domingo, 5 de abril de 2015

Carta aberta a Fábio Jr.




« Enquanto não 
atravessarmos a dor da
 nossa própria solidão, continuaremos 
a nos buscar em outras metades.
Para viver a dois, antes,
 é necessário ser um. »
- Fernando Pessoa.


Fábio, você tem ideia do que você fez? Você tem ideia de quantas milhares de pessoas estão infelizes por sua causa? Está bem, eu sei que é um peso muito grande para você carregar, mas você devia ter pensado nisso antes. Eu gostava tanto de você, sabia? Sei lá se você é afinado o bastante, mas como a única coisa que eu entendo de música é que eu gosto quando me faz sentir viva, você serviu. Passei minha infância inteira te ouvindo por milhares de quilômetros no banco de trás do carro e em tardes passadas no quintal. Passei minha adolescência inteira te ouvindo cantando lá na sala durante os jantares que meus pais faziam para os amigos. Passei minha vida adulta inteira acordando com você me perturbando domingos de manhã (muito antes de Marcos & Belluti patentearem este direito à perturbação alheia).

E poxa, Fábio, você simplesmente não pensou no que estava fazendo? 

Eu sei que você é mais da geração dos meus pais, onde ser diferente era moda, onde o legal era não ser igual a todo mundo. Mas você tem filhos mais jovens, você não percebeu que as últimas gerações tem cada vez menos tempo de pensar? Que é uma geração que faz tudo igual e escolhe primeiro o que quer e depois se pergunta porque (e às vezes nem se pergunta). Você não reparou que nesta geração todo mundo sonha em casar e nem sabe o que isso quer dizer? Que todo mundo quer fazer uma festa igual à daquela loira filha daquele político cujo nome só é pronunciado com nome e sobrenome juntos? Você não se deu conta que todo mundo quer ter o corpo igual ao da blogueira de instagram sem profissão definida e comer uma comida igual à dela? 

Ou que os consultórios estão cheios de gente querendo os peitos da Sabrina Sato ou o nariz (ou a bunda) da Paola Oliveira. Eu mesma já fui pedir um nariz novo (pelo menos pedi um igual ao da minha mãe) e logo mais serão os peitos (mas só vou querer que eles se pareçam com eles mesmos, há cerca de uns dez anos atrás). Você realmente não reparou que as pessoas se vestem igual e quem não acompanha está fora da moda? Sabe que há uns três meses fui à uma conhecida casa noturna da capital mineira de sapatinho de boneca sem salto e fui parada (sim, fui parada por duas mulheres diferentes, certamente com o teor alcóolico a cima do limite legal permitido para dirigir) para ouvir que eu era “foda”, que elas queriam ser minhas amigas, que eu tinha tido “muito a manha” de ter ido “daquele jeito” para a boate.

Entende do que eu estou falando, Fábio? Não dá para desmerecer a capacidade destas pessoas de fazer tudo igual, ainda que o que elas façam não tenha nenhum significado para elas mesmas. Estamos na geração que decide quantos números de parceiros sexuais as mulheres devem ter. Na média 7,38, ainda que eu não entenda bem como isso seria possível. Menos que isso você não vai ser boa de cama o suficiente; mais, não vai ser uma mulher para casar. É, o tal casamento ali de cima, esta representação fictícia e destorcida de felicidade eterna. Ah, e este número varia de acordo com a faixa etária, fique atento. Ah, e acrescenta-se alguns dígitos se estivermos tratando do gênero masculino.  Isso mesmo, Fábio, é uma geração muitíssimo organizada e coerente. Não, Fábio, eu estava sendo irônica. Na verdade fui mais de uma vez desde o começo da carta.

Mas eu não estou te escrevendo para falar das contradições desta geração que tem tanta preguiça de se perguntar certas coisas, que tem tanto medo de respostas diferentes das que eles decoraram desde muito cedo. Eu estou escrevendo para falar que eu confiava em você, sabia? Acreditei por tantos anos que o amor não tem que ser uma história com princípio, meio e fim. Acreditei que era para eu esquecer quando ele não me amasse. Acreditei que não era para me desfazer dos meus sonhos por ninguém. Nem por você.

Só que aí, um belo dia eu acordei e percebi que apenas naquela semana já tinha dado conselhos amorosos para pelo menos 4 ou 5 amigas e amigos desanimados, incompletos, perdidos e enquanto eu me perguntava porque as pessoas andam tão insatisfeitas em suas relações, porque tantos casamentos são empurrados com a barriga sem qualquer sinal mínimo de paixão, porque as pessoas vivem lutos em vida assistindo seus amores virando pó sem reagir, enquanto me perguntava isso, eu percebi. Percebi que a culpa era sua.

Foi você, Fábio, que impulsionou em ritmo de romance uma geração inteira, talvez, até duas, a procurar suas metades. Você disse com todas as letras, - e repetiu por milhares de vezes -, que as almas gêmeas são como metades de laranjas. Você se casou sete vezes, certamente, também procurando a sua metade. Você não estava errado de tentar. Eu também vou tentar quantas vezes eu estiver afim, 3, 7, 23, até encontrar alguém, além de mim mesma, que dê um sentido ainda mais real para isso de viver. Mas como é que você não percebeu que sete talvez fosse um sinal. Você passou a vida procurando a metade da laranja, procurando meia pessoa, gente incompleta.

Você não se deu conta que gente pela metade não tem aptidão para fazer ninguém feliz. E que a gente mesmo só vai ser feliz se for inteiro sozinho e tiver alguém inteiro do lado. Meia alma gêmea, meia laranja, meia pessoa, é como ir a um encontro a dois e o outro não aparecer, é como assar o pão de queijo até ele queimar, é como fazer amor e parar antes de acabar, é como engravidar e o bebê não chegar, é como deixar o sorvete cair no chão antes de dar a primeira lambida.

Agora já era, você estragou tudo. É claro que estas pessoas não poderiam encontrar pessoas inteiras, porque elas estão procurando gente pela metade. Desculpa, Fábio, mas você repetiu esta música em pelo 33 cd’s e dvd’s depois de a ter gravado pela primeira vez (não, não costumo usar a Wikipédia para muita coisa, mas desta vez fiz questão de contar). Somos de uma época do “Beijo no ombro” e  do “Show das poderosas”, então, quem você acha que vai desfazer o estrago que você está fazendo há mais de quinze anos?

É, estamos perdidos. Ou eles estão. Toda esta gente cheia de amor para dar e receber, perdendo tantas horas, meses e anos procurando gente sem nenhuma habilidade para fazer ninguém feliz, gente pela metade.


Eu não tenho nada com isso, mas eu acho que você deveria solicitar uma declaração em rede nacional,  no horário nobre e pedir publicamente desculpas pelas vidas que você estragou. Você deveria dizer que se arrepende muito, que não pensou no que estava fazendo, que quer mudar. E se é para finalizar dizendo alguma coisa que possa ajudar, você pode dizer que se acaso seus ouvintes cruzarem com uma pessoa inteira, que não a deixem ir embora, em hipótese alguma.  Porque eles não sabem e ninguém avisou a tempo, mas na verdade é o que eles deveriam estar procurando.

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