terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Para beijar na chuva.


Pela ordem natural este post deveria ser aquele sobre minha viagem, sobre minha partida, sobre minha chegada.  Mas não tenho sido muito adepta da ordem natural ou estaria em uma outra vida, sonhando com um bando de coisas que eu nem acredito que existem.


Por isso o fim de ano chegou primeiro e com ele meu post da virada, que tem se tornado uma tradição para mim. Algo como o Especial de Natal do Roberto Carlos ou o Show da Virada do Faustão. Post de final de ano, então, tem todo fim de ano. A única condição aqui é que as sensações sejam novas e desde já fica meu pedido para que o universo renove meus desejos e que eles sejam mesmo diferentes a cada ano, e sejam alimentados por expectativas diferentes, sensações diferentes e sonhos diferentes.

E que haja, por isso, inspiração para que eu escreva a cada virada de ano e muitas vezes entre uma virada e outra, porque se isso não significa muito para as pessoas, para mim, significa sempre que eu estou viva. E só por este motivo escrevo: para me sentir viva ou por me sentir viva.

Tenho reparado os desejos de final de ano um pouco repetitivos e às vezes, por tantas vezes, que não correspondem àquilo que de fato eu desejo para mim. Eu desejo paz, mas por tantas vezes o que eu quero mesmo é seu oposto, que me aproxime mais de uma inquietação bem viva. Eu desejo muitos amigos, mas por tantas vezes só preciso de um deles, que me faça sentir que eu não preciso de nada além de ser o que eu realmente sou. Eu desejo um bom amor, mas às vezes só preciso mesmo de manter em erupção o amor que sinto por mim mesma. Eu desejo dinheiro, mas tantas vezes é não precisar dele que me faz entender o que de fato importa. Eu desejo tantas coisas, mas às vezes só desejo não precisar de nada disso.

 Então, por isso, meu desejo mais do que nunca é que seja possível a mim, - e a cada uma das pessoas da minha vida -, conseguir entender o que de fato eu desejo, o que motiva minhas vontades, o que impulsa minha vida para frente. É isso que faz diferença na vida, a razão pela qual me levanto da cama todos os dias com esta sensação querendo explodir do meu peito.

Então, vou fazer diferente. Hoje se eu pudesse desejar algo concreto para o ano que chega, seria, então, uma sensação. Das simples e incríveis. A sensação do beijo na chuva.

Beijos na chuva fazem o mundo girar em uma velocidade diferente.
Beijos na chuva mudam a frequência sonora do mundo e é como se toda a música que existe estivesse por ali naquela hora.
Beijos na chuva fazem o universo girar em torno do beijo e não o contrário.
Beijos na chuva anunciam um encontro de almas.
Beijos na chuva são uma não-despedida.
Beijos na chuva fazem duas pessoas se esquentar apenas no calor que sai uma da outra.
Beijos na chuva são um anúncio do que está por vir.
Beijos na chuva só saem de donos de bocas dispostos a se aventurar em outra vida.
Beijos na chuva têm cheiro de baunilha e liberdade.
Beijos na chuva tem textura de pés descalços.

Eu desejo, então, que o ano que vem traga muitos beijos na chuva. E se 2014 os trouxer, desejo que 2015 não os leve. E se 2014 os trouxer, dê as mãos com doçura e caminhe lado a lado com quem te deu tudo aquilo que hoje eu de coração te desejo. Dedos cruzados: para beijar na chuva.




segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Fantasia na vida real.




Eu nunca escrevi sobre a Força do Bem até aqui, apesar de já ter tido inúmeras experiências que teriam valido postagens. Mas sempre pensei que cada um tem algo de si para dar e recebe de volta com base no que oferece. Evitei escrever para não correr o risco de alterar a percepção das pessoas com relação ao tipo de experiência que se pode viver ali, pois é bonito que seja um rol de possibilidades infinitas e lindas, vividas ao modo de cada um.

Ainda me lembro da minha primeira visita e já se vão alguns anos. Me lembro de chegar meio perdida, com uma certa timidez, -sim, eu juro  que em algumas situações sou tímida -, olhar aquele tanto de fantasias espalhadas e não fazer idéia do que exatamente eu estava indo fazer ali. Naquele dia fui uma fada, meio princesa, meio bailarina.

Da segunda visita em diante virei então, e definitivamente, a abelhinha. Era um tempo em que havia muito poucas fantasias fixas e eu poderia ter escolhido uma fantasia de menininha, porque afinal de contas toda mulher quer ser princesa. Mas tenho a sensação de que foi a fantasia que me escolheu e não o contrário. Hoje entendo que ser a abelhinha me concedeu a chance de ser mais boba, de ser meio destrambelhada, de ser doce, mas moleca e alcançar também os meninos que se não vêem tanta graça em princesas, acham a tal abelha bem acessível.

O sorriso tímido virou um montinho de gargalhadas leves e fáceis. O coque apertado virou um penteado solto, - o medo dos piolhos deu lugar a necessidade de sentir aquelas mãozinhas alisando meus cabelos. O toque sutil virou um balde de abraços infinitos. A falta de jeito virou uma atitude segura. Eu me transformei de verdade naquela abelhinha. A Força do Bem se transformou em uma parte do meu mundo, uma parte linda do meu mundo inventado.

A fantasia nos concede um espaço para nos doar em forma apenas do que é bonito na vida. Ficam os defeitos, os arranhões, as cicatrizes e ali sim, eu entrego uma Luísa que existe, mas que mora apenas nos melhores lugares de mim mesma. Ali eu me sinto inteiramente amor. E é um jeito bom de se sentir, não importa a situação.

Tão incrível quanto pareça, por algumas vezes fui questionada sobre expor este trabalho, o que me causa uma desesperança no ser humano que eu me recuso a abraçar. Estamos ai, diariamente, bombardeados com tantas vidas expostas no raio x das redes sociais e recebemos a todo tempo centenas de exemplos, de maus exemplos, de quem expõe preconceito, da era do Lulu, de quem pratica a não gentileza, a falta de educação, a violência.Eu, realmente, me sinto no direito de não ter que justificar o fato de me sentir dando um exemplo bom, algo feito pelo único caminho que eu aprendi em casa, o amor.

Não me sinto melhor que ninguém porque escolhi fazer isso na minha vida, mas me torno uma pessoa melhor a cada minuto em que toco de alguma forma na realidade destas crianças. Sou e somos todos ali humanos, imperfeitos, cheios de defeitos e impurezas, que vamos continuar tendo dentro ou fora do grupo. O que eu sei é que eu não aceito o mundo como ele é e estou brilhando um pontinho de luz para alterar aquilo que não tem um gosto bom. É um jeito de fazer minha parte. É uma forma de fazer diferença. É pelo outro, pelo próximo, por quem precisa, mas quem precisa disso em primeiro lugar sou eu mesma.

Estas últimas visitas são as últimas que vou fazer antes de viajar. E como é difícil deixar isso para trás. É difícil me despedir, saber que não vou ver mais estes olhinhos de inocência por um bom tempo. Saber que muitos deles serão perdidos de vista no percurso. É quase impossível evitar o pensamento de que a vida não vai ser fácil para maioria deles. Não tem o jeito mais fácil de me despedir, não tem como dar o sopro de esperança que queria que tocasse o rostinho de cada um destes pequenos que do pouco que tem na vida, o que menos tem é esperança.

Na última visita dois voluntários passaram o dia pintando o rostinho dos pequenos. E de repente, quando olhei para o lado lá estavam, Ísis e mais quatro pequenas com os rostinhos pintados de abelhinha. Me valeu uma vida, é só o que preciso para sobreviver. Tanta doçura, tanto carinho de quem só quer ser notado e receber algo que é de graça. Ali meu coração se transformou em um vulcãozinho em erupção de amor por saber que elas abriram mão de serem princesas para serem abelhinhas porque certamente nós estávamos falando a mesma língua. E nada é mais incrível na vida do que esta sensação, de falar a língua de alguém e se comunicar pelo sentimento de verdade.

Foram tardes incríveis e momentos inesquecíveis onde pequenas reações tiveram o tamanho do universo. Não poderia deixar de dizer que estar em contato com quem se dispõe a fazer isso acontecer também é parte essencial do processo de fazer o bem. Muitos super heróis, princesas, bichinhos que carregam almas leves por trás da pintura, sempre prontos para dar seu melhor. Uma turma muito especial que me ensinou muita coisa. Uma troca intensa de energia boa que eu quero levar para minha nova vida.

É hora da abelhinha voar para outros lugares. E eu vou sentir uma saudade danada deste pedacinho especial do mundo inventado em que eu vivo e que a Força do Bem me permitiu explorar fazendo fantasia com a vida real.

"Amar os outros é a única salvação individual que conheço: ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca."

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Encontros.



O que eu procuro tanto? Em que busca incessante mergulho todos os dias a fim de realizar este encontro? É possível chegar no lugar certo, quando não se sabe para onde está indo? Isto significa que nunca vou encontrar o que procuro ou que qualquer lugar vai servir?
O que eu sei é que preciso primeiro me sentir viva. Quando algum sinal de amor me causa alguma sensação que percorre todas as terminações nervosas do meu corpo, me faz sentir o coração bater quando descanso minha mão sobre meu peito, me faz sentir arrepiar aqueles pelinhos invisíveis, - pronto, estou viva -, está aí meu ponto de partida.

Depois eu penso. Tenho que sentir primeiro. E se eu sinto, eu vou. Aí eu vou mesmo. Às vezes em alta velocidade, às vezes caminhando tão devagar que dá para duvidar se vou chegar. Mas se estou dentro, estou, porque aí dá para fazer. Certo? Mais ou menos.


É aqui meu desacerto. Se não depende só de mim e do destino vão haver outras barreiras. Meu querer, minha mola propulsora, o que me motiva... meu, meu, meu, percebe?  É tudo meu e só meu. E o que é do outro eu não toco, eu não altero, eu não escrevo. Minha biografia só inclui meus passos, meu ponto de vista, minhas vontades. No outro mora o que eu não sei, o que eu não posso pegar, o que eu só imagino.

Por isso nunca tive tanto apreço por mim, por fazer aquilo que dependa só de mim. A viagem, o percurso, o caminho, o objetivo. A ida. A fuga. O caminho contrário. Os planos que parecem grandes demais e por isso não tive coragem de dividir com ninguém ainda. Mas tudo vai vir à tona, tudo vira verdade, porque depende só de mim.
Os encontros. O que faz sentido na vida senão os encontros? Mas só nos encontros interiores a liberdade é integral. E minha liberdade reside exatamente ai. Só aí. Só aonde me sinto sob controle consigo me sentir livre, só consigo me sentir livre onde o incerto é obra apenas do destino e da atuação orquestrada que ele faz com nossos caminhos.

E outro alguém terá condições de me conceder esta tal liberdade? De me levar a um lugar seguro, onde o tempo, a sintonia, a cadência conduzam duas almas a um único encontro?
Meu tempo é meu, não é seu, não é de ninguém mais. E ele não espera. Minha espera é apressada. Meu encontro tem que ser agora, porque amanhã é o hoje de ontem e voltamos sempre para uma vida que  só acontece no agora. É por isso que minha solidão parece nata e parece um bom lugar para morar.

Confortável, seguro? Reação, sintoma? Equipamento de proteção? Talvez. Mas não há lugar melhor que este. Fica tudo organizado por aqui. E quando está bagunçado sobra mesmo é para eu arrumar. É partindo daqui que mesmo sem saber para onde ir, chego sempre em bons lugares. E encontro minha paz. E é preciso paz para poder sorrir. E me encontro, então.


Muita gente aí fora me acha estranha, diferente. Estranha não sei se é a melhor palavra. Diferente, talvez.  Talvez sim, eu esteja no tempo errado, fazendo o caminho inverso. E depende sempre da ótica de quem olha, mas talvez, sim, eu ache que está tudo fora de lugar.

Fato: ou estou eu fora, ou o resto está.
E meus sonhos, minhas hipóteses, minhas utopias, meus ideais de completude talvez pareçam exatamente incompletos para alguns. Para mim é oposto. Preenche, direciona, ocupa. Ocupa meus melhores vazios. Não é só liberdade, é independência, é algo mais próximo daquilo que a Martha disse, sobre estar onde quero, porque quero, com quem eu quero. E isso só pode ser feito integralmente quando não depende do outro.
Eu pareço não ser tão clara, às vezes. Tenho isso de sugerir que o melhor não está escrito. Às vezes não está mesmo. Às vezes está nas entrelinhas. Às vezes está mais claro que o sol que cobriu meus papéis, livros e processos, quando entrou na minha janela , - desta vez sem metáforas -, neste feriado me dizendo mil coisas. 

Complicando. Descomplicando. Explicando. Não sou um segredo, sou uma confissão. Não sou um segredo, sou um mistério. Não sou um segredo, sou aquela senha que já vem de fábrica com o cadeado vagabundo. Não sou um segredo, sou uma resposta.


Só quando eu aceito, eu me encontro. Só quando me encontro, o que está a flor da pele transborda. Só quando eu transbordo, fica para trás. Só neste momento dá para não aceitar menos do que eu mereço, nem me contentar com pouco. 


Só neste exato momento a vida acontece do meu jeito. E quando eu não preciso mais de ninguém os verdadeiros encontros e desencontros acontecem. Então, eu encontro meu lugar, meu lar. Então, alguém bate na porta e às vezes, por tantas vezes, é tarde demais para eu atender. Porque depois de certa hora, janelas e portas são trancadas com chave. Quem está dentro não sai. E quem está fora a este tempo não entra mais.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Minha abridora de janelas.


Passei alguns anos da minha vida dizendo que eu sou o tipo de pessoa que precisaria de fazer terapia, mas resistindo de certa maneira a ela. Ficava a pensar que alguém que mal conhece este furação de emoções que eu sou não teria condições de indicar caminhos, apontar soluções para algo tão complexo e importante quanto a minha própria existência.

De outro lado, sempre imaginei que a parte boa daquilo ali fosse me autoconhecer, promover encontros comigo mesma, significar sensações que a vida deixa em nós pela estrada afora. E poucas coisas no mundo têm mais a ver comigo do que isso, do que a necessidade de mergulhar em mim mesma, de realizar os melhores encontros na minha exclusiva companhia, de trabalhar as milhares de emoções que compõem cada centímetro branquelinho que me cobre.

Me dou com a novidade, fico bem em tocar o novo, me orgulho de mim mesma quando quebro alguma idéia pré-concebida. E já se vão alguns meses que deixei de resistir e entendi que devia a mim mesma uma nova experiência, principalmente interior. Me lembro como se fosse ontem da minha primeira consulta, das almofadinhas coloridas de um consultório que parece tudo, menos médico.

Na minha frente a voz e o olhar doce daquela moça até então estranha, com quem eu nem imaginei que eu fosse criar laços tão puros e afetuosos. Com quem eu imaginei menos ainda que fosse ter condições de expor tantas fraquezas, de escancarar tantos defeitos, de tocar tantas situações que a memória esconde até de mim mesma para não ter que passar por lá.

Minha querida I. abre todas as minhas janelas. Semana sim, semana não lá estou eu assentada com os pézinhos cansados para cima e passo ali com minha abridora de janelas alguns minutos do dia, onde ela, mas principalmente eu mesma tenho acesso irrestrito a lugares perigosos, a sensações, imagens e significados que me põe em alto risco.

Minha doce abridora de janelas não fica satisfeita em abrir apenas janelas. Ela abre as portas dos quartos, da despensa, ela abre os closets, os armários. Ela abre a geladeira e o banheiro. Ela abre as torneiras e os ralos. E eu que me vire, porque ali sou obrigada a me deparar com detalhes doloridos e às vezes já esquecidos que compõe a minha história e minha vida.

Quem nunca fez terapia deve estar pensando: “Cruzes, não vou querer fazer esta terapia das trevas não”. Calma, é faxina. A poeira que ficou debaixo do tapete, aquele tanto de porcaria que existe no ralo, tudo de indigesto que pairava por ali há dias, às vezes há meses e muitas vezes há anos... É hora de organizar, de limpar. As cartas vão para mesa, eu para frente do espelho.

E não, não vou dizer que viver e re-viver alguns momentos de nossas vidas seja exatamente confortável. Também não vou dizer que a gente não queira simplesmente deixar algumas coisas esquecidas em algum canto escuro. Não, enxergar de frente o que há de impuro, imperfeito e fora de lugar em mim não é a melhor experiência do mundo, dar de cara com nossos maiores inimigos internos dá um medo danado. Mas lá não existe opção. É necessário passar por estes lugares, única forma de significar cada uma das experiências boas ou ruins que a vida me deu, para fazer e refazer as velhas ou novas escolhas.

Ali, naquela sala pequena, a sensação é de que cabe o mundo. Eu, normalmente na minha vida não choro. “”, choro vendo campanhas publicitárias. Choro quando pergunto sobre a história da vida daquelas criancinhas que vendem chicletes no Tizé. Choro vendo filme sobre amores eternos. Choro quando vejo vídeos de cãeszinhos e bebês no youtube. Choro de alegria também. Mas dificilmente choro pelas minhas fraquezas, pelas minhas lutas e crises. E detesto chorar em público. Detesto que saibam ou vejam que eu chorei, que algo me tira o otimismo quase inocente que eu tenho em torno de viver. Detesto ser a menina das lágrimas ao invés da menina dos sorrisos.

 I. tenta desmitificar um pouco isso, tenta me fazer entender que eu vivo recheada de emoções e minhas lágrimas ali são só o transbordar. Esta compreensão é minha mesmo, mas acho que é o que ela quer que eu sinta. A permissividade integral que tenho ali para chorar. Sempre vou para lá pensando quanto tenho que agradecer, como minha vida é boa e satisfatoriamente incompleta, como me acho bem tocando minha intensidade e como preciso de entender todos os dias o sentido desta coisa toda. E penso que não há janela (ou porta, closet, ralo) que ela abra que vá me fazer chorar. Sempre faz. Sempre choro. Nunca é tristeza. Sempre é bonito. Sempre é esvaziando. Sempre é entendendo, compreendendo.

Bom. Eu achava que abrir janelas só tinha a função de deixar o sol entrar. Minha I. me faz lembrar que há sempre muita coisa para sair antes de outras novas entrarem. Que assim seja, então.

Hoje é aniversário daquela que começou sendo lanterninha, deixou passar luz da frestinha da janela e cada dia mais deixa espaço para entrar toda luz do universo para que a minha vida tenha a clareza que eu definitivamente preciso para viver com o mínimo de tropeços possível. Parabéns para minha doce e querida abridora de janelas, que eu espero que faça sessões por skype para que as janelas do apartamento da minha nova cidade estejam abertas mesmo no inverno que já vem chegando por lá.

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

O amor em câmera lenta.





E já não faltam mais de dois meses para minha partida. Me lembro como se fosse ontem quando veio a escolha, em uma manhã de domingo, quando pareceu que aquela resposta que a gente pede da vida simplesmente caiu na minha frente. Me lembro de ter tido uma conversa com meu pai no dia anterior e definitivamente aquele plano parecia estar sendo descartado. Não sei o que houve no universo durante aquela madrugada, mas me lembro de acordar naquela manhã com uma certeza: a de que eu iria e a partir daquele momento não importaria mais o que se alterasse no curso da história; eu iria. E vou.

Voltando dois meses antes daquela manhã, - e agora há exato um ano -, também me lembro de estar em um restaurante, na beira da praia, na cidade dos 40 graus, em um fim de tarde daquele outubro chuvoso, cheio de energias diferentes e dizer para quem estava ali para ouvir que eu iria fazer isso. Que aquela capital das luzes ainda seria meu lar e ficaria com um pedaço meu. Me lembro de ter dito isso com uma certeza que eu nem sabia porque eu tinha. Mas tinha.

Agora as malas começaram a ser feitas. Agora faltam dois meses. E só eu sei como parece pouco. Para viver as pessoas da minha vida é pouco, para organizar toda documentação é pouco, para viver uma grande paixão, para me despedir de todos aqueles que merecem meu amor. Pouco, muito menos do que eu precisaria. De outro lado, dois meses são sessenta dias e se em cada um deles eu tenho uma chance de alterar o curso de tantas coisas, também pode ser o bastante ter sessenta chances de ser feliz.

Já há alguns dias que eu ando percebendo que o amor que mora em mim começou a passar em câmera lenta.

Em um fim de semana estava comemorando os 77 anos da minha avózinha branca. Deitadinha no sofá onde passo a maior parte dos almoços na casa dela, com minha pequenininha, - ela já completou 14 anos -, deitada no meu colo e meus pés sobre meu pequenininho, - este já chegou aos 18. Ao meu redor minhas tias, o resto das primas, minha afilhada. Aquilo tudo que acontece sempre igual em almoços de família. Nesta hora o amor ficou em câmera lenta.

Na outra noite estava saindo do banho, enroladinha na toalha, coisa que se faz todo dia, passei pela sala a caminho do meu quarto, olhei pros meus pais no sofá. Ele, como usualmente, com o Ipad. Ela com o olhar perdido de quem nunca presta muita atenção no que está passando ou dando gargalhadas como quem entende pela primeira vez a graça dos episódios repetidos das séries que todo mundo já cansou de assistir. Nesta hora o amor ficou em câmera lenta.

Em um outro sábado à noite estava assentadinha na mesa da casa de uma das melhores amigas. O menu é sempre igual; vinho e comidinhas. A companhia é sempre igual; ela e eu, vez ou outra com uns ou outros agregados. O roteiro é sempre o mesmo; duas vidas de uma dupla escolhida pelo destino, que a despeito de tão diferentes caminharam juntas desde os já distantes seis aninhos de pouquíssima idade e muita ingenuidade. Nesta hora o amor ficou em câmera lenta.

Na cidade da garoa (ou do trânsito), depois de jantar fora, no fim de semana em que se foi o pai daquele já famoso mocinho cheiroso do cabelo escorrido na cara e olhar doce que me agüenta pela vida afora, quando eu coloquei meu pijaminha, me deitei para dormir, me jurei que mesmo exausta não ia dormir antes dele. Fiquei falando, falando, até ele me deixar falando sozinha, quando a paz tomou conta do meu coração e eu ri em silêncio. Nesta hora o amor ficou em câmera lenta.

Em uma tarde de trabalho, vi de longe o irmão que assumiu sete funções na minha vida atravessar a rua para um lado, enquanto eu atravessava para o outro. E ele arrumou o terno de um jeito que ele faz sempre. E ele procurou um lugar para tomar um suco e talvez tenha procurado companhia e uma resposta. Nesta hora o amor ficou em câmera lenta.

No outro início de noite, paradinha em pé assistindo as luzes vermelhas dos carros, vi se aproximar o carro preto de três portas, peguei a carona que sempre me leva a muitos caminhos, sempre com um presente me esperando no banco do passageiro, que acho até que já tem o meu formato. Chorei contando uma história triste, gargalhei contando meu desajeito para viver. Vi aqueles olhinhos apertados se doendo quando eu chorei e indo ao paraíso quando eu gargalhei. Nesta hora o amor ficou em câmera lenta.

Em uma manhã de domingo, o céu estava azul e o sol forte, meus pés descalços e os dois anjinhos em forma de criança estavam na área externa da minha casa brincando com bolhas de sabão e fazendo chuva de mangueira, um só de cuequinha, a outra só de calcinha. E aquelas gargalhadas leves e doces têm o ritmo da melhor música do mundo. Nesta hora o amor ficou em câmera lenta.

O amor em câmera lenta. Como se fosse para o coração gravar, como se fosse para não esquecer tão rápido. Como para ser a imagem do que eu quero ter para sempre ou o amor que eu quero sempre sentir na hora que eu quiser. Como para passar devagarzinho o momento em que o amor acontece. Como para gravar na memória para poder voltar a fita e ver mais uma vez quando estiver vazio. Como para viver em trinta segundos sensações de passado, presente e futuro só para sentir minha sensação preferida de que a vida e o amor estão acontecendo.  

Quase dá para pegar, quase dá para dar pause, depois repeat. Daqui a dois exatos meses aperto o play. Desta vez, não mais para rever o filme, mas para fazer um novo. Para deixar a história acontecer sem saber o final. E que venha no antes, no durante e no depois, muito amor em câmera lenta para não passar rápido o que é bom mesmo de permanecer.

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Enquanto eu quiser.



Alguns meses depois e aqui estou: voltei.

Madrugada de segunda-feira, uma semana por começar, após um fim de semana equilibrado e leve. Desliguei o telefone (e sabemos que ligações de madrugada são as melhores, sem máscaras, filtros e escudo), fechei os olhos e eles se abriram de novo. O sono sumiu.

Minha terapeuta (sim, eu me rendi à terapia, mas isso é assunto para outro post)... Como eu ia dizendo, minha terapeuta disse que insônias são um sinal do corpo dizendo que dormir não é a prioridade quando há coisas mais importantes para se resolver. Corpo em risco não dorme. Corpo, cabeça ou coração feridos não querem dormir. Corpo se fere quando a saúde e alimentação não vão bem; cabeça se fere quando estamos em turbulência ou mudança; coração se fere... bom, coração não se fere, mas às vezes é ferido de contra-paixão, de não-amizade, de des-amor, no sentido mais amplo que se possa dar a paixão, amizade e amor.

Na verdade o momento exato em que acendi as luzes e vim para o caderno foi outro. Depois de perder o sono, assentei no chão do quarto, ao lado do interruptor onde meu telefone recarregava a bateria. Fiquei ali uns minutos acessando uma ou outra rede social e gastando as últimas vidas do joguinho dos doces, até que me peguei no melhor escuro do mundo, com a cabeça apoiada sobre meus joelhos, sentindo o cheirinho de baunilha do meu creme, de olhos fechados, ouvindo a musiquinha do domingo When I was your Man na voz doce do Bruno Mars.

Ali eu entendi que eu queria voltar a escrever. Ali eu entendi que voltei a precisar mais das palavras do que elas precisam às vezes do tempo que concedo a elas. Enquanto eu estive ausente muitas pessoas me perguntaram se eu não estava sentindo falta de escrever. Na verdade eu nunca paro de escrever, paro em alguns momentos de publicar.

Publicar é sempre, ao menos em tese, me mostrar demais. É deixar a janela aberta. Realidade ou ficção o que eu publico são verdades minhas. E com verdade não se brinca. Há muito envolvido por trás de cada palavra. Cada coisa dita guarda por trás de si um milhão de outras não ditas. E quem tem olhos para ver, enxerga bem aí.

Eu sou da janela aberta, do sol batendo forte no meu mundo, de vento batendo no rosto, das gotinhas de água que ficam na garrafa de vinho rosê refletindo brilhantes quando a luz do dia bate sobre elas. Mas me dê as sombras da luz das velas, pernas frias de fora sob um bom cobertor, o silêncio do vinho tinto e meu computador e este também é meu lugar.

Meus melhores companheiros na vida são as palavras e o silêncio. Mas eles, como sol e lua, não se encontram nunca. Um só vive na morte do outro. E só dentro de mim eles podem existir ao mesmo tempo, quando eu sou melhor, quando me calo mesmo tendo muito a dizer.

Sempre fui de verbos, de explicar, de entender e perguntar. Mas também sou de calar o mais importante, de não dizer aquilo que aprendi que não se deve explicar, porque o destinatário não vai mesmo entender. A verdade é que aqui não fico submetida a nada. Posso não ser coisa alguma, posso ser qualquer coisa, mas posso ser, principalmente, o que eu quiser ou bem entender.

De volta; enquanto eu quiser.
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