terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Para os que vão tarde.


Minhas últimas viagens antes de voltar ao Brasil me trouxeram, dentre tantos prazeres, o de conhecer pessoas incríveis. Estas pessoas não vão ser meus melhores amigos, nem futuros namorados, também não vão estar na minha vida para sempre, mas de algum modo vão fazer sempre parte dela de alguma maneira. E essas pessoas serão certamente lembradas em dias quaisquer em momentos significativos. 

Em umas das ilhas da Grécia para onde eu fui sozinha, no barquinho de doze pessoas que nos levava ao lugar mais lindo que eu já conheci na vida, tinha uma brasileirinha. Carol. Carol como a maioria das Carol´s que me cercam era doce. Tinha a fala mansa. Não alterava o tom da voz para falar. E me achou com o olhar, ao se aproximar dizendo: você é a outra brasileira do grupo? Sim, eu era. 

As pessoas que a gente conhece quando está sozinho, viajando por algum lugar que fique a mais que dois meios de transporte de casa, vêm com um selo. É o selo de zona segura. Eu e Carol não precisamos de intimidade ou confiança adquirida através de alguns anos de amizade para estar assentadas na beira daquela praia deserta falando sobre lugares quase inacessíveis das nossas alminhas, sobre um íntimo perigoso até para nós mesmas.

Carol era uma mulher linda. Com seus 38 anos, um sorriso lindo e um olhar cheio de histórias, ela teve que ir até o Japão para viver um amor brasileiro e foi por lá que ela viveu também a experiência que acabou de um jeito não tão raro assim. Eu tinha vivido algum coisa parecida umas semanas antes. E até aquele dia eu não tinha tocado neste assunto com quase ninguém e ela também não. E de repente ali, a gente acessou diante daquelas águas verdes transparentes lugares muito desconfortáveis de nossas histórias e vidas.

Em comum, ainda não cicatrizados, tínhamos vivido duas histórias com um final muito parecido. Aqueles casos em que a história se encerra ali em um diálogo onde um dos lados transborda sensações, impressões e emoções e outro oferece aqueles gritos ensurdecedores e não explicativos do silêncio. Hoje pela manhã me lembrei da Carol. Fiquei lembrando de quanto seus olhos me diziam enquanto ela me contava aquela história sem parar de sorrir. Mesmo sem vontade, talvez. 

Hoje quando olhei no espelho enxerguei o mesmo olhar e o mesmo sorriso. Aí lembrei da minha história. Das minhas. Da dela. Da de dezenas de amigas e amigos que tiveram que lidar com alguém que entendeu que de fato a melhor resposta a alguma pendência afetiva era simplesmente silenciar. Sumir. 

Sempre me perguntei porque é que as pessoas somem. Quer dizer? A gente sabe, no fundo a gente sabe. Todo mundo já saiu nas pontas dos pés, sem fazer barulho, como quem não quer ser visto. Como crianças quando fazem algo errado e saem devargarzinho para escapar ao xingo dos pais. Mas não estamos falando mais de crianças ou pelo menos não deveríamos estar. As pessoas somem porque é confortável, porque sumir é não ter que encarar o outro nos olhos. É não ter que dizer o desconfortável “não te quero mais”. Ou é não ter que dizer: “eu te amo, mas...” ou “não deu para aguentar seus ciúmes, suas inseguranças, suas manias”. Ou “estou voltando para o meu ex”. Ou “a distância está grande demais”. Ou “o tesão – ou o amor – acabou”. Sumir é não ter que discutir a relação. Sumir é não ter que assumir que você não sabe como dizer que está indo embora. Sumir é se poupar. 

Mas sumir é não poupar o outro. Sumir também é covarde. É egoísta. Sumir é dizer muito mais do que se pode imaginar. Sumir é se tirar a chance de dizer a si próprio diante do espelho que está indo e tem que assumir as responsabilidades pelo que perde ao ir. Sumir é visualizar e não responder. Sumir é democrático e serve para todo tipo de gente, mas só some quem não está bem na própria pele, quem está desconfortável consigo mesmo a ponto de não se atribuir a tarefa de dizer o que sente. E quem vai, pode não perceber, ou não saber, mas sumir é uma recusa para si mesmo, muito mais do que para o outro.

Mas para mim, com toda incômoda transparência de quem vive com as janelas escancaradas, isso não responde a pergunta. Porque que é, sen-or, que as pessoas somem? Há sempre duas pessoas em uma relação.  Não importa quão des-afinadas elas possam estar. Ninguém fica ali sozinho, ninguém faz nada sozinho. Ninguém entrou ali sozinho e ninguém deveria ter a ousadia de sair sozinho também. Diante de uma pergunta, as pessoas esperam uma resposta. Nem que seja um não, verbalizado, honesto e explicado, que acaba em certos casos por nunca vir. 

O que ainda resta, entretanto, como verdade, é que as pessoas só fazem com a gente o que nós permitimos. A gente deve a si mesmo não aceitar um amor, um relacionamento afetivo ou sexual com alguém que tenha menos para dar do que a gente merece. E todo mundo merece não incluir nos planos gente que some, que vira pó ou fumaça. 

A gente merece, sim, é esvaziar a lixeira, se considerar livrado, muito mais do que abandonado. A gente merece não despejar em que some expectativas ou afetos que, - se existiram de verdade um dia -, provavelmente passaram a existir somente nas nossas cabeças. A gente merece não inventar desculpas mirabolantes para quem não se deu o trabalho nem de inventar uma esfarrapada. A gente merece não inventar mentiras para uma única verdade simples, nua e crua: fica ali quem quer. 


A gente merece não se perguntar porque que é as pessoas somem. Mesmo sabendo que a resposta não é tão difícil assim de encontrar. Elas somem porque dá na telha delas. E tudo que quem fica acaba devendo é o provável já vai tarde.

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