terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Por muitas estrelas no teto.





Ei, Caqui! 


Sabe que por mais de uma vez eu ouvi as pessoas dizerem com um certo tom de ironia a respeito da minha maneira de olhar o mundo? Algo do tipo “lá vai a Luísa e o mundinho dela”.


O que estas pessoas não souberam é que de fato eu tenho um mundo inventado e que se para elas pareceu alguma coisa irreal é porque deve mesmo ser. O que elas não souberam é que eu sinto maior orgulho de mim porque criar um mundo para gente mesmo exige muita coragem e dá maior trabalho. O que elas não souberam é que eu inventei este mundo para me proteger, mas aqui eu acabo por ser imune a muito mais coisas do que poderia imaginar. O que elas não souberam é que o fato delas não entenderem um mundo inteiro só me faz ter mais vontade de viver de um jeito diferente da maioria das pessoas que eu conheço. O que elas não souberam é que insistir naquilo em que eu acredito e colocar minha felicidade só na minha própria conta é uma experiência sem preço. 

Mas o mais importante que elas não sabem e talvez nunca virão a saber, é que eu não acordei um dia e resolvi ser do jeito que eu sou. Eu me transformei nisso. E o que muda a gente não é o que a gente tem que passar. O que nos muda efetivamente é a maneira como enfrentamos cada experiência que compõe nossa história.

Quantas Luísas no mundo já perderam seus Lucas’s e provavelmente não se modificaram por isso? E continuaram iguais, exceto pelo fato de serem Luísas sem Lucas’s? Não foi assim para mim. Você sabe que a parte mais intensa de perder você é que você nunca deixou de ser meu? Restou muito pouca coisa na vida que você não tocou, restou muito pouco em mim que não tem o seu toque ou o seu retoque. Eu te perdi e te ganhei muitas vezes na vida para achar que sua invisibilidade tenha sido em vão.

É bem verdade que todo meu ceticismo dificultou muitas coisas. Eu não inventei uma religião ou um Deus para me confortar. Eu segui vivendo das minhas sensações e intuições. Eu, essa Luísa sem Lucas, modificada. Você é um pouco responsável pelo meu comportamento contraditório, por opostos que me habitam de maneira tão evidente a depender de onde se olha. Por ser tão poesia, quanto realidade; por ser tanto sorriso fácil, quanto lágrima escondida; por ser tão doce quanto áspera; tão complexa quanto simples; tão disponível quanto inacessível; por ser tão apaixonada quanto descrente do amor; por ter sonhos mirabolantes e querer tão pouco no final.

Os “sonhos” e o “final” na mesma frase podem ser a resposta para tantas perguntas que me fizeram escolher este jeito de viver. No fim das contas, é ter entendido que o final é agora, daqui a pouco ou há um segundo, que me deixa escolher com tanta verdade o quanto eu transformo meus sonhos em qualquer coisa no presente. É que eu acho que viver só tem graça assim, e morrer também.

É bem verdade que foi em uma dessas fugas suas aí, que eu subtrai de quem quer que fosse o direito de dizer que não é bem assim, que não dá para eu fazer, que não existe o homem que eu quero, o amor que eu quero, a educação que eu quero pros meus filhos, os seres humanos com quem eu quero conviver. Sua morte me disse isso: que não vai ter ninguém no mundo que vai merecer minha descrença em tudo que eu acredito;  que a amargura, a incapacidade de sonhar, o contentamento com o pouco é um problema grave do outro, que pouco querendo, provavelmente, menos ainda terá. Eu aprendi que eu não tenho nada a fazer por estas pessoas que permitem que alguém escolha por elas onde é que elas devam colocar sua felicidade.

E aí eu acho que chego onde eu queria. Um dos textos mais acessados no blog por todos estes anos foi "Estrela no teto". Eu não acho que nada que eu escreva aqui queira enfim dizer muita coisa para ninguém, mas quer saber, eu também me nego a acreditar que de fato não tenha alguma coisa de muito real nas coisas que eu enxergo com olhos tão detalhistas. Talvez para muita gente, a tal estrelinha no teto tenha sido só uma falha do pintor que ficou com preguiça de arrancar aquele adesivo velho. Para mim não é só isso.

Quando eu decidi ir para fora do país eu fugi de muita coisa, de muita gente, até de mim mesma, talvez. E perdi muita coisa com isso. Eu perdi os últimos momentos do Thorzinho, eu perdi fins de noite ao lado dos meus pais, eu perdi um grande amor com olhos de couve, eu perdi até um tanto de coisas que eu nunca vou saber. E eu poderia ter perdido você também. Mas quer saber? Obrigada, por não ter me deixado.

Sabe, quando eu cheguei lá, com aquele infinito inteiro embaixo dos meus pés, eu dormi uns dois dias sem parar. Entrei no quarto no primeiro dia e fiquei ali durante os dois ou três próximos. Quando eu finalmente acordei, era noite de 29 ou 30 de dezembro de 2013, eu tomei um banho e decidi que era para valer, que tinha acontecido. Aí eu entrei no quarto para pensar, deitei na minha cama, apaguei as luzes, fechei os olhos por um segundo e os abri na sequencia. No teto do meu quarto eu vi uma constelação.

Não, não é poesia, metáfora ou nenhuma outra figura de linguagem. Eu vi umas dezeninhas de estrelas no teto. Aqueles mesmos adesivinhos brilhantes que um dia devem ter feito a alegria de alguma criança inocente por aí estavam ali iluminando meu quarto, em cima da minha cabeça. Elas não ficam acessas por muito tempo. Mas me lembro de fechar os olhos, pensar se eu estava sonhando, ainda meio tonta com o fuso horário e quando eu abri elas ainda estavam todas lá.

E para quem quer que fosse, poderiam ser só uns adesivos velhos, mas para mim elas eram um prenúncio, um anúncio, uma intuição, uma premonição, de que tudo que eu perdia estando ali seria devidamente compensado com tudo aquilo que eu tinha a ganhar, nem que fossem apenas, mas nem por isso menos importantes, aquelas infinitas possibilidades. Aquelas possibilidades ilustradas ali em forma de adesivos de estrelas no teto, que se não diriam nada para mais ninguém, para mim disseram tudo que eu poderia querer saber.

Tem um tempo que eu aprendi a falar diretamente com você sem me achar louca por isso. E hoje, neste dia 23 de fevereiro eu venho de novo falar com você, para você, para te agradecer por todas as vezes que você partiu depois da primeira vez e não tenha nenhuma dúvida de que foram muitas, mas principalmente por sempre ter voltado. Obrigada por renovar minha esperança, por não deixar meus medos me travarem, por não deixar eu desistir de acreditar na parte boa das pessoas e da vida, por não deixar a maldade do outro tirar o que eu tenho de melhor, por não deixar a minha maldade me impedir de tentar ser melhor, por me autorizar os clichês e não me deixar viver em nenhuma zona de des-conforto.

Você também me mudou de um jeito ruim talvez. Hoje em dia minha guarda é alta, e é difícil para mim baixa-la, me desarmar. Eu resisto a precisar das pessoas, eu evito algum tipo de afeto, eu distorço meus afetos, eu engulo o choro e falo, falo, falo, e ainda assim às vezes deixo passar o que de fato eu teria que dizer para não me sentir vulnerável. Eu deixo o outro solto, longe, inseguro. Eu deixo de dizer: ‘volta’, ‘eu ainda amo você’, ‘eu não quero te perder’. Isso é meio culpa sua, meio minha, meio do resto da vida inteira que me fez assim.

De toda forma, é tudo por você. É por você, que todos os dias da minha vida, eu vivo. Todos os dias eu sinto sua falta aqui mesmo no presente, aqui assentado ali na escadinha da sala, no sofá ao lado, no andar de baixo. Por você todos os dias eu vou pagar o preço das minhas escolhas e vou tentar ser alguém que eu realmente gostaria de conhecer. Por você eu vou sempre fechar os olhos e ver um céu estrelado, mesmo que esteja nublado, mesmo que seja coisa da minha cabeça, mesmo que ninguém mais possa ver. E vou tentar viver em um mundo que eu sonhei, nem que para isso eu tenha que viver para sempre em um mundo inventado.


Obrigada por todas as estrelas que você colocou no meu teto.

Para os que vão tarde.


Minhas últimas viagens antes de voltar ao Brasil me trouxeram, dentre tantos prazeres, o de conhecer pessoas incríveis. Estas pessoas não vão ser meus melhores amigos, nem futuros namorados, também não vão estar na minha vida para sempre, mas de algum modo vão fazer sempre parte dela de alguma maneira. E essas pessoas serão certamente lembradas em dias quaisquer em momentos significativos. 

Em umas das ilhas da Grécia para onde eu fui sozinha, no barquinho de doze pessoas que nos levava ao lugar mais lindo que eu já conheci na vida, tinha uma brasileirinha. Carol. Carol como a maioria das Carol´s que me cercam era doce. Tinha a fala mansa. Não alterava o tom da voz para falar. E me achou com o olhar, ao se aproximar dizendo: você é a outra brasileira do grupo? Sim, eu era. 

As pessoas que a gente conhece quando está sozinho, viajando por algum lugar que fique a mais que dois meios de transporte de casa, vêm com um selo. É o selo de zona segura. Eu e Carol não precisamos de intimidade ou confiança adquirida através de alguns anos de amizade para estar assentadas na beira daquela praia deserta falando sobre lugares quase inacessíveis das nossas alminhas, sobre um íntimo perigoso até para nós mesmas.

Carol era uma mulher linda. Com seus 38 anos, um sorriso lindo e um olhar cheio de histórias, ela teve que ir até o Japão para viver um amor brasileiro e foi por lá que ela viveu também a experiência que acabou de um jeito não tão raro assim. Eu tinha vivido algum coisa parecida umas semanas antes. E até aquele dia eu não tinha tocado neste assunto com quase ninguém e ela também não. E de repente ali, a gente acessou diante daquelas águas verdes transparentes lugares muito desconfortáveis de nossas histórias e vidas.

Em comum, ainda não cicatrizados, tínhamos vivido duas histórias com um final muito parecido. Aqueles casos em que a história se encerra ali em um diálogo onde um dos lados transborda sensações, impressões e emoções e outro oferece aqueles gritos ensurdecedores e não explicativos do silêncio. Hoje pela manhã me lembrei da Carol. Fiquei lembrando de quanto seus olhos me diziam enquanto ela me contava aquela história sem parar de sorrir. Mesmo sem vontade, talvez. 

Hoje quando olhei no espelho enxerguei o mesmo olhar e o mesmo sorriso. Aí lembrei da minha história. Das minhas. Da dela. Da de dezenas de amigas e amigos que tiveram que lidar com alguém que entendeu que de fato a melhor resposta a alguma pendência afetiva era simplesmente silenciar. Sumir. 

Sempre me perguntei porque é que as pessoas somem. Quer dizer? A gente sabe, no fundo a gente sabe. Todo mundo já saiu nas pontas dos pés, sem fazer barulho, como quem não quer ser visto. Como crianças quando fazem algo errado e saem devargarzinho para escapar ao xingo dos pais. Mas não estamos falando mais de crianças ou pelo menos não deveríamos estar. As pessoas somem porque é confortável, porque sumir é não ter que encarar o outro nos olhos. É não ter que dizer o desconfortável “não te quero mais”. Ou é não ter que dizer: “eu te amo, mas...” ou “não deu para aguentar seus ciúmes, suas inseguranças, suas manias”. Ou “estou voltando para o meu ex”. Ou “a distância está grande demais”. Ou “o tesão – ou o amor – acabou”. Sumir é não ter que discutir a relação. Sumir é não ter que assumir que você não sabe como dizer que está indo embora. Sumir é se poupar. 

Mas sumir é não poupar o outro. Sumir também é covarde. É egoísta. Sumir é dizer muito mais do que se pode imaginar. Sumir é se tirar a chance de dizer a si próprio diante do espelho que está indo e tem que assumir as responsabilidades pelo que perde ao ir. Sumir é visualizar e não responder. Sumir é democrático e serve para todo tipo de gente, mas só some quem não está bem na própria pele, quem está desconfortável consigo mesmo a ponto de não se atribuir a tarefa de dizer o que sente. E quem vai, pode não perceber, ou não saber, mas sumir é uma recusa para si mesmo, muito mais do que para o outro.

Mas para mim, com toda incômoda transparência de quem vive com as janelas escancaradas, isso não responde a pergunta. Porque que é, sen-or, que as pessoas somem? Há sempre duas pessoas em uma relação.  Não importa quão des-afinadas elas possam estar. Ninguém fica ali sozinho, ninguém faz nada sozinho. Ninguém entrou ali sozinho e ninguém deveria ter a ousadia de sair sozinho também. Diante de uma pergunta, as pessoas esperam uma resposta. Nem que seja um não, verbalizado, honesto e explicado, que acaba em certos casos por nunca vir. 

O que ainda resta, entretanto, como verdade, é que as pessoas só fazem com a gente o que nós permitimos. A gente deve a si mesmo não aceitar um amor, um relacionamento afetivo ou sexual com alguém que tenha menos para dar do que a gente merece. E todo mundo merece não incluir nos planos gente que some, que vira pó ou fumaça. 

A gente merece, sim, é esvaziar a lixeira, se considerar livrado, muito mais do que abandonado. A gente merece não despejar em que some expectativas ou afetos que, - se existiram de verdade um dia -, provavelmente passaram a existir somente nas nossas cabeças. A gente merece não inventar desculpas mirabolantes para quem não se deu o trabalho nem de inventar uma esfarrapada. A gente merece não inventar mentiras para uma única verdade simples, nua e crua: fica ali quem quer. 


A gente merece não se perguntar porque que é as pessoas somem. Mesmo sabendo que a resposta não é tão difícil assim de encontrar. Elas somem porque dá na telha delas. E tudo que quem fica acaba devendo é o provável já vai tarde.

domingo, 14 de fevereiro de 2016

Valentine's day.



Eu não lembro mais da roupa que você estava, que poderia ser aquela camisa azul que eu gostava ou aquela verde surrada. Nem lembro do número daquele portão de embarque que poderia ser o 2C ou o 17A. Eu não lembro mais do seu cheiro, que poderia ser aquele perfume importado ou aquele que veio com a pele. Eu não lembro do olhar que você fez, mas poderia ser aquele de quem não se abala ou o outro que segura as lágrimas. Eu não lembro da sua expressão, mas poderia ser aquela séria ou aquele sorriso difícil que eu aprendi a merecer. Eu não lembro do livro que você estava lendo e ficou na cabeceira, mas poderia ser aquele clássico romântico ou aquele outro sobre atividades físicas. Eu não lembro o último lugar que você me tocou, mas poderia ser a curvinha no fim das costas ou a nuca com a mão pesada dizendo que não era para eu ir ainda. Eu não lembro de muitos detalhes, mas poderia lembrar como se fosse agora do que eu sentia sabendo que você era meu. Talvez, só talvez, um dia eu pare de me lembrar disso também. E poderia ser amanhã ou uma outra hora.

Para o ano virar.


Que a nossa missão seja simples, mas sempre cumprida: ser feliz e fazer feliz, agorinha, em um hoje que não se deixa para depois. Não vamos deixar a vida passar enquanto a gente espera em vão, espera o amor chegar, a promoção vir, o salário aumentar, o sonho se realizar. Espera em vão porque enquanto a gente não entender que a felicidade não está em nenhum lugar que não na gente mesmo, tudo isso vai chegar, passar e a felicidade não vai estar lá. Que 2016 possa ser um ano de entender que a gente não precisa de ter nada disso para ser feliz, só a vontade de sermos pessoas melhores. Por melhor, eu me entendo quando consigo sempre sorrir, quando encosto com delicadeza em pessoas que acabei de conhecer, quando respeito e aceito o outro, quando deixo um bilhete surpresa, quando ofereço um presente sem motivo, quando dou para o outro algo que talvez nem esteja me sobrando: seja dinheiro, esperança ou sorriso. Que em 2016 sejamos pessoas reais, daquelas que a gente tem vontade de conhecer sempre.

31 de dezembro de 2015.

Feito tatuagem.


Poderia ter sido em desenho: a Torre Eiffel, o Arco do Triunfo, a beira do Sena, o jardim de Luxemburgo. Poderia ter sido um nome, ou dois ou dez ou cem das pessoas que eu quero pra sempre lembrar. Poderia ter sido uma representação de um louco desafio vivido e cumprido. Poderia ter sido um sinal dos bons tempos, de paz, de felicidade intensa, de dias e amores sem medo. Mas foi simples como não poderia deixar de ser, para falar de tudo isso e de tudo que minhas palavras ainda não sabem dizer. A marca que é pra ser tatuagem e não cicatriz de uma vida que me pertence pra sempre e eu só não quero nunca esquecer.



09 de dezembro de 2015.



Talvez eu não devesse, mas ainda me surpreendo com a maneira como os seres humanos apreciam a desgraça alheia. Minhas redes sociais se encheram de referências à exposição do flagrante de adultério de uma mineira. 
Um vídeo cheio de abusos, agressões e humilhações. Um problema que deveria ser resolvido entre os envolvidos. Há famílias envolvidas. Há filhos, crianças. Há a dor de um marido traído, que pode nem ser um bom marido. Há a dor de uma mulher agredida. Há a vida particular desta mulher de quem ninguém se importa em divulgar a foto. Há um amigo traidor, que ninguém sabe se era tão amigo e que é tratado como figurante de uma história onde ele é praticamente protagonista.
Ontem, a história foi contada no jornal do fim da tarde. Fiquei tentando entender se era a notícia mais importante do dia de ontem, a ponto de justificar sua inclusão na pauta de um jornal com trinta minutos de duração. O apresentador concluía a reportagem dizendo: este é o desfecho triste de um casamento feliz. Fiquei pensando quais elementos secretos ele teria para se sentir confortável em afirmar que este casal era feliz até a ocorrência deste evento. Um casal cujos pactos a gente não conhece, cujas regras do jogo são privadas, cujos reais problemas iguais aos de uma sociedade inteira de casamentos malsucedidos não são discutidos no jornal do fim da tarde. 
Ah, deixa para lá. Só acho que se divertir às custas desta exposição me parece de uma estupidez sem limites. E no fim eu só espero que todo mundo que tenha achado graça desta história não tenha telhado de vidro e seja livrado de ser autor ou vítima ou integrante de um caso extraconjugal (ou de ter alguém da família envolvido em um), ainda que estatisticamente isso seja bem improvável.

16 de dezembro de 2015.
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