Minhas
redes sociais normalmente mostram uma parcela muito estreita da minha vida. É
só um pouquinho do que transborda, do que não dá para segurar, uns indícios da
minha esquisitice e do avesso em que vivo. A maior parte de mim, - e não vou ousar
dizer que seja a melhor-, prefiro guardar. Minha vida privada é mais privada
que às vezes as pessoas imaginam.
Mas
a verdade é que apesar do tema de hoje não se enquadrar no tipo de coisa que eu
compartilho aqui, a ideia deste post surgiu um bom tempo atrás. Minha
opção de fazer um mestrado fora do país em uma língua que eu não conhecia ainda
teve como consequências um processo complexo, muitas vezes cheio de
dificuldades. Em várias e várias ocasiões me perguntei porque é que eu tinha
inventado esta ideia maluca? A experiência é e foi impagável, mas tinha um
risco alto e eu sabia.
Com
isso vem as experiências dos outros se somando à sua própria. Conheci várias
pessoas que não conseguiram ter seus mestrados, nesta mesma cidade, depois de
terem se arriscado na mesma experiência que eu. E isso foi lembrado por algumas
vezes quando eu assentada na frente do computador tentava fazer sair um artigo
ou me via diante de algum professor nas famosas provas orais. Era ali que eu me
dizia: e se não der?
Demonstrar
minhas fraquezas é uma dificuldade minha. Falar que está difícil, que não sei
se vai dar, que estou com medo ou que algo está ruim é alguma coisa que
normalmente eu não faço. E não é por orgulho, é porque eu normalmente não vivo
mesmo as dificuldades desta forma, não as encaro assim como obstáculo que elas
parecem ser quando a gente exprime a coisa deste jeito.
No meio disso tudo eu tive a chance muito viva
de relembrar algo que parece evidente a respeito de possibilidades, mas que
acaba não sendo. Toda experiência tem uma chance de dar certo e outra de dar
errado. Nem mais, nem menos. Estatística pura. Meio a meio. Quando eu comecei a
me ver fazendo por algumas vezes a pergunta ali de cima, então eu me dizia: Se
der errado como eu vou ter coragem de dizer isso para as pessoas? Várias das
pessoas que conheço que não conseguiram seus mestrados por aqui não tiveram
coragem de assumir, preferiram deixar por isso mesmo e são obrigadas a passar a
vida sorrindo amarelo cada vez que alguém toca no assunto que deveria fazer
parte de seus preferidos.
E foi em momentos em que eu refletia sobre o
significado das nossas conquistas e fracassos que eu disse a mim mesma que
independente do resultado, eu iria fazer este post, para dizer o que finalmente
eu quero dizer. A gente não está na vida competindo com ninguém. Os desafios
aos quais nos submetemos não tem nada a ver com ganhar e perder para o outro. O
resultado de uma experiência passa sim por chegar aonde a gente almejou, mas
tem tanta tanta coisa no caminho. É no percurso que a vida acontece. Se olhar
no espelho e se dizer que não deu, mas que valeu é um dos poucos presentes que
a gente merece se dar. Não ter vergonha por não ter controle de tudo, mas
assumir que temos controle sobre a maneira como escolhemos lidar com cada coisa
que acontece é essencial. Aceitar a importância de perceber que ainda que
percamos algo, o que interessa no final é o que a gente ganha, é viver.
Eu
me lembro ainda de que quando eu oficialmente anunciei que eu ia passar uns
tempos na França, uma das minhas supostas grandes amigas, que faz parte do
grupo de pessoas que deveria efetivamente estimular meus projetos menos óbvios, soltou alguma coisa como: “Ai amiga, tem certeza?
Sei não hein? Acho que você devia ficar por aqui mesmo. Muito difícil. Você nem
fala a língua, já é difícil em português, imagina em francês”. Eu poderia ter
duvidado de mim, colocado em questão minhas habilidades de fazer alguma coisa
diferente e como estou aqui hoje escrevendo este post é óbvio que não foi isso
que eu fiz. Isso faz mais de dois anos e eu não esqueci, simplesmente porque
nunca saiu da minha cabeça quanta coisa além dos livros esta minha amiga tinha
que aprender e que se eu pudesse eu tentaria ensinar, com ou sem o mestrado.
Eu
não pedi nada quando eu vim. Não pedi para alcançar o nível da língua necessário,
não pedi para ser aceita na universidade, não pedi para ter uma vaga para
estrangeiros no curso que eu queria, não pedi para ser aprovada. Mas pedi sim
que não importasse o que acontecesse e para onde meus caminhos fossem levados,
eu queria muito aprender todos os dias, sobre a vida, sobre o mundo, sobre mim
e sobre ser um ser humano melhor.
A
isso tudo, ainda se aliou um fato. Eu vim sim, para cumprir em princípio um
objetivo acadêmico, mas antes de colocar
os pés aqui eu desejei muito fazer isso de forma equilibrada. Eu não queria
passar meus dias enfiada na biblioteca. Não queria que fosse um objetivo
puramente profissional. Eu queria uma vida. Queria tocar este mundo, este povo,
esta cidade. E esta linha aí ó, é tênue.
Houve dias em que eu deveria ter estudado e sai para tomar vinho. Houve dias
que eu poderia talvez ter saído para dar uma namorada e fiquei para dar mais
uma estudada. Mas a verdade é que a gente só sabe se está dosando isso certo,
quando é tarde demais. Como tudo na vida. A gente só sabe se deu errado, depois
que percebe que não deveria ter feito tal coisa ou que não dá mais tempo para
fazer uma outra. Em qualquer dos casos a responsabilidade é integralmente
nossa.
Bom,
e aí entre os incentivos e contra incentivos que eu mesma ou as pessoas ao meu
redor me deram, eu decidi sim que se eu acaso não conseguisse o mestrado, eu
viria aqui de peito aberto dizer que não tinha dado, que eu tinha mal
calculado, que eu tinha ido com muita sede ao pote, mas que tinha valido a pena
cada noite mal dormida, cada apresentação de trabalho, cada artigo feito, cada
pessoa que cruzou meu caminho, cada dia de uma trajetória programada para ser
mais curta, mas que se estendeu por estes quase dois aninhos.
E
ontem, após receber uma ligação do diretor do meu mestrado, eu resolvi que
valia vir aqui dizer. Não super valorizo a conquista em si, porque apesar dos
fatores sorte, acaso, azar, existe um elemento forte que é meio matemático, que
é se empenhar e ter resultados. E venho sim mais realizada do que talvez eu
estivesse em uma outra circunstância, mas o objetivo ainda é o mesmo. É chamar
atenção para o fato de que as experiências que a gente vive só fazem sentido no
todo. É sim e foi sim uma enorme satisfação de ter tido meu mestrado, mas mais
do que o resultado, valeu o percurso e ele teria valido de toda forma.
Valeu
pelos amigos que fiz, pelas pessoas que me ajudaram, por minhas duplas nos
trabalhos, por minha diretora da dissertação, por ter sido a única estrangeira
na sala, por ter aprendido tanto com meus colegas de sala e ensinado de volta,
por ter feito mais que colegas de sala, por ter tido a chance de estudar em uma
universidade que tem como quintal o parque que se tornou um dos meus lares. E o
resto, o resto é tudo uma enorme bobagem.
Valeu
ainda pelo tema da dissertação que caiu feito acaso nos meus braços. E me levou
a recomeçar do zero minha pesquisa faltando muito menos tempo do que eu teria
pensado que eu precisava. E que longe de parecer um acaso encheu os jornais uma
semana antes da minha defesa com aquela foto dramática do imigrantezinho morto
na beira da praia, o que me fez conseguir colocar tanta alma nas palavras no
momento da minha defesa.
O
resultado oficial veio nos 45’ do segundo tempo, quase dois anos depois dos
meus pészinhos terem tocado o solo francês pela primeira vez e muito próximo do
momento em que eles partem daqui. E eu fiquei mais feliz do que imaginava. Quis
fazer um monte de coisas, mas só abri o celular e mandei uma dezeninha de
mensagens para um número muito restrito de pessoas que eu sei que me desejam um
bem real, dentre as quais, claro, as duas que tornaram tudo isso possível.
A
tal joaninha pousou na capa do meu primeiro livro sobre meu tema. Era de noite,
véspera da data final para depositar a dissertação e eu tinha acabado de fazer
a última leitura. Foi ali, naquele segundo que meu coração me disse pela
primeira vez que parecia que tudo ia sim funcionar: eu tinha feito minha parte,
eu acredito que as coisas melhores sempre estão por vir e eu recebi uma sorte em
forma de joaninha. Ali, com isso ao meu alcance eu tive tudo, até certeza, de
que eu tinha tudo que eu precisava, uma joaninha e um pouco mais.
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