Cada vez que eu me desorganizo, as palavras recorrem a mim.
Ou talvez seja eu quem recorra a elas. Mas é bem verdade que só faço quando sai
de mim vindo de algum lugar em relação ao qual não tenho controle algum e que
normalmente não sou capaz de estabelecer qual é antes do post acabar. Desta vez, nada veio de lugar algum, fui eu quem assentei aqui, no meio de um dia cheio, me forçando a estabelecer certos pontos
de partida.
Na maioria das vezes o que eu escrevo não chega a ser
publicado. Tem muita informação que não é para ser acessada por mais ninguém
além de mim mesma. Tem outras tantas que eu sei que não devo re-acessar se
tiver cautela suficiente. Quando é a prudência que coordena esta opção, toda aquela informação vai ficar ali esquecida entre dezenas de arquivos, pedaços de papel,
cadernos ou de margens de livros, folhetos publicitários, guardanapos de papel.
Mas fico a me perguntar ainda quanto o que chego a
publicar diz a meu próprio respeito. Observo
que as pessoas tem por hábito pensar que o mecanismo é mais simples do que
realmente é; que uma centeninha de posts de uma coletânea 100% amadora e
aleatória seriam o bastante para me entender e alcançar lugares aos quais eu
definitivamente não permito acesso ilimitado.
Eu não seria tão idiota, nem tão simplista e negligente
comigo mesma ou com aquelas pessoas reais que fazem parte da minha vida, fazendo concretamente por merecer este acesso a lugares restritos de um mecanismo ultra-complexo que está
longe de ser desvendado: eu e minhas dezenas de ideias, delírios, desatinos,
esquisitices, utopias.
Mas de onde vem então esta história de escrever, esta
dependência das palavras, eu não sei precisamente dizer. Eu escrevo porque eu preciso. Às
vezes preciso organizar a bagunça organizada na qual habito.
Eu acredito que existe um universo paralelo para onde vão
todos os pés de meia que entram juntos na máquina de lavar e saem de lá
solitários. Misteriosamente. Uma espécie de mágica ou desafio da ciência, a depender do ceticismo de cada um. Então no meu
quarto tem uma caixinha onde guardo e cuido de todas estas meias sozinhas ou
solitárias. Elas sabem bem o que estão procurando, só não sabem onde encontrar.
E eu sou intensamente solidária a estas meinhas, às achadas e às perdidas também. E assim como elas, sou este tipo de gente que não perde a esperança de encontrar o que está procurando. A resposta mais difícil nós já temos, afinal. Só falta saber como chegar até lá.
Escrever é um pouco isso para mim. É colocar as meias sem
par na caixinha, é guardar as meias com par na gaveta, é tirar o pó que se
acumula sem ninguém perceber sobre tudo que está sem movimento. E só eu sei
quanto o movimento faz parte do meu processo de me sentir viva. Me mover, de
cidade, de lugar, de sensação, de uma vida para outra, para onde eu me sinta
reagindo, agindo, interagindo. Viva. De novo. E de novo.
Escrever também é um bom exercício para atribuir
responsabilidades. Atribuir responsabilidade a mim mesma pelos rumos que
escolho, pelas decisões que tomo, pelas consequências dos meus próprios atos.
Ou ainda atribuir responsabilidades, transferindo-as para o outro quando entendo que não devam ir para minha conta.
Escrever também pode ser uma forma para me proteger da
realidade quando ela está desconfortável ou quando o script que eu imaginei não
está sendo seguido pelo destino. Sim, eu sei o fim da história que quero, só
não planejei que caminhos quero cruzar até chegar lá (como as meias sem par, eu disse). Não planejei, porque eu não gosto mais de planos. Não mais, porque eles nortearam minha existência por tantos anos e não
me serviram de muita coisa. Os deixei planos para lá e abracei com gratidão
esta incerteza sem fim que cada dia da minha vida se tornou.
Escrevo porque eu preciso, mais porque eu gosto.
Porque é um jeito de dar rosto e imortalizar determinadas sensações que eu
quero poder re-acessar de qualquer momento da minha vida, onde quer que eu esteja
no mundo. Escrevo porque resolve uns lances sérios comigo mesma, porque me
ajuda a dizer se sinto e depois faço ou se é o contrário, porque me ajuda a
saber porque eu vou embora ou decido ficar. Porque coloca a verdade para olhar
nos meus olhos. Escrevo para assumir que errei ou que perdi. Escrevo para me
desculpar comigo mesma quando negligenciei algum sentimento meu, mesmo que tenha sido para me
proteger.
Minha mania de ser auto-explicativa não é na maioria das
vezes mais do que uma forma de despistar, de tirar o foco de mim mesma. Eu não
vou fazer todo o trabalho duro, afinal. Em dias sem publicação nova o blog
mantém uma média de acessos de um número de pessoas que não tenho a menor ideia
de quem sejam e que nem sei se estão preparadas para minha verdade. Porque
posso ser extremamente esquisita ou normal em proporções absolutamente graves e os dois extremos podem causar incômodo.
Às vezes queria ser alguém mais comum. Às vezes penso que talvez
já até seja o suficiente. Mas acho que seria duro demais para eu aceitar isso a
meu respeito. Se eu tenho aptidão para ser 100% normal, eu não saberia nem
dizer. Mas se se trata de sobre como eu me sinto, é bem verdade que identifiquei um
processo alérgico a certos tipos de normalidades, principalmente aquelas frutos
do não pensar. Tenho reações físicas e emocionais complexas ao lidar com
sentimentos ou instituições muitas vezes considerados universais. Tenho um
prazer particular ao me ver encostando sensações e vidas de um jeito diferente
dos outros. Os outros, aqueles todos outros que vivem em algum lugar que não
seja o mundo que eu inventei.
Ainda quanto ao que representa o que eu escrevo, se trata
talvez de achar que muitas vezes a pessoa que está ali não sou necessariamente
eu. Certamente uma versão minha. Mas quantas versões de nós mesmos somos
capazes de ser, é o que eu me pergunto. E se é uma versão, então não é
completa. Talvez não seja a melhor. Talvez nem a pior. É real ou ilusão. Me
protege ou me expõe a riscos incalculáveis. Me restringe ou me amplia. Aproxima
as pessoas de mim ou as conduz para perto de alguém que só existe se eu quiser.
Hoje eu precisava de escrever e escrevi. Nem que fosse só
para vir aqui colocar as meias sem par na caixinha de meias sem pares.
Comentários
Postar um comentário