujo nome só é
pronunciado com nome e sobrenome juntos? Você não se deu conta que todo mundo
quer ter o corpo igual ao da blogueira de instagram sem profissão definida e
comer uma comida igual à dela?
Ou que os consultórios estão cheios de gente
querendo os peitos da Sabrina Sato ou o nariz (ou a bunda) da Paola Oliveira. Eu mesma já fui pedir um
nariz novo (pelo menos pedi um igual ao da minha mãe) e logo mais serão os
peitos (mas só vou querer que eles se pareçam com eles mesmos, há cerca de uns dez
anos atrás). Você realmente não reparou que as pessoas se vestem igual e quem
não acompanha está fora da moda? Sabe que há uns três meses fui à uma conhecida casa
noturna da capital mineira de sapatinho de boneca sem salto e fui parada
(sim, fui parada por duas mulheres diferentes, certamente com o teor alcóolico
a cima do limite legal permitido para dirigir) para ouvir que eu era “foda”, que
elas queriam ser minhas amigas, que eu tinha tido “muito a manha” de ter ido
“daquele jeito” para a boate.
Entende
do que eu estou falando, Fábio? Não dá para desmerecer a capacidade destas
pessoas de fazer tudo igual, ainda que o que elas façam não tenha nenhum significado para elas mesmas. Estamos na geração que decide quantos números de
parceiros sexuais as mulheres devem ter. Na média 7,38, ainda que eu não
entenda bem como isso seria possível. Menos que isso você não vai ser boa de
cama o suficiente; mais, não vai ser uma mulher para casar. É, o tal casamento
ali de cima, esta representação fictícia e destorcida de felicidade eterna. Ah,
e este número varia de acordo com a faixa etária, fique atento. Ah, e
acrescenta-se alguns dígitos se estivermos tratando do gênero masculino. Isso mesmo, Fábio, é uma geração muitíssimo
organizada e coerente. Não, Fábio, eu estava sendo irônica. Na verdade fui mais
de uma vez desde o começo da carta.
Mas
eu não estou te escrevendo para falar das contradições desta geração
que tem tanta preguiça de se perguntar certas coisas, que tem tanto medo de
respostas diferentes das que eles decoraram desde muito cedo. Eu estou
escrevendo para falar que eu confiava em você, sabia? Acreditei por tantos anos
que o amor não tem que ser uma história com princípio, meio e fim. Acreditei
que era para eu esquecer quando ele não me amasse. Acreditei que não era para
me desfazer dos meus sonhos por ninguém. Nem por você.
Só
que aí, um belo dia eu acordei e percebi que apenas naquela semana já tinha dado
conselhos amorosos para pelo menos 4 ou 5 amigas e amigos desanimados,
incompletos, perdidos e enquanto eu me perguntava porque as pessoas andam tão
insatisfeitas em suas relações, porque tantos casamentos são empurrados com a
barriga sem qualquer sinal mínimo de paixão, porque as pessoas vivem lutos em
vida assistindo seus amores virando pó sem reagir, enquanto me perguntava
isso, eu percebi. Percebi que a culpa era sua.
Foi
você, Fábio, que impulsionou em ritmo de romance uma geração inteira, talvez, até duas, a procurar suas metades. Você disse com todas as letras, - e repetiu
por milhares de vezes -, que as almas gêmeas são como metades de laranjas. Você
se casou sete vezes, certamente, também procurando a sua metade. Você não
estava errado de tentar. Eu também vou tentar quantas vezes eu estiver afim, 3, 7,
23, até encontrar alguém, além de mim mesma, que dê um sentido ainda mais real para isso
de viver. Mas como é que você não percebeu que sete talvez fosse um sinal. Você
passou a vida procurando a metade da laranja, procurando meia pessoa, gente
incompleta.
Você
não se deu conta que gente pela metade não tem aptidão para fazer ninguém feliz.
E que a gente mesmo só vai ser feliz se for inteiro sozinho e tiver alguém
inteiro do lado. Meia alma gêmea, meia laranja, meia pessoa, é como ir a um encontro a dois e o
outro não aparecer, é como assar o pão de queijo até ele queimar, é como fazer
amor e parar antes de acabar, é como engravidar e o bebê não chegar, é como
deixar o sorvete cair no chão antes de dar a primeira lambida.
Agora
já era, você estragou tudo. É claro que estas pessoas não poderiam encontrar
pessoas inteiras, porque elas estão procurando gente pela metade. Desculpa,
Fábio, mas você repetiu esta música em pelo 33 cd’s e dvd’s depois de a ter
gravado pela primeira vez (não, não costumo usar a Wikipédia para muita coisa,
mas desta vez fiz questão de contar). Somos de uma época do “Beijo no ombro”
e do “Show das poderosas”, então, quem
você acha que vai desfazer o estrago que você está fazendo há mais de quinze
anos?
É, estamos perdidos. Ou eles estão. Toda esta gente cheia de amor para dar e receber, perdendo tantas horas, meses e anos procurando gente sem nenhuma habilidade para fazer ninguém feliz, gente pela metade.
Eu
não tenho nada com isso, mas eu acho que você deveria solicitar uma declaração
em rede nacional, no horário nobre e
pedir publicamente desculpas pelas vidas que você estragou. Você deveria dizer que se arrepende muito, que não pensou no que estava fazendo, que quer mudar. E se
é para finalizar dizendo alguma coisa que possa ajudar, você pode dizer que se acaso seus ouvintes cruzarem com uma pessoa inteira, que não a deixem ir embora, em hipótese alguma. Porque eles não sabem e ninguém avisou a tempo, mas na verdade é o que eles deveriam estar procurando.
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