quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Uma mamadeira de leite quentinho, talvez?

Olá! Já nos conhecemos há uns dias, mas é a primeira vez que falo diretamente com você, assim, em voz alta. O médico preferiu nos deixar uns minutos a sós. Muitas vezes na minha vida pensei em como seria este momento e agora não sei o que fazer. Devo ter mentalmente ensaiado algo para dizer, mas saiu tudo tão diferente do que eu imaginava, então vou ter que improvisar. Me viro bem no improviso, mas fico vermelha. Trinta segundos de conversa e acabo entregando algo sobre mim. Sim, fico sempre vermelha nestas situações. Sim, entrego facilmente coisas sobre mim.

Tenho tanto a dizer, há tantas coisas que você precisa saber. Eu vou tentar te poupar, mas você vai ter que ser forte, pequeno. Promete ser? Eu prometo tentar. Prometo, prometo. Sempre tive certeza que a primeira seria uma garotinha e ainda não dá para saber se você não é, mas existindo o que chamam de instinto estou falando mesmo com um garotinho. Meu garotinho. Um menino.

Não era para ter acontecido deste jeito, sabia? Você era para chegar daqui a uns anos. Era para ter um quarto, roupinhas, brinquedos. O primeiro sapatinho. Um berço. Uma comemoração. Uma história, uma espera. Fruto de uma escolha, de um plano. Era para ser diferente, o contrário. Era até para terem lágrimas, mas de alegria. Não sei se dá para ser assim, não sei, não dá. Droga. Estou confusa. Desculpa, claro que não estou nervosa com você, meu amor. Vou tentar te explicar.

Por aqui as pessoas complicam um pouco tudo. Existe um protocolo a seguir, nenhuma vida é original na verdade, entende? Você está aí esperando para nascer e quando sair a única coisa que tem a fazer é morrer. No intervalo você trabalha, casa, tem filhos. É estranho e parece chato, né? Mas é isso mesmo. Tudo convencionado, filho. Tudo com hora certa para acontecer. Todos têm a mesma história para contar. Se algo sair do script cá estamos eu e você. Entendeu? Não, né? Eu também não entendo.

Não quero te magoar, meu pequeno, mas de acordo com o que as pessoas dizem agora não é hora. É, não é a hora de você. (será que eles têm razão?) Tenho que confessar que ainda me sinto mesmo mais filha do que mãe. Tenho um emprego legal, uma consciência severa. Mas na vida, assim, não tenho certas responsabilidades. Não recolho impostos, nem contribuo com a seguridade social, não pago contas em casa, não tenho plantas ou animais para cuidar. Não tenho casa própria, nem previdência privada. Gasto muito dinheiro em roupas. Moro com meus pais. Ainda não sei ser mãe. Estou com medo. Na verdade estou com um medo danado.

Mas apesar disso tudo, (não, eles não têm razão alguma) eu estou disposta a tentar. E posso ser boa nisso. Vou tentar de verdade. Talvez eu exagere. Talvez te cheire tanto que o seu cheirinho de bebê fique no meu nariz. Talvez levante de madrugada para ver se você está respirando. E talvez te coloque para dormir na minha cama comigo, mesmo os especialistas dizendo que não é isto que se deve fazer. Talvez eu erre, mas eu vou tentar acertar sempre. Prometo, prometo. Não, meu bebê, eu realmente não quero desistir de você.

Eu sei que não vai ser fácil. Que eu vou ter olheiras, que às vezes você vai chorar a madrugada inteira e eu vou chorar junto com você. E serão muitas fraldas trocadas, cólicas, vômitos e banhos. E vão me julgar. E vou ter que largar meu emprego, a balada e alguns sonhos. Vários sonhos. Dez. Vinte. Todos, talvez. E talvez eu me arrependa de não ter me cuidado melhor, mas nunca vou me arrepender de você. Porque sei que pequenos momentos em tardes quaisquer de tempos em tempos vão compensar tudo e cada esforço pelo resto da vida. Estou com medo.

É, bom, sobre o papai. É difícil para mim falar sobre isso, mas você tem que saber. Na verdade ele não quer você. Eu sei, me dói também, mas ele é um homem bom, um menino bom. Não, não estamos juntos. É complicado, mas não importa. Você não precisa se preocupar com isso agora, eu e você vamos ficar bem. Ele vai aprender a te querer. Eu vou ensinar isso para ele, não vai ser tão difícil. Talvez você tenha um sorriso largo e bonito como o dele e aí ele vai te olhar e não vai conseguir não te amar. A gente tem que tentar entender, ele ainda joga videogame, come sucrilhos de manhã e não faz a cama ao acordar. Isso, isso mesmo, ele ainda é mais filho do que pai, meu amor, assim como eu. Mais do que eu até. Não tenha raiva, - eu não vou ter -, se ele perder momentos importantes disso até entender este amor.

Hoje vou contar para ele que eu vou fazer isso. Vou contar para ele que já te sinto aí dentro e que já me decidi. Me desculpe se eu chorar. Talvez haja gritos e lágrimas. Talvez haja briga e tristeza. Se estiver ruim, tampe os ouvidos, pense em algo bom. Você consegue pensar em coisas boas? Uma mamadeira de leite quentinho, talvez? Sério. Prometo cantar depois para você. Se ele não te quiser, prometo fazer isso sem ele. Posso te amar em dobro, para compensar. No final vai ficar tudo bem. Prometo, prometo. Estou me sentindo sozinha. Você também?

Há tantas outras coisas que eu queria que você soubesse, não quero mentir para você. Você não foi planejado meu amor. Pensei em não fazer isso, entende? Interromper, tirar? Entendeu? É, assim como ele. Desculpas por isso. Você vai ver que o mundo aqui fora nem sempre é fácil. Não vai mais acontecer. Prometo, prometo. Eu não vou desistir de você.

Vem. Vem logo. Prometo que enquanto eu puder vou fazer do seu mundo um lugar de fantasia e te esconder de tudo que é ruim. Vou te deixar comer sorvete às quartas. E inventar histórias loucas. Vou te olhar dormindo, mesmo que isso te pareça chato. E vou responder todos seus “por quê’s?”. E te ajudar com as tarefas da escola. E estar lá no fim do seu primeiro dia de aula. Vou ser a primeira que você vai ver quando chegar neste mundo aqui e vou estar sorrindo. E vou estar lá quando você sorrir pela primeira vez e andar e falar. E vou ser a mãe mais jovem de rabo de cavalo, short jeans e camiseta. Vou te deixar andar descalço. Te dar banho de mangueira. E te fazer sessões intermináveis de cócegas para você entender desde cedo o valor do que não tem preço.

Queria te ensinar tantas outras coisas sobre a vida. Você vai aprender a maioria delas sozinho, mas a vida faz isso de maneira dura, às vezes. Posso tentar te adiantar para facilitar, quer? Priorize suas relações pessoais ao trabalho. Trabalhe com algo que você ame. E que dê dinheiro suficiente para você viajar quantas vezes quiser e comprar um carro legal (isso não faz sentido para as mulheres, mas por alguma razão carros são importantes para vocês meninos). Falando em carros sempre abra a porta deles para as meninas, sempre. Não abra mão do seu futebol ou do encontro com os amigos por elas. Guarde muito bem grandes segredos, inclusive os seus. Não fale mal de quem não está presente. Ouça sempre os dois lados de uma situação antes de formar uma opinião. Não maltrate os animais. Ame sem restrições. Peça desculpas. Nunca aumente o tom de voz para uma mulher. Seja bom sem esperar nada em troca e você vai se surpreender. Não se culpe quando fizer tudo ao contrário das centenas de conselhos que ouvirá de mim. Ah, quase me esqueço, use preservativo.

Não vai dar para te ensinar tudo que eu queria agora. Estou cansada. Mas temos a vida inteira para fazer isso juntos, não é? É. Prometo, prometo. A gente tem que descansar, o médico disse. Hoje foi a primeira vez que ouvi seu coraçãozinho, sabia? Você ainda parece uma manchinha em formato de feijão e estou há dez minutos no escuro, falando com a minha barriga e olhando para sua imagem nesta tela chorando feito boba. E ainda bem que tem uma setinha verde neon apontando para você, para eu não te perder de vista. Estou com medo.

Temos uma notícia boa neste dia confuso. Estas promessas todas que eu fiz aí em cima são uma maneira de dizer que vou cumprir o que eu disse. A ruim é que adultos descumprem promessas o tempo inteiro. Prometo tentar cumprir a maioria delas. Prometo fazer o menor número de promessas possível. Meu tempo acabou, o médico voltou. Prometo que daqui em diante você pode ficar por aí pelo tempo que for preciso. Prometo que a partir de hoje meu mundo é você. E prometo, principalmente, que eu nunca vou deixar de sentir este mesmo amor de agora, melhor e maior do que qualquer outro que existiu. Até julho do ano que vem.

13 de novembro de um ano qualquer.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Para mim não é.


É simples. Se eu reclamar de tristeza me olhe. Me olhe, pegue meu cabelo, me dê as mãos. Não sou lá de reclamar destas coisas. Na verdade não sou muito destas coisas de tristeza mesmo. Gastei quase tudo uns anos atrás. Mas estou viva, sempre sobra alguma coisa. Então se eu nunca reclamar de tristeza me cuide também. Não sou muito destas coisas, mas aqui há um pouco de tudo. Me doo inteira. É doo, assim mesmo. Estou falando de dores, não entregas. Não vivo na superfície de nada. E no fundo, - onde mora o que não se revela, o que é obscuro, - é lá que as experiências, acontecimentos e escolhas mais doem. Lá tem de tudo, na verdade; já disse. É só observar os sinais, que se não forem um blefe são assim ó: Quanto mais paixão, mais silêncio. Mais silêncio, mais paz. Mais paz, mais dor. Mais dor, mais sorriso. Mais sorriso, mais palavras. Mais palavras e começa tudo outra vez e acabo voltando ao mesmo lugar. E é bom caminhar por aí quando se tem para onde voltar. Só faço o que eu quero e o que eu quero, quero muito. Não sou acostumada com pedaço ou metade. Não sei ouvir não. Só que a vida não está nem aí. Tira o que a gente mais quer. Olha nos fundo dos olhos e diz que não, quase como fazendo piada. Não me dou bem com ser impedida de viver. Se eu quero, eu preciso. Eu sinto primeiro, depois eu falo, penso ou faço. E detesto que me digam a hora ou modo de fazer. Meu tempo é meu. Meu jeito também. Só eu sei o que tem debaixo dos meus pés quando os tiro da cama todos os dias. Não gosto de quem me troca. Nem de que desistam de mim. Eu encontro boa companhia nas palavras e poderia viver delas. E sou urgente. Me desfaço em três minutos, e me refaço nos três seguintes. Mas me garanto. Te garanto. Sempre estou lá. Sou leal. Imediatista; o oposto, às vezes. Pergunto muito. Nunca desisto de uma pergunta. Quero pra sempre. Gosto de morrer de amor. Gosto de morrer de amores pra sempre que duram um mês, um ano ou uma vida. Adoro inventar paixão. Me derreto fácil. E adoro abraço. E revivo tudo com cheiros. E adoro olhares. E moro em um lugar que combina com mãos dadas, beijo no ombro e com alguém arrumando minha franja caindo no rosto. Não adianta tentar adivinhar meus pensamentos. E nem pense que eles vêm parar aqui, porque aqui é outra história; ou estória. Somos diferentes. Sou diferente. Ainda acordo contando dia por dia, pensando no “se” e não sei até quando vou contar. E isso me faz lembrar que tudo na vida é mesmo relativo. O bom para você pode não ser para mim. Dois lados. Duas vidas. Dois sonhos. Dois planos. Três. Dez. Tudo depende de como se vê. E mesmo da perspectiva otimista e positiva que eu escolhi para viver é tudo tão relativo e contraditório, que às vezes até um negativo poderia ser uma boa razão para comemorar. Só que não é. Para mim não é.

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