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Esquecer para viver.

Eu nunca contei sobre o dia em que soube da morte do meu irmão. Nunca falei sobre isso. Bom, não tinha falado, até então. Estes últimos dias ando meio estranha, meio confusa. Uma grande e louca amiga foi me fazer companhia em casa. Engraçado como algumas pessoas parecem ter o dom de nos libertar de certas coisas. A tal amiga me liberta do que há de pior e melhor em mim. Neste dia não foi diferente. E lá fui eu. Puxar da memória, - de um lugar onde eu nunca mais passei -, as sensações do pior dia da minha vida. Não, não vou revivê-las agora, enquanto escrevo. O que eu posso dizer é que o pior dia da minha vida também representa um marco. O marco que alterou o meu modo de ver, de viver, de amar. Não sou uma pessoa pior, nem melhor que antes em função do que tive que passar, mas sou, definitivamente, alguém que investe nos seres humanos, nos quais passei a depositar uma esperança maior do que antes. Aprendi. Aprendi a amar sem ressalvas, a me jogar de cabeça, a não me arrepender. Aceitei. Aceitei minhas fraquezas, meus defeitos, meus erros. Amei. Amei até o final, sem hora de acabar, uma vida inteira em um segundo. Não é fácil entender como dias como aquele se processam na mente. Mas são momentos que nunca mais se quer lembrar e que também não se quer esquecer.

Me lembro do amigo que me levou para casa,
com uma expressão de dor que resisti a enxergar, enquanto tentava me prometer, - sem conseguir -, que meu irmão estava bem. Existe uma carta pronta para ele, há cinco anos, que nunca foi entregue. Ele é a pessoa que eu sempre quero ver quando duvido que as coisas possam ficar bem na minha vida. É que sua lembrança me dá segurança, segurança de que, pior do que está não vai ficar. Me lembro também do olhar do meu pai, que me deu a notícia sem ter que dizer sequer uma palavra. Me lembro de nesta hora sucumbir à dor e ir para o chão. Me lembro da primeira ligação que recebi, daquele loiro tatuado. E da primeira que fiz, para uma velha amiga Milú. Me lembro de enviar uma mensagem para um amigo, sem nunca ter tido resposta. Me lembro da voz da mãe da Ana. Me lembro da minha prima Dani me deitando no colo, mexendo nos meus cabelos e me pedindo para dormir um pouco. Me lembro da expressão do Thiago ao chegar da faculdade. Me lembro dos gritos da minha avó. Me lembro do meu amigo Dani chegando quando todos já haviam ido embora e de não querer sair dos seus braços. Me lembro de procurar na voz das pessoas um conforto que não cheguei a ter. Me lembro de acordar sem ter conseguido dormir, na cama dos meus pais, com o choro deles me dizendo que não tinha sido um sonho ruim. Me lembro de outras tantas coisas e, principalmente, das pessoas, dos olhares, de todo amor (e dor) que havia ali.


Me lembro de coisas que prefiro esquecer. E esqueço. Esqueço para poder viver.

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