quarta-feira, 16 de outubro de 2013

O amor em câmera lenta.





E já não faltam mais de dois meses para minha partida. Me lembro como se fosse ontem quando veio a escolha, em uma manhã de domingo, quando pareceu que aquela resposta que a gente pede da vida simplesmente caiu na minha frente. Me lembro de ter tido uma conversa com meu pai no dia anterior e definitivamente aquele plano parecia estar sendo descartado. Não sei o que houve no universo durante aquela madrugada, mas me lembro de acordar naquela manhã com uma certeza: a de que eu iria e a partir daquele momento não importaria mais o que se alterasse no curso da história; eu iria. E vou.

Voltando dois meses antes daquela manhã, - e agora há exato um ano -, também me lembro de estar em um restaurante, na beira da praia, na cidade dos 40 graus, em um fim de tarde daquele outubro chuvoso, cheio de energias diferentes e dizer para quem estava ali para ouvir que eu iria fazer isso. Que aquela capital das luzes ainda seria meu lar e ficaria com um pedaço meu. Me lembro de ter dito isso com uma certeza que eu nem sabia porque eu tinha. Mas tinha.

Agora as malas começaram a ser feitas. Agora faltam dois meses. E só eu sei como parece pouco. Para viver as pessoas da minha vida é pouco, para organizar toda documentação é pouco, para viver uma grande paixão, para me despedir de todos aqueles que merecem meu amor. Pouco, muito menos do que eu precisaria. De outro lado, dois meses são sessenta dias e se em cada um deles eu tenho uma chance de alterar o curso de tantas coisas, também pode ser o bastante ter sessenta chances de ser feliz.

Já há alguns dias que eu ando percebendo que o amor que mora em mim começou a passar em câmera lenta.

Em um fim de semana estava comemorando os 77 anos da minha avózinha branca. Deitadinha no sofá onde passo a maior parte dos almoços na casa dela, com minha pequenininha, - ela já completou 14 anos -, deitada no meu colo e meus pés sobre meu pequenininho, - este já chegou aos 18. Ao meu redor minhas tias, o resto das primas, minha afilhada. Aquilo tudo que acontece sempre igual em almoços de família. Nesta hora o amor ficou em câmera lenta.

Na outra noite estava saindo do banho, enroladinha na toalha, coisa que se faz todo dia, passei pela sala a caminho do meu quarto, olhei pros meus pais no sofá. Ele, como usualmente, com o Ipad. Ela com o olhar perdido de quem nunca presta muita atenção no que está passando ou dando gargalhadas como quem entende pela primeira vez a graça dos episódios repetidos das séries que todo mundo já cansou de assistir. Nesta hora o amor ficou em câmera lenta.

Em um outro sábado à noite estava assentadinha na mesa da casa de uma das melhores amigas. O menu é sempre igual; vinho e comidinhas. A companhia é sempre igual; ela e eu, vez ou outra com uns ou outros agregados. O roteiro é sempre o mesmo; duas vidas de uma dupla escolhida pelo destino, que a despeito de tão diferentes caminharam juntas desde os já distantes seis aninhos de pouquíssima idade e muita ingenuidade. Nesta hora o amor ficou em câmera lenta.

Na cidade da garoa (ou do trânsito), depois de jantar fora, no fim de semana em que se foi o pai daquele já famoso mocinho cheiroso do cabelo escorrido na cara e olhar doce que me agüenta pela vida afora, quando eu coloquei meu pijaminha, me deitei para dormir, me jurei que mesmo exausta não ia dormir antes dele. Fiquei falando, falando, até ele me deixar falando sozinha, quando a paz tomou conta do meu coração e eu ri em silêncio. Nesta hora o amor ficou em câmera lenta.

Em uma tarde de trabalho, vi de longe o irmão que assumiu sete funções na minha vida atravessar a rua para um lado, enquanto eu atravessava para o outro. E ele arrumou o terno de um jeito que ele faz sempre. E ele procurou um lugar para tomar um suco e talvez tenha procurado companhia e uma resposta. Nesta hora o amor ficou em câmera lenta.

No outro início de noite, paradinha em pé assistindo as luzes vermelhas dos carros, vi se aproximar o carro preto de três portas, peguei a carona que sempre me leva a muitos caminhos, sempre com um presente me esperando no banco do passageiro, que acho até que já tem o meu formato. Chorei contando uma história triste, gargalhei contando meu desajeito para viver. Vi aqueles olhinhos apertados se doendo quando eu chorei e indo ao paraíso quando eu gargalhei. Nesta hora o amor ficou em câmera lenta.

Em uma manhã de domingo, o céu estava azul e o sol forte, meus pés descalços e os dois anjinhos em forma de criança estavam na área externa da minha casa brincando com bolhas de sabão e fazendo chuva de mangueira, um só de cuequinha, a outra só de calcinha. E aquelas gargalhadas leves e doces têm o ritmo da melhor música do mundo. Nesta hora o amor ficou em câmera lenta.

O amor em câmera lenta. Como se fosse para o coração gravar, como se fosse para não esquecer tão rápido. Como para ser a imagem do que eu quero ter para sempre ou o amor que eu quero sempre sentir na hora que eu quiser. Como para passar devagarzinho o momento em que o amor acontece. Como para gravar na memória para poder voltar a fita e ver mais uma vez quando estiver vazio. Como para viver em trinta segundos sensações de passado, presente e futuro só para sentir minha sensação preferida de que a vida e o amor estão acontecendo.  

Quase dá para pegar, quase dá para dar pause, depois repeat. Daqui a dois exatos meses aperto o play. Desta vez, não mais para rever o filme, mas para fazer um novo. Para deixar a história acontecer sem saber o final. E que venha no antes, no durante e no depois, muito amor em câmera lenta para não passar rápido o que é bom mesmo de permanecer.

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