Pular para o conteúdo principal

Postagens

Mostrando postagens de 2014

Em mandarim para um alemão.

Quando eu vim para França trouxe dois livros escritos em português. Um, presente de véspera das minhas duas companheiras de trabalho, rotina e vida. Outro, indicação de uma carinha aí que se foi, mas já dividiu comigo, além dos livros, algum tipo de vida. Nenhum dos dois foram ainda lidos. Eles moram na mesa de vidro do meu quarto e conversam comigo todos os dias me fazendo lembrar coisas que eu nem quero mesmo esquecer. Mas de toda forma, não, não foram lidos até este momento. Esta história aí começou quando eu desembarquei por aqui, com uma bagagem cheia de livros de gramática francesa e um não saber bem por onde começar. Ali eu decidi que não leria mais em português até eu sentir que era a hora. Eu não queria só “saber” francês. Eu queria mergulhar nesta língua, neste mundo, em um universo infinito de palavras virgens de sentimento para mim. Minha vida é feita de palavras. Sempre foi. Sempre precisei delas para me entender, para me salvar de mim mesma, para me reconstruir. Me...

O sétimo cartão postal.

Acabei de escrever seu sétimo cartão postal. Eu o segurei nas mãos, reli, suspirei, apertei contra meu peito e guardei na minha caixa de cartões postais não enviados. Sim, eu tenho uma caixa só para guardar cartões postais não enviados. Tá, na verdade é uma caixa só para guardar os cartões postais não enviados para você. As outras pessoas tiveram o direito de receber seus cartões postais, ou eu diria até que eu tive o direito de enviá-los. Parecia legal a ideia quando foi pensada sabia? Um cartão por mês, na sua caixa de correio. Um amigo bom guardador de segredos teria me dado seu endereço novo. Os cartão chegariam todo mês, até o último, quando só então tudo ali escrito faria exatamente sentido. Ou, talvez, finalmente não faria mais. Eu sei, pelas suas contas eu estaria no sexto, então. Ainda é junho. É mas só que o que eu penso nem sempre acompanha o que eu sinto. Eu pensei em escrever um por mês, mas quem determina isso não é minha cabeça, é o coração. O sétimo ...

E minha cor preferida é azul.

  Quando a gente decide mudar de cidade pensa muito e por muitas vezes naquilo que está deixando para trás, mas não sabe de fato o que é. Ficam ali nos meses que antecedem a data do embarque aquela sensação de que aquelas pessoas, aqueles lugares, aqueles cheiros são seu mundo.  Um mundo que te pertence, ou pelo menos é o que a gente acha. Nesses meses antecedentes, cada vez que se encontra alguém que compõem a sua história o coração aperta e a vida fica em câmera lenta. Até que chegam os momentos de despedida. E vem o dia da despedida oficial... E ali é como se você estivesse oferecendo a todas as pessoas que te amam a oportunidade de te ver pela última vez nos próximos anos. Só que no fundo é tudo ao contrário. No fundo quem quer se despedir é só você mesmo. No fundo é no dia da despedida, no último dia, que você começa a perceber que cada um vive por si. Que a vida é um contra todos. Que uma lista de gente que você espera chegar para te dar um úl...

Para falar de saudade.

Como uma palavra que só existe no dicionário pode ter tantos significados? Como é que tantos outros povos conseguem explicar o que sentem sem esta palavrinha cheia de mistérios que faz parte da nossa vida desde tão cedo? E, nossa, como é difícil explicar em francês ou inglês com as minhas restrições que “tu me manques” ou “i miss you” é muito diferente de “eu sinto saudade, eu sinto muita saudade”.  Saudade .  Somos ainda tão pequenos quando a saudade bate na porta da vida. Quando no primeiro dia de aula nossos pais nos entregam nossa mochila, nossa lancheira, nos dão um beijo na testa e se despedem. Depois na escolinha quando o coleguinha mais velho rouba seu lugar na fila ou seu lápis colorido, quando você cai e se machuca ou é dia de vacinação. Mais uns anos e dormindo na casa de algum coleguinha ou de alguma tia, quando a gente acorda com algum sonho ruim de madrugada. Acho que são por aí nossas primeiras saudades, do colo dos nossos pais, das mãos dadas ou...

Um pouquinho, só mais um pouquinho.

A história nem é recente. Já acontece no mundo desde os primórdios da humanidade. É mais ou menos o tal do disse-me-disse. Faz um tempinho e uma mocinha que eu não conheço, com quem não tenho amigos em comum e com quem nunca troquei uma única palavra resolveu sem ser consultada dar a alguém muito próximo de mim seu depoimento a meu respeito. É, esta estranha desconhecida de nome esquisito, quis dar uma opinião pessoal ao meu respeito para uma pessoa com quem convivo há cerca de oito anos, quase um terço da minha inteira existência. Sem ser perguntada, ela quis opinar e opinou. Um depoimento pessoal e de natureza, a meu ver, negativa. E por razões muito óbvias é claro que alguém que eu não conheço, que nunca olhou nos meus olhos, com quem nunca troquei nenhuma palavra, não merecia um post no meu blog, mas cá entre nós, aqui também tem espaço para as porcarias da humanidade e eu não posso querer viver sempre no mundo que eu inventei, sob pena de meu mundo inventado ser de ...

Não é só por um beijo gay.

Dia destes e em um momento familiar em uma noite comum na Paris de todo dia, estávamos eu e o casal com que eu moro, (que cumpre para mim o papel ora de irmãos, ora de primos, ora de amigos, ora de pais) assentadinhos na sala, cada um ocupado de uma outra tarefa, como um livro, um tablet ou computador. Distraídos como estávamos, um casal se beijava ali na TV, calorosa e apaixonadamente. Na vida real, cada um continuava se ocupando com o que estava fazendo. A cena era de “Plus Belle la Vie”, a tradicional novela francesa, que está no ar há cerca de dez anos e passa em torno das oito da noite, no horário daqui, claro. Ah, o beijo era entre duas mulheres. E acreditem, a vida continuou. Ninguém parou para debater o beijo, aliás, o milionésimo beijo gay da novela. Acabou o capítulo daquela noite e mudamos para novela brasileira. Ali, a curtos (mas nem por isso não importantes) passos para uma sociedade engessada como a brasileira, o autor tenta incluir algumas relações homossexua...

Amanheceu nublado.

Amanheceu nublado. E era segunda-feira. Devia haver uma regra como: segundas-feiras são expressamente proibidas de amanhecer cinzentas. Especialmente algumas. Especialmente aquela. A história é nova, com cara de velha. A morena com sorriso fácil, cor de neve e olho apertado se permitiu outra vez. Tanto tempo depois. Ela é do tipo que se nega a iniciar qualquer romance sem ficção, músicas, flores ou cartas. É que ela acredita que todo casal tem que ter um lugar, uma música, um livro para chamar de seu, para quando tudo estiver indo por água abaixo haver onde se segurar ou se apoiar. Desta vez a história-de-não-amor, nem chegou a virar verdade, nem foi antes batizada e isso é tudo de que ela pode ser chamada agora. Se é que houve algum lugar para dizer que era deles foi aquele bar com ares de fresco, mas bem calorento na rua dos bares da capital mineira. Foi lá que eles se conheceram, foi lá que a primeira intuição surgiu. E olhando agora, de fora, parece que foi tudo que eles fora...