quinta-feira, 8 de março de 2012

Sutiãs de renda.

Lutamos tanto, por tantos anos para sermos tratadas como iguais. A qual preço? Porque iguais? Será que o que desejávamos mesmo, lá atrás, era isso? Igualdade é a melhor palavra e o melhor ideal? Não sei não. É claro que quero ser tratada com equilíbrio. Mas eu ainda quero mesmo ser tratada por eles com diferenças, muitas diferenças.

Porque ainda quero que abram a porta do carro para mim, que me mandem flores, que me beijem no olho. Ainda quero que me façam surpresas, que me chamem de linda, que me deem atenção. Quero que eles troquem pneus, lâmpadas e matem baratas. Quero que puxem a cadeira para que me assente, arrumem minha franja, me achem linda quando eu falo sem parar. Quero que me olhem nos olhos. Quero que percam o ar quando eu sou naturalmente sensual e não se agüentem perto de mim quando sou forçosamente sexy. Quero poder usar minha TPM como desculpa para minhas alterações de humor e para fugir da dieta. Quero manter meu direito de nunca ter seus tons de voz aumentados para mim. Quero poder chorar quando aquela calça não me serve mais. Quero poder acreditar nas besteiras que eles nos dizem quando querem nos conquistar sem me achar uma verdadeira idiota. E isso inclui as adoráveis desculpas esfarrapadas. Quero poder agir como adolescente e depois ser chamada só de meio maluquinha ou autêntica. Quero que vagabunda, piranha e safada sejam abolidas de seus vocabulários ao se referir pejorativamente às nossas companheiras de gênero. Quero o direito de fazer uma lista de todos os caras que eu já fiquei e quero o direito de dizer que não sei este número ao certo quando eles nos perguntarem. Quero liberdade sexual. Quero poder falar de sexo sem ser vulgar e de amor sem ser careta. Quero poder ver Playboy só para procurar alguma celulite que o editor distraído tenha esquecido de tirar. Quero ser mais que peitos e bundas e às vezes quero ser só isso. Quero ter o direito de tratá-los assim também. Quero ser aquela grande mulher que está sempre por trás de um grande homem (ou na frente ou ao lado).

A verdade é que eu não quero ser igual a eles. Quero só poder ser como eu quiser. E, evidentemente, não, eu não quero que me cumprimentem com um tapa nos ombros, nem me chamem de “vei”, nem digam “vá se foder”. E não quero usar gravatas, cuecas e tênis. Não quero entender as regras de futebol, do MMA ou de rugby. E também não quero utilizar o verbo comer para me referir a nada que não se refira de fato a refeições. Não quero aprender a distinguir o barulho do motor de um Fiat 147 e de um Jaguar, sabe-se lá que barulho ou carro sejam estes. Não quero separar tão bem amor de desejo. Não mesmo. Não quero ser como eles são.

Por fim, também quero que possa ser tudo ao contrário. E que enquanto mulher também tenha o direito de detestar discutir relação, de sair sozinha, de descer do salto, de não ter o sonho de casar de branco. O direito de falar alto, ser vista desarrumada, soltar uma palavrão sem querer. O direito de ter amigos homens, dançar até o chão e levar um tombo em uma festa qualquer.

É simples. Eu quero somente ser o que eu quiser e quero que todas as mulheres possam fazer isso também. E quero inverter tudo de lugar se for minha vontade. O que eu quero tanto, aquilo pelo que luto tanto é pelo respeito. Pelo direito de ter alguns direitos iguais, mas de ver preservada a diferença. Pelo direito de ter direitos diferentes. Quero o direito de ser respeitada não por agir como as outras pessoas acham que eu deveria, mas sim agindo da maneira como eu quiser e bem entender.

Nós fomos às praças e queimamos os sutiãs. Eles eram cor da pele. Hoje isso não aconteceria. Eles são de renda, custam caro e foram pagos com nosso próprio dinheiro.

E só para não deixar dúvidas, é claro que no fim das contas, eu quero também ter meu espaço no mercado profissional, quero pagar minhas próprias contas, quero ser ouvida com atenção de quem sabe do que fala. Ser diferente não é tão ruim assim, eu diria até que é essencial. Somos contra a opressão, somos contra violência, somos contra submissão. Mas suplico, meninos (e meninas), em nome do tipo de igualdade que pretendemos, não retirem de nós o direito de ser diferentes. Especialmente diferentes. Nós agradecemos e, acreditem, vocês também.

E lembrem-se. Nossos sutiãs agora são de renda.
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