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Vintes e poucos anos.

Ela tem seus vinte e poucos anos e entrou correndo em casa. Os olhos cheios de água. Jogou a bolsa no sofá. Se atravessou na cama. Um short jeans velho. A camiseta preferida. O rabo-de-cavalo se desfazendo. O travesseiro foi o ombro para as lágrimas. Aquelas que desceram fácil fazendo lembrar sua primeira infância, quando o choro era freqüente. No rádio a música dizia que se eles não tivessem feito tudo tão depressa podiam ter vivido um amor Grand’ Hotel. Já faz tempo que ela não chorava assim. Desta vez, o coração dela foi partido.

Ela tem seus vinte e poucos anos e cresceu cercada de pessoas que acreditavam que ela era de cristal e quebrava fácil. Cresceu com seu castelo cercado de muros altos. Era o castelo de uma princesa. Ela morava no lugar mais seguro, no alto da torre. Por isso se tornou o tipo de garota que acreditava nas pessoas. Em boa intenção. Em promessas cumpridas. Acreditava que sempre seria o centro do mundo daqueles a quem dedicou algum tipo de amor. Acreditou também que nunca alguém ia partir seu coração. Acreditou que as pessoas escolhidas para dividir sua vida iam cuidar dela.

Ela tem seus vinte e poucos anos e ele não cuidou. Logo ele. Não agiu bem. Disse umas palavras ruins. A fez algum mal. A fez sentir coisas que havia prometido que não faria. A qualquer uma, a ela jamais. Ele chamou isso de mostrá-la a realidade. Ela desejou que ele nunca tivesse devolvido seus pés ao chão. O odiou por uns instantes por tirar aquilo que mais amava em si mesma: a capacidade de achar que todas as pessoas fariam sempre de tudo para vê-la feliz. Ela fez isso por ele enquanto pôde.

Ela tem seus vinte e poucos anos e naquele dia soube que se é difícil ver alguém saindo da sua vida, mais difícil ainda é perceber que o faz simplesmente por não precisar mais de você. Ela levantou da cama, se olhou no espelho. Os olhos vermelhos, o cabelo atrapalhado. Olhou para seus livros e lembrou de quantas histórias bonitas de amor e amizade eram contadas ali. Se deu o direito de só estar definitivamente em uma história se se parecesse com a dos livros. Lembrou de estar no colo de seu pai alguns anos antes e dele descrever qual o tipo de homem a mereceria um dia. Depois de trabalhador, honesto, inteligente, a descrição terminava com algo mais ou menos assim: “tem que ter certeza do tipo de jóia que tem em mãos”. Ele não tinha.

Não foi por acaso que ela cresceu a princesa do papai. Não é por acaso que a vida dela é um conto de fadas. Não vai ser por acaso que o final dela vai ser feliz. E foi ali mesmo, de frente de sua imagem triste no espelho que ela pensou: ele vai lembrar de mim.


Ela, assim como eu, não sabia tirar as pessoas da sua vida. Mas vai aprender. A gente sempre aprende.

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