quinta-feira, 26 de agosto de 2010

nossos anjos..


Eu não me lembro bem de quando meus avôs se foram.

O da mamãe eu ainda era quase uma nenénzinha. Carrego pouca ou nenhuma lembrança e muitas histórias contadas por quem viveu com ele. O do papai tenho alguma coisa a mais na memória. O gosto de um chocolate de papel vermelho e do guaraná, que ele sempre comprava quando eu ia pra lá, além de umas boas histórias de um velhinho cheio de maniiias, de quem com certeza eu puxei as minhas.

Mas a lembrança mais marcante de quando ele se foi, foi ver o que se abateu sobre meu pai nos dias que se seguiram. Ninguém me preparou pra ver meu pai daquele jeito. Pai não devia poder ficar triste. Nem mãe. Afinal de contas são eles que sempre dizem: “na vida tudo tem jeito, filha! Tudo”... AAAh, tinha passado despercebido o restinho da tal frase. “na vida tudo tem jeito, filha! Tudo. MENOS a morte.” Eles bem que avisaram.

Hoje acordei com uma notícia ruim. Dona Carmen virou anjo. A verdade é que toda avó é um pouco anjo, né? A sensação é de que com o passar dos anos elas vão se “anjificando”. A sensação é que as avós passam os anos perdendo a saúde e a lucidez, mas ganhando, além da experiência, a pureza que a gente passa a vida inteira perdendo. Dona Carmen não é minha avó de sangue. Mas é como se fosse. Cresci vendo uma família, que também é minha, dedicando a ela todo amor que há no mundo.

Quando alguém se vai, automaticamente, minha memória resgata os melhores, ou mais simples, momentos que eu tive ao lado daquela pessoa. Com Dona Carmen as primeiras lembranças foram as noites na praia. Ela sempre foi minha companhia pra ver televisão. Ou eu a dela. A verdade é que tínhamos diálogos infindáveis por horas e horas. E a outra verdade é que eu nunca consegui entender quase nada daquele doce dialeto espanhol que ela ainda falava. Apesar disso, eram boas e prazerosas horas de papo. A gente conversava. Se compreendendo ou não. Em silêncio ou não. Só de estarmos ali. Eu a entendia. Do meu jeito, mas entendia. Ela era uma velhinha incrível e eu vou sentir saudades.

Com o passar dos anos desenvolvi a idéia de que quando a morte acontece na ordem natural ela é menos traumática. Nossos pais passam a velhice inteira dos nossos avós tentando nos preparar. “Vai se preparando, filha, ela já é bem velhinha”. Chega a ser engraçado, não fosse triste.. E alguém vive esperando o dia do outro morrer? Deveríamos, mas a verdade é que não. Só sei que quando se vão as avós ou os avôs eu só consigo pensar que eles não deveriam nunca ir embora.

Outro dia a avó de uma amiga se foi. Ela pediu para que eu escrevesse algo para ser dito na missa. Ao escrever foi como se eu tivesse sentindo e vivendo aquilo. E é triste. Mas suave. Acho que a diferença quando a morte acontece na tal ordem natural é esta. A ida, a despedida é mais suave.

Ontem mesmo, tive a notícia de que minha avózinha perdeu a visão de um olho. Ela já não anda bem, já não escuta muito, já luta com toda força contra a perda da lucidez. Ontem mesmo, a avó de um amigo foi pro CTI. Hoje, a notícia de que Dona Carmen se foi.

Não vou reclamar desta tal morte, nem dos sinais que ela manda. Apesar de ser cruel, ela é responsável por metade das coisas boas que existem em mim. Mas que sempre é triste, mesmo sendo suave, isso é.

Vai com Deus, Dona Carmen. Mais um anjinho no céu. Menos um na terra.

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