quarta-feira, 24 de outubro de 2012

"De maior".

Isso sempre acontece comigo. E deve ter alguma razão. Saindo do Tribunal de Justiça assentei em uma daquelas casinhas de ônibus para organizar minhas coisas e esperar um táxi. Estava lá não tinha dois minutos e vem uma princesinha de rua, rostinho de boneca, descalça, um vestido caindo largo sobre os ossinhos dela, tentando vender adesivos. A reação é meio padrão e a minha também foi. – Compra um tia? – Não tenho, princesa.
E ela se assentou ali do meu lado para esperar. As duas pessoas que estavam por ali deram uma afastada que me encheram de raiva e um certo nojo.Meu telefone tocou em cima da minha pasta, a pequena olhou para minha foto na imagem de fundo, depois para mim e perguntou: - É você? Eu olhei para ela e concordei, ouvindo, então, daquela boquinha desenhada, que eu estava muito bonita na foto. E ela disse isso enquanto colocava a mão no meu joelho. Olhei melhor para aquela coisinha magrela do meu lado, com os olhinhos de jabuticaba na minha direção e pensei em quanta distância aparentemente havia entre nós, apesar dela definitivamente agir como se sentisse que não havia nenhuma. E na verdade não havia mesmo. E era como se meu corpo dissesse que ela podia ter feito aquilo, me tocado, se aproximado. E na verdade dizia mesmo.

Aí eu contei para ela que a foto era no casamento de um grande amigo, que eu havia me maquiado, arrumado meus cabelos e por isso estava bonita. E ela disse que às vezes a mãe dela se maquiava e também ficava bonita. E a conversa foi por ai. Passou rápido no meu pensamento uma puta vergonha de lembrar quanto eu tinha gasto naquela maquiagem e naquele cabelo e um segundo atrás tinha me negado a comprar um adesivo de um real. Só sei que com meus anjinhos na Força do Bem eu aprendi o poder do toque, do olhar, do abraço. Só que eu não podia abraçar aquela criança ali na minha frente. Seja porque talvez ela não estivesse pronta para isso, seja porque isso pudesse representar uma certa loucura da minha parte. Aí eu fiz o que eu pude, me aproximei dela até nossos braços e pernas estarem encostados e deixei ela pegar meu celular “segurando sozinha”, como ela quis, correndo um risco enorme de perdê-lo, mas sabendo no fundo que não ia.
 Aí a conversa seguiu. Soube que ela estuda de manhã, de tarde vai para rua ajudar a mãe a vender os adesivos para pagar o aluguel, mora em uma casa em Santa Luzia, mas o aluguel é R$ 250,00, mora com a mãe e com os irmãos, de 3,5 e 8 anos, e nunca soube do pai. Os irmãos não ajudam porque eles são “de menor”, mas como ela é “de maior” ela pode ajudar. Aí pronto. Meu olho cheio de água, um nó na garganta. Uma raiva do ser humano. Vontade de sacudir aquela magrelinha e perguntar porque ela achava que tinha o direito de olhar no meu olho e dizer que era maior. Maior em que? Maior estatística ruim? Maior injustiça do mundo? Maior doçura dentre aquelas centenas de pessoas rodando naquela rua nojenta onde ninguém se dava o trabalho de olhar para ela?
 Maior...certamente ela é maior, bem maior do que a maioria daquelas pessoas que se afastam quando ela assenta. Maior que estes corruptos nojentos que não são capazes de imaginar a vida que este tipo de anjo leva quando desviam bilhões de reais do dinheiro público. Maior quando toca meu joelho com aquela naturalidade que só uma docinha de seus menores onze anos seria capaz de possuir no meio deste mundo esquisito. Ela ia vender os adesivos no ônibus, explicou que hoje estava ruim para vender. Resolvi comprar uns para sobrinha - que eu nem tenho -, ela me convenceu de que o do Luan Santana era o preferido das meninas e eu levei alguns. Então, o ônibus em que ela ia vender as cartelinhas chegou, ela me olhou toda linda e disse: - Chegou, vamos? E eu, esperando meu táxi, sem olhar para onde o tal ônibus ia, fui. Só que o motorista não deixou ela entrar.

Não deu tempo de dar tchau, de mandar beijo, de perguntar seu nome, nem desejar boa tarde ou boa sorte. Só deu tempo de ver aqueles olhinhos de jabuticaba me olhando lá de fora. Na minha cabeça uma frase que minha mãe disse um ou dois dias atrás, sobre como seria bom se todo mundo fosse criança para sempre. Bom sim, mas bom demais para ser verdade.
Aí eu chorei.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Do que aprendi com eles.

Dia dos professores. E minha homenagem para eles vai através das duas pessoas mais importantes na minha vida. Meus pais são envolvidos com educação desde seus primeiros anos de trabalho. Não trabalham mais dentro da sala de aula, mas construíram tudo que tem investindo nisso com muito amor, ensinando aquilo que aprenderam nas especializações e na vida. Independente do belo trabalho que os vejo realizar, sinto que aquilo que de mais importante ficou na história foi o que me ensinaram e que por outras vias também alcançou a centenas de pessoas. É aquilo que ultrapassa a grade curricular e permitiu que eu fosse hoje Dra. Luísa, Xú, Lú, Luli, Magrela, Morena, Pequena, Xulispa, Da minha janela. Professores são almas livres, pessoas que não envelhecem, que não param no tempo, que estão dispostos a doar o que sabem, a dividir o melhor de si mesmos, a passar a vida tentando ensinar a própria vida para jovens para quem o céu é o limite.
 
Comigo também foi assim. Cresci dentro da minha casa e aprendi tudo que sei ali. Desaprendi muita coisa na rua, é verdade. Mas o que há de bom, veio de dentro. Educada por eles pude muito. Pude ser mais conteúdo do que imagem. Pude entender como acertar. E me perdoar pelos enganos, que não foram muitos, mas existiram. E existindo me ensinaram a ser honesta comigo mesma. Meus pais me ensinaram o valor do amor. O prazer da liberdade. E como ela só tem graça quando se tem para onde voltar. E como ela dói se for mal usada. Meus pais me ensinaram a me levantar do chão após cair em queda dura com a morte do meu irmão. Meus pais me ensinaram que eu posso ser quem eu quiser. Que as pessoas podem ser quem são. E que só temos o direito de gostar ou não gostar de quem conhecemos de verdade. E precisamos nos dar o direito de conhecer a fundo cada um que cruza nosso caminho. E entender que nada é por acaso, nem a passagem das pessoas por nossas vidas, nem a permanência delas. Meus pais me ensinaram a ser uma risada ambulante, uma gargalhada fácil, um sorriso doce. Meus pais me ensinaram o prazer das palavras, escritas, ditas e lidas. E também me ensinaram o valor do silêncio. Meus pais me ensinaram a dar valor ao beijo sincero, ao carinho bem dado, ao querer bem das pessoas. Meus pais me ensinaram a resgatar sempre aquilo que a vida vai tirando de nós, como a inocência. E buscar aquilo que há de melhor em mim. E me ensinaram a me amar mais. E amar tanto o outro quanto eu gostaria de ser amada. E me ensinaram paciência. E me ensinaram a ser e fazer tudo diferente do que eu aprendi sem perder o norte para onde minha bússola aponta. Meus pais me ensinaram o prazer de viajar; de fazer as malas, rodar o mundo. E o prazer de voltar para casa. Meus pais me ensinaram que tenho que ter todos os desejos dentro do peito. Me ensinaram a boa música (também amo pagode e sertanejo). E me ensinaram a gostar do que e de quem me faz sentir viva, mesmo que os outros não achem aquilo necessariamente bom. E me ensinaram a entregar para as pessoas o que eu tenho de melhor.

E se eles não me ensinaram tudo isso, eles certamente me ensinaram como aprender. Pelo caminho mais duro ou mais fácil, mais curto ou mais longo, mais sofrido ou mais simples. Mas me apontaram a direção. E me permitiram ser o que eu escolhi ser.

Meus pais me ensinaram a aprender com os erros deles também. E aprendi entendendo que pais são meio heróis, mas também são meio humanos. E vão errar, talvez nos magoar, talvez ser magoados. Mas são aqueles que vão sempre estar lá. Nos sorrir com doçura. Prometer que tudo sempre vai ficar bem de um jeito que dá para acreditar. Nos ensinar a ser doces, além de tudo. Fortes, além de tudo. Filhos, além de tudo. Alunos, além de tudo. Para nunca perder o jeito de aprender. Para nunca deixar de saber que a vida sempre tem o que ensinar.
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