terça-feira, 29 de abril de 2014

E minha cor preferida é azul.

 

Quando a gente decide mudar de cidade pensa muito e por muitas vezes naquilo que está deixando para trás, mas não sabe de fato o que é. Ficam ali nos meses que antecedem a data do embarque aquela sensação de que aquelas pessoas, aqueles lugares, aqueles cheiros são seu mundo.  Um mundo que te pertence, ou pelo menos é o que a gente acha. Nesses meses antecedentes, cada vez que se encontra alguém que compõem a sua história o coração aperta e a vida fica em câmera lenta. Até que chegam os momentos de despedida.
E vem o dia da despedida oficial... E ali é como se você estivesse oferecendo a todas as pessoas que te amam a oportunidade de te ver pela última vez nos próximos anos. Só que no fundo é tudo ao contrário. No fundo quem quer se despedir é só você mesmo. No fundo é no dia da despedida, no último dia, que você começa a perceber que cada um vive por si. Que a vida é um contra todos. Que uma lista de gente que você espera chegar para te dar um último abraço estava ocupada demais em compromissos inadiáveis como ir assistir a um show sertanejo em um evento que se repete igual todo fim de semana, ir ver um filme no cinema com alguém que te enrolou a semana inteira, ou assistir a vida fantástica do sofá de casa.

Seu mundo está dando a partida para qualquer lugar. Mas isso só é importante para você, entende? É o seu mundo que vai mudar de lugar e não o de todas aquelas pessoas que você até aqui acredita que o compunham. A verdade é que pouca gente se importa realmente e isso muda em verdade a vida de quase ninguém, a não ser a sua própria. Ali sim você recebe um amor intenso de quem não faltou a esta pré partida, mesmo tendo outras coisas a fazer. E ali você ainda não sabe, mas provavelmente são estas mesmas pessoas que vão de fato sentir sua falta. Ou mesmo nem tantas, ou nem todas.
Ali, começa a ficar claro que a única vida que é diferente sem sua presença é a sua própria; e só.

Eu sou aquele tipo de pessoa que sempre se perguntou o que ficaria quando eu me fosse. Sempre quis escolher minha foto preferida, e uns dizeres especiais que mudassem a vida das pessoas, e correspondessem a qualquer coisa em que eu realmente acreditasse. Sempre fui do tipo de pessoa que queria dizer a tempo como gostaria que fosse minha despedida e que roupa eu gostaria de usar. Parece estranho, mas não é. É o contrário, eu queria só ter um pouco de vida, ser um pouco eu, sempre.
Eu tenho uma relação diferente com a morte, porque não acho que é a toa que ela foi eleita como a única certeza que podemos ter na vida. A morte é democrática, é para todos. Não pode ser planejada, não tem glamour. E é o momento em que você se torna mais que as coisas momentâneas que nos rodeiam pela vida afora. Você deixa de ser a roupa que você usa, você deixa de ser os lugares que frequenta, você deixa de ser o número de zeros da sua conta bancária, ou o carro que você escolheu.  

E aí, o que isso tem a ver com a história? E aí que mudar de país é morrer um pouco. Às vezes é morrer muito. Às vezes é morrer para sempre. Você vai. Faz as malas e vai. E tudo aquilo ali que você deixa para trás é antes muito menos do que parece. Passa a dar para entender porque começar a viajar se torna quase um caminho sem volta. Fica claro, muito claro que na verdade ninguém tem exatamente para onde voltar. Fica claro, muito claro que ninguém pertence realmente a qualquer lugar ou talvez seja até melhor dizer que nenhum lugar nos pertence.

E a vida que a gente deixa? Seu melhor amigo está ocupado com uma nova paixão. Suas amigas estão ocupadas com o trabalho. Outras com o noivado. Tem mesmo quem não esteja preocupado com nada em especial, mas cada um se preocupa primeiro com sua própria vida. E ser uma impossibilidade não te torna o centro de nada. Daqui, eu encho mais de uma mão de pessoas, e isso é sim muita coisa, que estão ali, lutando contra o fuso horário, contra o tempo correndo ao contrário, contra as ondas do oceano que nos separam. Me lembrarei sempre daqueles que se contentam com muito menos de mim do que mereceriam receber, tudo em nome de um sorriso meu, de uma foto, um áudio, um conselho enviado do silêncio das noites parisienses que chegam antes do que as brasileiras. Tudo, mesmo a tantos quilômetros de distância parecendo dar qualquer sentido para alguma coisa maior.
Não, deixar a vida para trás não é muita coisa. Não resta tanta coisa assim do que a gente acha que tem. A nossa própria vida não nos pertence. E parece que a vida que a gente deixa para trás é pequenininha. Que o amor que você gritou tantas vezes sentir por tantas pessoas pode ser substituído por coisas que daqui parecem menores, bem menores.
E lá do outro lado? O que acontece? Ah... A gente chega. Desfaz as malas. Está lá. A vida que você trás. E esta sim parece bem maior. É a vida que te pertence. Seu mundo se transforma todos os dias. Você conhece todos os dias pessoas que gostam de você só de te olhar. Porque você sorri diferente. Porque você veio de um país onde em tese as pessoas são a maior riqueza. Você conhece todos os dias pessoas que não querem saber seu endereço, seu passado, seus bons e mau feitos. Você conhece todos os dias pessoas que não se interessam pela marca da sua roupa ou da sua maquiagem. Você conhece todos os dias pessoas que só querem saber o que você vai fazer naquela tarde. E que te adoram porque você tem um sorriso solto. Porque você encosta ao falar. Porque seu olhar tem alguma coisa a dizer. Porque a maçã do seu rosto combina com seus olhos. E sim, este poderia ser um parágrafo entre aspas para repetir com o que de tão mágico nos deparamos na vida que vem com a gente.
Você conhece pessoas para quem diz as mesmas coisas que dizia no seu velho mundo, mas agora o que você diz faz muito sentido e você não parece mais estar dizendo nada estranho ou louco.  E você conhece homens que te beijam sem pedir. E outros que perguntam antes mesmo de te dar as mãos. Ou com aqueles que não tem beijam porque te acham incrível demais para estragar tudo logo com um beijo qualquer. Você conhece homens, e mulheres, claro, para quem você realmente faz diferença, mesmo que por quinze minutos, um dia ou um mês. Mas você muda a vida destas pessoas. Você tem para as pessoas o tamanho do mundo delas. Você conhece pessoas de um mundo inteiro. Um mundo muito maior que o seu. Você conhece gente que te acha diferente. E te adora assim, do seu jeito. Mesmo que você não tenha nada a oferecer.

Aí, na última sexta-feira das suas férias, você passa o dia inteiro trocando áudios com um mineiro que ri com o olho apertado, que te lembra que ainda prefere trocar 153 áudios com você, mesmo sem cheiro, sem gosto e com um oceano inteiro entre vocês, do que passar horas olhando para quaisquer janelas em forma de olhos que não tem tanta coisa ou nada a dizer. E aí você entende que aquele cara, junto com o repertório das últimas vozes brasileiras que você ouviu, faz parte do tipo de pessoa que você teria o prazer de conhecer aqui. Neste lugar onde você realmente está e talvez pela primeira vez: a vida.


Está ali, na sua frente. O mundo. O mundo que acontece em qualquer lugar, do seu tamanho exato: infinito. Parece um pouco triste perceber tudo isso. Perceber que sem nós, nossa vida não existe mais. Mas no fundo é uma boa resposta para tanta perguntas. No fundo é a vida fazendo sentido. É a vida dizendo que você não esteve tão enganado assim. Que sua vida acontece em qualquer lugar e você é o protagonista, o autor principal da sua próxima história. O resto são momentos, o resto é o que nunca existiu. O resto é o que a gente inventa. E como o amor, a gente faz só para se distrair.

No fim das contas o mundo te mostra que a gente deixa muito pouca coisa para trás. Que a vida vem na mala. Que o que vem, tem preço de ouro. Que só carregando sua vida por onde você vai, é possível saber quem de fato nos pertence. E que a vida é uma grande surpresa todos os dias, já que o que é seu de verdade não é você quem sabe.

Triste? Libertador. Duro? Leve. Pesado? Asas, para voar. Para o tipo de lugar onde a gente consiga sentir que realmente deva estar. A
gente muda, sabe?

Saber se observar em movimento é um dom. E eu, que transformo o post para primeira pessoa perto da hora de acabar, nem sei mais se  tenho os mesmos gostos; as mesmas eternas paixões. Eu nem sei mais se gosto das mesmas baladas, dos meus restaurantes. Não sei se minha comida preferida ainda é a mesma. Eu não sei nem se gosto das mesmas pessoas. Eu sei sim, que agora frequento lugares preferidos que não sei nem o nome, nem o endereço, que me apaixono em um segundos por pessoas que eu deixo ir no segundo seguinte
e que minha cor preferida para- sempre-enquanto-for é azul. Da cor do céu ou do mar.
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