Aconteceu nesta manhã. Ela se assentou ao meu lado, fez um sinal com a cabeça, e com os olhos me indicou a revista de noivas em suas mãos, onde a modelo estampava a capa com um penteado esdrúxulo e um vestido gênero bolo de festa ou princesa da Disney a depender dos olhos de quem olha.
Aí ela disse: Meu sonho
casar assim.
Eu: O meu não.
Ela: Prefere o coque mais baixo? O vestido mais rendado?
Eu: Eu não quero casar.
Ela: Todo mundo quer casar.
(...)
Por algum tempo da minha vida eu evitei ou me constrangi com
minhas próprias frases como: eu não tenho religião, eu não quero casar, eu não
acredito em fidelidade masculina. Evitei, porque de alguma maneira, parece que as
pessoas têm tão poucas certezas de suas convicções que ouvir uma opinião diferente
incomoda, fere, angustia. E eu sentia culpa por isso, me responsabilizava por
incomodar as pessoas.
Ali, diante da afirmação tonta vinda da moça, fiquei
tentando imaginar porque alguém que provavelmente não sabe nem o que quer, ou sabendo,
provavelmente não sabe a razão pela qual quer, se sujeitava a passar a vergonha
de fazer uma generalização tão boba para uma estranha. Cá entre nós,
afirmação que diz muito mais sobre ela, sobre o contexto em que ela está
inserida e sobre os problemas crônicos de algumas gerações, do que ela mesma
pudesse imaginar.
Ela deu azar, - ou sorte -, desta estranha ser eu, que já me
conferi há tempos concessão para repetir em voz alta todas as coisas em que eu
conscientemente acredito; incômodas ao ouvinte ou não. E é difícil ser delicada
respondendo a certas afirmações. E eu desisti de tentar dizer determinadas coisas
de outro jeito, quando eu só conheço um.
Respondi assim, sem alterar o tom de voz, sem deixar meu
coração disparar e sem sentir nada que não fosse tristeza por ela: Porque eu ia querer
vestir branco se minha cor preferida é azul, fazer um coque esquisito se eu
fico mais bonita de cabelo solto, fazer promessas que não sei se vou poder
cumprir e deixar um estranho falar sobre o modelo sobre o qual eu deveria construir
minha família, quando eu visualizo umas dezenas de diferentes opções para fazer
isso de um jeito melhor. E só para que fique claro que não querer me submeter ao procedimento casamento, não tem absolutamente nada a ver com não querer uma família. Com a qual, aliás eu sonho, mas que só vou construir se for ao meu modo.
Os olhos da loirinha aguada se encheram de água e eu quase senti
culpa. Quase, mas não senti. Se a culpa
não é dela, está mais ainda longe de ser minha. Cada um sonhe com o que quiser,
acredite no que quiser. Mas que faça isso com verdade. Eu aprendi com muito esforço
mental a me perguntar a razão pela qual eu desejo cada coisa na minha vida. E
aprendi com ainda mais esforço a ouvir a voz real do meu coração, a entender
minhas necessidades e motivações.
Eu lamento mesmo é que nesta altura do campeonato ainda se
tenha tanta dificuldade de afinar discursos de felicidade e liberdade com a
prática, acorrentando não milhares de vidas, mas milhares de almas a ideias que
não correspondem definitivamente aos fatos.
Não é mais fácil e nem mais cômodo, mas já faz tempo que eu
não negligencio mais meus sonhos, nem os terceirizo. Também não restrinjo minha
atividade criativa na hora de desejar coisas que tenham muito mais sentido do
que talvez se possa sequer imaginar. Não, nem todo mundo, nem todo mundo mesmo
quer casar.
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