Você deve estar aí de cima pensando: “Ê, gordinha, se é para
fazer um post de aniversário com nome de comida, pelo menos que seja brigadeiro
ou bolo”.
Te imaginei dizendo isso e senti meu coração se esmagar por
4 segundos com uma falta imensa de nós nos sorrindo enquanto nos olhávamos.
Sinto este tipo de falta sabia? De aparentes pequeniníssimos detalhes das
nossas vidas. Alguns de um nível exclusivamente meu de esquisitice, mas todos
pertencentes intensamente a nós dois.
Não sei se você se lembra, (porque não sei se você tem tempo
para as coisas daqui, não sei se você é uma alminha, um anjo ou apenas a melhor
representação da palavra memória). Mas voltando ao assunto, não sei se você
lembra que nos últimos tempos a gente estava com um hábito específico, dentre
tantos.
Toda tarde enquanto assistíamos televisão quando eu dizia
que ia me preparar um lanche você falava que também queria e me pedia para
preparar a mesma coisa para você. Dois segundos depois de eu chegar na cozinha ouvia
seus passinhos descendo as escadas. Sua desculpa era que você sabia fazer
aquilo melhor que eu, mas na verdade eu sei que te batia aquele vazio de
saudade, porque a maior distância que conhecíamos naquela boa época era aquela
entre a sala e a cozinha. E já parecia enorme.
Aí você me pentelhava, palpitava, a gente abria os armários,
procurava qualquer coisa mirabolante para fazer e acabávamos com você dizendo
que ia preparar sua especialidade. Era um misto-quente gorduroso com requeijão,
queijo amarelo e entupido de catchup e eu não sei porque ele parecia o melhor
misto quente que já existiu. Você fazia para nós dois, enchia dois copos de
Coca-cola e quando a gente subia de volta para a sala você sempre dizia sorrindo:
“imitona!” e a gente ria. Mesmo sem saber o porquê ou qual a graça, mas tinha
alguma.
Eu não sei quanto tempo este ritual durou. Algumas semanas,
alguns meses talvez, mas o suficiente para eu relacionar o gosto deste
misto-quente a qualquer coisa muito próxima de felicidade completa.
Saudade. s.f. Lembrança triste e suave de pessoas ou coisas
distantes ou extintas pela ausência; nostalgia.
Aí sabe? Dentre as coisas que sua partida trouxe e levou,
hoje me dei conta de mais uma delas e de como você deu uma avacalhada geral por
aqui.
Eu desaprendi absolutamente a ter saudades do passado. Eu
desaprendi absolutamente a me doer pelo que já foi. Para mim faltou total lógica do tal do Aurélio em dizer que sentimos saudades do que já
passou, está distante ou se extinguiu. O que já passou é a
única coisa que efetivamente é nossa propriedade. O que já passou é meu, ninguém é
capaz de levar. Todos nossos momentos me pertencem integralmente e ainda passam
em minha cabeça aleatoriamente com vida própria quando bem entendem. E eu não sinto saudade. Eu sinto apenas felicidade, pura e boa, por ter tido tantas
inúmeras lembranças para chamar de minhas pela vida afora.
Mas a saudade...Ah!, você me paga. Me aproprio da palavra,
mas o que eu chamo de saudade não corresponde nem mesmo a definição do
dicionário. Você alterou o significado dela e modificou minha maneira de
a relacionar com a realidade. Tenho uma eterna e complicada saudade do que não
foi. Vivo em mágoa constante com todas as impossibilidades. Por tudo que eu
queria fazer e não vou poder. Me doo intensamente quando tenho histórias
interrompidas. Você me ferrou. Não consigo fazer as pazes com quem me tira o
que está por vir. Não consigo simplesmente engolir quando a vida me diz que eu
não posso viver uma pessoa, um lugar, um amor. Não aceito este não do que ainda
não foi. Isso vale para você e para o resto.
Hoje só queria que você soubesse que se de um lado você
estragou nossos fevereiros com um tantão de feridas com cicatrizes estranhas, nossos agostos nos pertencerão para sempre. Já gostei mais de
comemorar aniversário quando na cadeirinha do lado, na mesa do lado, no bolo do
lado, tinha você, dançando esquisito, me dando algum mata-leão de amor,
gritando que você tinha pego toda a beleza da família ou simplesmente me
abraçando suave com uma postura firme e delicada de quem cresceu e é feliz.
Mas mesmo já tendo sido melhor, este sempre vai ser nosso
mês, o mês de ver papai inventando um mundo para nós, mamãe comprando mil presentes, da preparação das festinhas, de reunir os
amigos que a gente aprendeu a dividir, dos porres supervisionados por Papi e
Mami no que a gente chamou de quintal, mas era a materialização do paraíso e a gente ainda não sabia.
Obrigada por ter se tornado meu melhor amigo antes de
partir. Obrigada por ter ficado mais um pouco. Obrigada por ser esta lembrança cheia,
que transborda. Obrigada por ter me sorrido e olhado para trás e nos meus olhos
na última vez que eu te vi. Obrigada por não me deixar sozinha na cozinha e
pelos mistos-quentes com catchup.
Saudade filha de uma puta (irmã de menino tem direito à um
palavrão vez ou outra) que te queria do meu lado viajando por aqui ou me
esperando no aeroporto logo mais para me dizer que é para eu parar de inventar
de ir embora.
Só enquanto eu respirar, bocudinho, só enquanto eu respirar
vou me lembrar de você.
Comentários
Postar um comentário