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Talvez eu não devesse, mas ainda me surpreendo com a maneira como os seres humanos apreciam a desgraça alheia. Minhas redes sociais se encheram de referências à exposição do flagrante de adultério de uma mineira. 
Um vídeo cheio de abusos, agressões e humilhações. Um problema que deveria ser resolvido entre os envolvidos. Há famílias envolvidas. Há filhos, crianças. Há a dor de um marido traído, que pode nem ser um bom marido. Há a dor de uma mulher agredida. Há a vida particular desta mulher de quem ninguém se importa em divulgar a foto. Há um amigo traidor, que ninguém sabe se era tão amigo e que é tratado como figurante de uma história onde ele é praticamente protagonista.
Ontem, a história foi contada no jornal do fim da tarde. Fiquei tentando entender se era a notícia mais importante do dia de ontem, a ponto de justificar sua inclusão na pauta de um jornal com trinta minutos de duração. O apresentador concluía a reportagem dizendo: este é o desfecho triste de um casamento feliz. Fiquei pensando quais elementos secretos ele teria para se sentir confortável em afirmar que este casal era feliz até a ocorrência deste evento. Um casal cujos pactos a gente não conhece, cujas regras do jogo são privadas, cujos reais problemas iguais aos de uma sociedade inteira de casamentos malsucedidos não são discutidos no jornal do fim da tarde. 
Ah, deixa para lá. Só acho que se divertir às custas desta exposição me parece de uma estupidez sem limites. E no fim eu só espero que todo mundo que tenha achado graça desta história não tenha telhado de vidro e seja livrado de ser autor ou vítima ou integrante de um caso extraconjugal (ou de ter alguém da família envolvido em um), ainda que estatisticamente isso seja bem improvável.

16 de dezembro de 2015.

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