segunda-feira, 30 de julho de 2012

Carta para ele.

Nunca fiz isso assim, nunca escrevi para você diretamente. Me parecia difícil demais. Quer dizer, ainda me parece. Você sabe dos meus ceticismos e para te escrever eu precisava de acreditar realmente que você fosse capaz de ouvir. Você também sabe que quando foi embora me tirou um pouco este tal do não acreditar, porque foi a única forma que encontrei para viver; sobreviver eu diria.

Também acho que nunca quis pensar exatamente naquilo que teria te dito pela última vez se tivesse tido esta chance. Sufocante demais pensar nisso, porque esta chance não existiu. E nem vai. Mas sempre dá para tentar. Eu sou de me arriscar, você sabe. Preciso de sentir antes, viver antes, para saber.

Sabia que eu me lembro da última vez que a gente se falou? Você me ligou, na quarta-feira antes do carnaval. Falou para eu ligar para mamãe e pedir para ela comprar passagem para você viajar na quinta-feira. É, naquela quinta-feira. Uma viagem que você inventou de última hora. Eu estava no Gabinete trabalhando e tinha um tanto de gente perto, então fui meio seca – isso me chateou um segundo depois de eu ser. Te disse que nem adiantava pedir porque mamãe estaria trabalhando e não ia ter tempo. Passados dois minutos você ligou de novo e disse que ela tinha comprado. Ela sempre dá um jeito, a gente sabia que ela daria. Amoleci a voz, perguntei quem ia com você, que dia você voltava, umas duas ou três coisas que pareciam tão desimportantes naquela hora e agora eu faço um esforço enorme para lembrar. Para lembrar da sua voz, do seu tom de voz naquela conversa, naquela última vez que te ouvi. Me lembro que você riu mesmo de algo que eu falei, mas não consigo me lembrar de que. Eu tento muito lembrar e é ruim demais. Me lembro que você estava leve, homem, meu amigo. Me lembro de que foi a última vez que eu ouvi sua voz.

Sabia que tinha escrito uma carta para você, papai e mamãe no dia do acidente? Eu também ia viajar no dia seguinte e tive uma sensação estranha no peito. Mas estava feliz naquele dia, com um sentimento diferente, mas bom. Sinto uma puta culpa disso, poxa. Se ao menos eu tivesse ficado triste, tivesse tido a idéia de te ligar, sei lá, saber como você estava, ouvir sua voz. Mas eu não adivinhei. Eu ia te ver antes das nossas viagens. Você ia voltar naquela noite. Mas resolveu voltar mais cedo do trabalho. Eu fui direto para academia depois de sair do Fórum e ia te encontrar quando voltasse para casa. Na verdade você ia estar para chegar. Na verdade você está para chegar até hoje, mas eu achei que era de outro jeito.

Sabia que o Bruno me levou para casa? Foi até a academia e me perguntou se eu não queria uma carona. Eu estava rindo, distraída e leve. Ele teve que me chamar para ir embora por mais de três vezes antes de eu olhar nos olhos dele e perceber que tinha algo estranho. Eu disse que não podia ir porque papai ia me buscar. Ele disse que não ia. Aí achei que meu pai tinha infartado. Não sei por que, mas foi o que eu pensei na hora. Quando ele disse que não, foi um alívio, mas a expressão dele não melhorou. Ai eu soube. Soube que tinha algo errado. Perguntei se tinha algo com a mamãe e ele disse não outra vez. Perguntei se era você e ele disse que "-sim, um acidente". E a gente já estava no carro indo para casa quando eu perguntei se estava tudo bem e ele soltou um ruído que eu quis que fosse um sim. E eu perguntei se ele jurava que não tinha acontecido nada sério. E ele calou.

Sabia que me lembro também da última vez que nos vimos? Eu cheguei de uma festa já era de manhã e fui pegar biquini lá em casa para ir tomar sol na casa da Sasá. Eu entrei pela sala e você estava assentado no sofá, eu tropecei no fio do seu celular que estava carregando e cai no chão. Você riu, todo lindo e me chamou de marmota. Enquanto eu fazia minha malinha, você e papai foram ver uns vídeos no computador, me lembro de parar no meio do corredor e dar tchau para vocês. Meu pai falou um "até já" sem se virar. Você virou na minha direção, sorriu para mim, olhou nos meus olhos e se despediu. Pela última vez.

Sabia que sou uma grande amiga dos seus amigos agora? Trabalho com o Cabeça e ele toma conta de mim. Ele me trata exatamente como você me tratava sabia. Fala quando eu engordei e me segura a onda na Tpm. Sou baranga para o Nando e para o Serginho. Esquisita pro Romanelli. Luísa mesmo para o Marcelo, que agora tem uma esposa de nome igual. Lulu para o Bruno e o Felipe. Eles estão se casando, quase todos. E eu não sei por que, mas acho que se você estivesse aqui você não ia querer se casar ainda.

Sabia que quando você foi embora me prometi que nunca ia agir de um jeito que fosse te decepcionar? Só que às vezes eu faço tudo errado. Meto os pés pelas mãos. E não consigo cumprir as promessas que fiz para você e para mim. Às vezes machuco as pessoas. Às vezes deixo elas me decepcionarem. Você sabe. Nestas horas você faz uma falta danada.

Sabia que eu chorei quando perdi o aparelho celular que eu usava porque tinha seu contato nele e toda vez que eu mexia na agenda estava lá “Irmãozinho lindo” me fazendo sentir que em qualquer mínimo detalhe que fosse alguma coisa ainda era igual?

Sabia que tem fotos suas pela casa toda e que isso faz a gente sentir que você sempre faz parte de tudo? Naturalmente? E sabia que minha mãe escolheu umas fotos muito ridículas que eu tenho certeza que você ia tirar se pudesse? Em todas as nossas fotos eu era gordinha e isso me irrita um pouco. Mas não muito, porque eu olho só para você quando vejo as fotos. Sabia que eu emagreci? E fiquei magricela? E todo mundo pensou que eu tinha algum transtorno alimentar e agora eu ganhei uns quilinhos e não estou mais tão magrela.

Sabia que um dos melhores dias da minha vida foi uma madrugada nossa? Nossa ida para Happy news, ouvindo “Tô nem aí”, no carro cheiroso do Bruno. Você pagando minha conta e me protegendo dos mocinhos da boate e ficando com minha melhor amiga e nós voltando para casa de manhã e dormindo todo mundo espalhado pelos quartos.

Sabia que eu sinto falta de umas coisas que nem aconteceram?

Sabia  que queria saber se você lembra que ia morar comigo quando eu fosse juíza? Poxa, acho que eu nem vou ser isso mais, sabia? Estou feliz aqui advogando, talvez menos pela advocacia do que pelo resto. Você sabe o resto. Mas isso não quer dizer que a gente não ia poder morar juntos. Eu ia te dar um presente com meu primeiro salário, lembra? Sempre me pego pensando no que você ia querer. Nunca sei. Lembro que você me deu um presente com o seu primeiro salário, mas eu tento para burro lembrar o que foi e não lembro. E é ruim.

Sabia que eu tenho remorso de ter montado meu quarto no terceiro andar? Me lembro de que você pediu primeiro uns anos antes e acabou não acontecendo. Depois quando voltei com esta idéia papai e mamãe deixaram eu ir. Não gosto que ninguém mexa nas minhas coisas, mas você pode ser meu companheiro de quarto, se quiser.

Sabia que ninguém usa mais Orkut, mas não tive coragem de me desfazer do meu, porque quando a saudade está ruim demais eu vou lá ler aquilo que você deixou, que mais parece um pressentimento. E olhar suas fotos preferidas, porque você está lindo nelas e é claro, porque a gente sempre escolhe as fotos mais bonitas para redes de relacionamento.

Sabia que esta carta não era para ter sido assim? 
Mas sabe o que é? Escrever para você como seria se eu tivesse tido uma última chance ia me dar a sensação de ser a última de verdade, entende? Prefiro pensar que não, sentir que não. Prefiro assim, dizer umas coisas quaisquer e não dizer nada. Acreditar que você pode ouvir. Que não é a última chance, a última vez. Eu não quero uma última chance e se eu pudesse escolher nem ia querer. Eu queria uma primeira chance. De novo e só.

Sabia que você faz uma falta danada? Pois faz.
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