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Sapatos apertados.



Todo mundo tem um par de sapatos apertados. Cada um sabe bem onde aperta o seu. Com a vida também é assim. Eu costumo saber bem onde me aperta, onde mora o que incomoda, atrapalha a caminhar adiante, o que impede de seguir em frente.

Para mim aperta não conseguir entrar na vida de algumas pessoas e aperta que outras saiam da minha. Aperta que tomem conclusões precipitadas a meu respeito. Aperta preconceito, sexismo. Aperta que as pessoas busquem maneiras iguais de tentar ser feliz. Aperta mentira. Aperta descaso. Aperta assistir ir embora pessoas que eu gostaria que sempre fossem minhas. Aperta quando um bom e antigo amor se casa. Aperta quando alguém não consegue me entender do meu jeito; aperta mais ainda quando este alguém sou eu mesma.

Aperta quem não respeita. Aperta fofoca. Aperta quem julga os outros. Aperta quando faço coisas sob as quais deveria ter arrependimentos, mas me nego a me arrepender de viver. A culpa também me aperta. Me aperta não receber o mesmo que dou em troca. Aperta a intolerância; a minha e a dos outros. Aperta o segredo mal guardado. Aperta não dar todo amor do mundo a quem merece. Aperta o mau humor. Aperta a mudança, a perda, o não ter. Aperta. Aperta o fato de algumas pessoas simplesmente não se importarem. Aperta. Aperta o fim da história, o fim do livro, o fim de um percurso.

Aperta haver quem não está mais presente, quem não participa mais da minha vida. Aperta saudades. Aperta quem me constrange, quem não me olha nos olhos, quem me trata como desimportante. Aperta falta de educação, falta de gentileza. Me aperta roupa apertada, me aperta quilos a mais na balança. Aperta não saber me despedir, não saber como dizer adeus. Aperta insônia. Aperta ter só uma vida. Aperta aquilo que não posso mudar. Aperta o que escapa do meu controle.

Também aperta o dedo mindinho. E aperta, aperta muito, o carnaval ser uma época de mais lembranças tristes do que felizes, aperta hoje fazer seis anos que meu anjo da guarda tem nome. É isso, o que mais aperta para mim é isso.

Desamarrar os sapatos liberta. Tirar os sapatos liberta. Andar descalça liberta. Me desamarro, me descalço, ponho os pés no chão. Me liberto, mais do que me aperto, mas o que liberta vai ficar para outra hora. Por hora fico aqui, eu e meus sapatos apertados.

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