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Só mais uma de amor II.


Ele saiu, deixou a porta bater nas suas costas e ficou ali parado, ouvindo só sua própria respiração e talvez o som que ele achou ser do soluço baixinho dela por trás da porta.

O fez não sem antes ter ouvido da boca salgada de lágrimas dela que ele era um idiota ou corrompido, não sei mais ao certo. Não sem antes também ter dito que ela levava uma vida louca, sem rumo. Tudo aos quase gritos. Entre lágrimas. Verdades parecidas com mentiras. Mentiras parecidas com verdades. Acusações. Ofensas. Carapuça que serviu como luvas para os dois. Mesmo que nenhum deles fosse tão ruim assim como o outro naquela hora queria tanto acreditar.

Eles tiveram um caso por duas semanas; romance relâmpago, mais relâmpago do que romance. Ele era comprometido há muitos anos. Ela uma solteira convicta, também há muitos anos. Ele tinha uma relação que alcançava quase uma década. Ela só tinha relações superficiais desde que o ex-noivo lhe trocou por uma grande amiga; isso já uns três anos antes.

Amantes fazem promessas. Ele prometeu que queria estar inteiro naquela relação. Ela aceitou a promessa e esperou que fosse cumprida. Ambos sem saber porque o crédito em algo aparentemente tão incerto. No último encontro a promessa ficou no ar, porque “como estava é que não dava mais para ficar”; ou pelo menos era isso que eles achavam. “– Me procura quando estiver livre. – Procuro. – Promete, então. – Prometo. Me espera. – Te espero.”

No dia seguinte, em um encontro ocasional, que pelo lugar e companhias não era tão ao acaso assim, ela beijou dois outros caras e poderiam ter sido quatro, ou seis. Ele assistiu tudo. Emputecido. Magoado. Quebrado até. A namorada viajando a trabalho e ele ali - abandonado pelo amor por aquela outra mulher que nunca disse com todas as letras que seria sua, mas (ele acha) deve ter dado a entender.

Voltamos lá em cima, no começo da história. Além da porta que separa os dois mundos.

No fundo ela é só uma mulher com medo de acreditar que todos os homens do mundo não vão quebrar seu coração, não vão trocá-la por outra que provavelmente não tenha um amor tão bom quanto o seu para dar. De família abastada e boa, cheia de boas maneiras, discreta, identificada por nome e sobrenome, inteligente, com uma lista de bons partidos à disposição.

No fundo ele é só um cara normal. Vive uma relação estável até demais que ocupa quase um terço da sua vida. Trabalha em uma empresa de engenharia, participa de projetos sociais, nunca fica com duas em uma mesma noite. É viciado em vinho e leitura, escritor por hobby. Se diverte mais com seus amigos do que fazendo qualquer outra coisa na vida. Tem um sorriso largo e fácil.

No fundo os dois carregam dúvidas, anseios, questionamentos e inseguranças com os quais são mais complacentes dentro de suas cabeças do que nas suas atitudes. Nenhum dos dois perdoa a si próprios. Nenhum dos dois se aceita exatamente como é. Ele não perdoa que precise buscar em outras mulheres aquilo que o tempo impossibilitou que a sua própria lhe proporcionasse. Também não perdoa sua própria falta de coragem de abandonar um barco talvez furado. Ele não perdoa seu talvez. Ela não perdoa que não possa só se divertir, dar umas risadas, sem sucumbir à desejos tão mundanos após uma taças de espumante importado. Também não perdoa que seus dias seguintes a façam sentir aquelas pessoas do copo meio vazio, ou inteiro vazio. Ela também não perdoa seu talvez.

Talvez eles entendam um ao outro mais que a si mesmos no fim das contas. Nunca quiseram se julgar, questionar suas escolhas. Mas fizeram isso e pior, fizeram isso sem se preocupar em trocar seus pés e almas de lugar para entender a realidade alheia. Eles gostariam só de respeitar melhor as opções que cada um tem que fazer para viver como acha que deve para sobreviver. Eles se magoaram assim, meio sem querer. Mesmo acreditando que no fundo tivessem potencial para ser um bom casal. Ou teriam, se fosse tudo mais menos o oposto do que é.

Ali no corredor, atrás da porta que fechou atrás de si, ele ainda ouviu o eco das suas palavras duras ditas para ela que quase se afogou em lágrimas, após tremer os lábios por trinta intermináveis segundos tentando engolir o choro. As palavras duras dela também ecoavam, repetindo tudo aquilo que a vida ia mostrar para os dois que não importava tanto no fim das contas.

Ali dentro, no sofá da sala à meia luz, ela ainda era capaz de ouvir o baque abafado da batida forte da porta, que deixou um silêncio ensurdecedor e um vazio lotado. Ela também era capaz de ouvir a respiração cheia de remorso do cara que no dia anterior a fez uma promessa que não cumpriu.

Dali em diante cada um seguiria seu caminho e suas vidas iriam continuar exatamente como sempre foram. Ele continuava escolhendo a quem enganar, a si próprio ou a atual namorada. Ela continuava escolhendo quem enganar, a si própria ou ao próximo da fila dos bons pretendentes que sabiam que ela era sim tudo aquilo que não se permitia mais ser.

Tudo que eles queriam e precisavam para suas vidas eram um ao outro. Mas isso eles nunca vão vir de fato a saber. A história foi mais ou menos assim. Ou bem parecida.

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