sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Encontros.



O que eu procuro tanto? Em que busca incessante mergulho todos os dias a fim de realizar este encontro? É possível chegar no lugar certo, quando não se sabe para onde está indo? Isto significa que nunca vou encontrar o que procuro ou que qualquer lugar vai servir?
O que eu sei é que preciso primeiro me sentir viva. Quando algum sinal de amor me causa alguma sensação que percorre todas as terminações nervosas do meu corpo, me faz sentir o coração bater quando descanso minha mão sobre meu peito, me faz sentir arrepiar aqueles pelinhos invisíveis, - pronto, estou viva -, está aí meu ponto de partida.

Depois eu penso. Tenho que sentir primeiro. E se eu sinto, eu vou. Aí eu vou mesmo. Às vezes em alta velocidade, às vezes caminhando tão devagar que dá para duvidar se vou chegar. Mas se estou dentro, estou, porque aí dá para fazer. Certo? Mais ou menos.


É aqui meu desacerto. Se não depende só de mim e do destino vão haver outras barreiras. Meu querer, minha mola propulsora, o que me motiva... meu, meu, meu, percebe?  É tudo meu e só meu. E o que é do outro eu não toco, eu não altero, eu não escrevo. Minha biografia só inclui meus passos, meu ponto de vista, minhas vontades. No outro mora o que eu não sei, o que eu não posso pegar, o que eu só imagino.

Por isso nunca tive tanto apreço por mim, por fazer aquilo que dependa só de mim. A viagem, o percurso, o caminho, o objetivo. A ida. A fuga. O caminho contrário. Os planos que parecem grandes demais e por isso não tive coragem de dividir com ninguém ainda. Mas tudo vai vir à tona, tudo vira verdade, porque depende só de mim.
Os encontros. O que faz sentido na vida senão os encontros? Mas só nos encontros interiores a liberdade é integral. E minha liberdade reside exatamente ai. Só aí. Só aonde me sinto sob controle consigo me sentir livre, só consigo me sentir livre onde o incerto é obra apenas do destino e da atuação orquestrada que ele faz com nossos caminhos.

E outro alguém terá condições de me conceder esta tal liberdade? De me levar a um lugar seguro, onde o tempo, a sintonia, a cadência conduzam duas almas a um único encontro?
Meu tempo é meu, não é seu, não é de ninguém mais. E ele não espera. Minha espera é apressada. Meu encontro tem que ser agora, porque amanhã é o hoje de ontem e voltamos sempre para uma vida que  só acontece no agora. É por isso que minha solidão parece nata e parece um bom lugar para morar.

Confortável, seguro? Reação, sintoma? Equipamento de proteção? Talvez. Mas não há lugar melhor que este. Fica tudo organizado por aqui. E quando está bagunçado sobra mesmo é para eu arrumar. É partindo daqui que mesmo sem saber para onde ir, chego sempre em bons lugares. E encontro minha paz. E é preciso paz para poder sorrir. E me encontro, então.


Muita gente aí fora me acha estranha, diferente. Estranha não sei se é a melhor palavra. Diferente, talvez.  Talvez sim, eu esteja no tempo errado, fazendo o caminho inverso. E depende sempre da ótica de quem olha, mas talvez, sim, eu ache que está tudo fora de lugar.

Fato: ou estou eu fora, ou o resto está.
E meus sonhos, minhas hipóteses, minhas utopias, meus ideais de completude talvez pareçam exatamente incompletos para alguns. Para mim é oposto. Preenche, direciona, ocupa. Ocupa meus melhores vazios. Não é só liberdade, é independência, é algo mais próximo daquilo que a Martha disse, sobre estar onde quero, porque quero, com quem eu quero. E isso só pode ser feito integralmente quando não depende do outro.
Eu pareço não ser tão clara, às vezes. Tenho isso de sugerir que o melhor não está escrito. Às vezes não está mesmo. Às vezes está nas entrelinhas. Às vezes está mais claro que o sol que cobriu meus papéis, livros e processos, quando entrou na minha janela , - desta vez sem metáforas -, neste feriado me dizendo mil coisas. 

Complicando. Descomplicando. Explicando. Não sou um segredo, sou uma confissão. Não sou um segredo, sou um mistério. Não sou um segredo, sou aquela senha que já vem de fábrica com o cadeado vagabundo. Não sou um segredo, sou uma resposta.


Só quando eu aceito, eu me encontro. Só quando me encontro, o que está a flor da pele transborda. Só quando eu transbordo, fica para trás. Só neste momento dá para não aceitar menos do que eu mereço, nem me contentar com pouco. 


Só neste exato momento a vida acontece do meu jeito. E quando eu não preciso mais de ninguém os verdadeiros encontros e desencontros acontecem. Então, eu encontro meu lugar, meu lar. Então, alguém bate na porta e às vezes, por tantas vezes, é tarde demais para eu atender. Porque depois de certa hora, janelas e portas são trancadas com chave. Quem está dentro não sai. E quem está fora a este tempo não entra mais.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Minha abridora de janelas.


Passei alguns anos da minha vida dizendo que eu sou o tipo de pessoa que precisaria de fazer terapia, mas resistindo de certa maneira a ela. Ficava a pensar que alguém que mal conhece este furação de emoções que eu sou não teria condições de indicar caminhos, apontar soluções para algo tão complexo e importante quanto a minha própria existência.

De outro lado, sempre imaginei que a parte boa daquilo ali fosse me autoconhecer, promover encontros comigo mesma, significar sensações que a vida deixa em nós pela estrada afora. E poucas coisas no mundo têm mais a ver comigo do que isso, do que a necessidade de mergulhar em mim mesma, de realizar os melhores encontros na minha exclusiva companhia, de trabalhar as milhares de emoções que compõem cada centímetro branquelinho que me cobre.

Me dou com a novidade, fico bem em tocar o novo, me orgulho de mim mesma quando quebro alguma idéia pré-concebida. E já se vão alguns meses que deixei de resistir e entendi que devia a mim mesma uma nova experiência, principalmente interior. Me lembro como se fosse ontem da minha primeira consulta, das almofadinhas coloridas de um consultório que parece tudo, menos médico.

Na minha frente a voz e o olhar doce daquela moça até então estranha, com quem eu nem imaginei que eu fosse criar laços tão puros e afetuosos. Com quem eu imaginei menos ainda que fosse ter condições de expor tantas fraquezas, de escancarar tantos defeitos, de tocar tantas situações que a memória esconde até de mim mesma para não ter que passar por lá.

Minha querida I. abre todas as minhas janelas. Semana sim, semana não lá estou eu assentada com os pézinhos cansados para cima e passo ali com minha abridora de janelas alguns minutos do dia, onde ela, mas principalmente eu mesma tenho acesso irrestrito a lugares perigosos, a sensações, imagens e significados que me põe em alto risco.

Minha doce abridora de janelas não fica satisfeita em abrir apenas janelas. Ela abre as portas dos quartos, da despensa, ela abre os closets, os armários. Ela abre a geladeira e o banheiro. Ela abre as torneiras e os ralos. E eu que me vire, porque ali sou obrigada a me deparar com detalhes doloridos e às vezes já esquecidos que compõe a minha história e minha vida.

Quem nunca fez terapia deve estar pensando: “Cruzes, não vou querer fazer esta terapia das trevas não”. Calma, é faxina. A poeira que ficou debaixo do tapete, aquele tanto de porcaria que existe no ralo, tudo de indigesto que pairava por ali há dias, às vezes há meses e muitas vezes há anos... É hora de organizar, de limpar. As cartas vão para mesa, eu para frente do espelho.

E não, não vou dizer que viver e re-viver alguns momentos de nossas vidas seja exatamente confortável. Também não vou dizer que a gente não queira simplesmente deixar algumas coisas esquecidas em algum canto escuro. Não, enxergar de frente o que há de impuro, imperfeito e fora de lugar em mim não é a melhor experiência do mundo, dar de cara com nossos maiores inimigos internos dá um medo danado. Mas lá não existe opção. É necessário passar por estes lugares, única forma de significar cada uma das experiências boas ou ruins que a vida me deu, para fazer e refazer as velhas ou novas escolhas.

Ali, naquela sala pequena, a sensação é de que cabe o mundo. Eu, normalmente na minha vida não choro. “”, choro vendo campanhas publicitárias. Choro quando pergunto sobre a história da vida daquelas criancinhas que vendem chicletes no Tizé. Choro vendo filme sobre amores eternos. Choro quando vejo vídeos de cãeszinhos e bebês no youtube. Choro de alegria também. Mas dificilmente choro pelas minhas fraquezas, pelas minhas lutas e crises. E detesto chorar em público. Detesto que saibam ou vejam que eu chorei, que algo me tira o otimismo quase inocente que eu tenho em torno de viver. Detesto ser a menina das lágrimas ao invés da menina dos sorrisos.

 I. tenta desmitificar um pouco isso, tenta me fazer entender que eu vivo recheada de emoções e minhas lágrimas ali são só o transbordar. Esta compreensão é minha mesmo, mas acho que é o que ela quer que eu sinta. A permissividade integral que tenho ali para chorar. Sempre vou para lá pensando quanto tenho que agradecer, como minha vida é boa e satisfatoriamente incompleta, como me acho bem tocando minha intensidade e como preciso de entender todos os dias o sentido desta coisa toda. E penso que não há janela (ou porta, closet, ralo) que ela abra que vá me fazer chorar. Sempre faz. Sempre choro. Nunca é tristeza. Sempre é bonito. Sempre é esvaziando. Sempre é entendendo, compreendendo.

Bom. Eu achava que abrir janelas só tinha a função de deixar o sol entrar. Minha I. me faz lembrar que há sempre muita coisa para sair antes de outras novas entrarem. Que assim seja, então.

Hoje é aniversário daquela que começou sendo lanterninha, deixou passar luz da frestinha da janela e cada dia mais deixa espaço para entrar toda luz do universo para que a minha vida tenha a clareza que eu definitivamente preciso para viver com o mínimo de tropeços possível. Parabéns para minha doce e querida abridora de janelas, que eu espero que faça sessões por skype para que as janelas do apartamento da minha nova cidade estejam abertas mesmo no inverno que já vem chegando por lá.
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