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E se der medo...

O cara é foda, é o homem que toda mulher sonha em ter como melhor amigo, amante ou companheiro. Inteligente. Engraçado. Bonito. Vaidoso. O padre-celebridade é uma das poucas pessoas que não me deixa desconfortável ao falar de religião, que desmistifica comportamentos e padrões de uma igreja que parou no tempo (no MEU ponto de vista). Solidário. Bem-sucedido. Consciente. Humilde. Carrega uma responsabilidade infinita no que faz. E foi diagnosticado com síndrome do pânico.

Quando eu vi o Padre Fábio de Melo trazendo a público esta condição eu pensei: - Puts.

Foi para televisão, se expôs e falou. Falou e colocou umas milhões de pessoas (sim, esta estatística traz nas costas muitas milhões de pessoas) para se reconhecer naquelas palavras. A sensação de morte; o medo do medo; escravo do medo. E não para por ai. É o ar faltando. É o coração batendo no peito. É nada parando no estômago. É o cérebro de algodão. É o pavor.

Outra palavra não serviria tão bem: é o pânico.

Quando eu tive minha primeira crise muitas premissas minhas se quebraram. Todo controle que a gente passa os anos tentando ter sobre a gente e pelo que está ao nosso redor se desfaz em um piscar de olhos. Não tem aviso. Você está ali e de repente não é mais você, não é mais você sob controle de nada, como se sua vida não te pertencesse.

Quando você tem uma crise desta, você se pergunta ao universo: Porque eu? Não é invenção, não é frescura, não é impressão. É um transtorno químico. E para acabar com aquilo ali a gente topa tudo ou qualquer coisa.

Me lembro de que quando eu fui ao primeiro médico no meio da primeira crise [literalmente], tive uma sorte imensa de cruzar com um profissional que não negligenciou nem por um segundo o que estivesse acontecendo ali. Era sexta-feira no fim da tarde, ele poderia ter ido embora, tomar seu vinho, namorar. Mas ficou ali, durante três longas e sofridas horas até eu ter condições de ir embora. E mais eu, a pessoa que não toma remédio nem para dor de cabeça, pedi, finalmente, socorro: “Qualquer coisa que me garanta que isso não vá acontecer de novo”.

Eu sou uma otimista incurável, resiliente, quase implacável (no bom sentido). Mas eu vivo e experimento minhas aflições como qualquer um. Nos últimos tempos, após o fim meio delicado (e qual não é?) de um relacionamento, naqueles primeiros dias mais difíceis, além do super amor que eu recebi de todos os lados, eu também percebi um incômodo muito evidente das pessoas com minha quebra.

Um grande amigo, meu pai, a velha amiga. Vi aqueles olhareszinhos em cima de mim, como a se dizer: Uai, ela também dói? Sim, pessoal, sofro de questões corriqueiras (ciúmes, rejeição, términos) e outras nem tão corriqueiras assim (questões existenciais, síndrome do pânico, casar ou comprar uma bicicleta). E aí pensei muito nestes dias porque é que a dor em qualquer de suas formas assusta tanto as pessoas. As dores não são as vilãs; são na verdade um afago, um alívio, quase um pedido para que a gente viva cada processo inteiramente. Começo, meio e fim (quando ele há de chegar, digo sempre).

Não sou adepta de eternizar sentimentos, de santificar os mortos, de supervalorizar pessoas ou situações. Mas viver os ciclos na sua integralidade é essencial para que a vida tenha algum sentido. Tirar lições. Aprender com o que vai. E com o que fica. Saber a hora de ir embora. Viver o luto de cada perda. E vivemos diariamente dezenas de pequenas e enormes perdas.

E porque eu misturei duas temáticas? Porque ambas têm a ver com questões inerentes e naturais do ser humano. Amores, desamores, perdas, dores, a mente humana, o comportamento, as necessidades íntimas e profundas de cada um.

Receber há onze meses o diagnóstico de síndrome do pânico pressupôs um processo interno muito delicado para mim. Tive que re-significar muitas verdades absolutas, tive que ceder ao que extrapola meu controle, tive que aceitar a fragilidade do nosso corpo. Tive que aceitar. 



Mas também aprendi e venho diariamente aprendendo a aceitar esta condição. A falar sobre ela. A reconhecer a dor do outro. O problema do outro. A não ter vergonha de dizer e entender que não há pecado em se reconhecer frágil ou com um problema físico ou biológico. A entender que nossas perdas são fundamentais e se eu tivesse passado a vida perdendo menos, eu não seria quem eu sou hoje.  Infelizmente a primeira crise não foi a única, outras duas e tão ou mais horríveis quanto a primeira vieram. Isso não me faz vítima, não me faz fraca, nem me impede de dizer que uma vez com medo, a gente vai com medo mesmo. 

Mas só aceitando e desmistificando determinados padrões de comportamento (que eu particularmente nunca fui muito tendenciosa a adotar mesmo) tem-se condição de aceitar e tratar adequadamente este problema que não é do Fábio de Melo, não é meu, mas é de qualquer ser que se permita e que se reconheça humano.

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