Passei alguns anos da minha vida dizendo que eu sou o tipo
de pessoa que precisaria de fazer terapia, mas resistindo de certa maneira a
ela. Ficava a pensar que alguém que mal conhece este furação de emoções que eu
sou não teria condições de indicar caminhos, apontar soluções para algo tão
complexo e importante quanto a minha própria existência.
De outro lado, sempre imaginei que a parte boa daquilo ali fosse me autoconhecer, promover encontros comigo mesma, significar sensações que a vida deixa em nós pela estrada afora. E poucas coisas no mundo têm mais a ver comigo do que isso, do que a necessidade de mergulhar em mim mesma, de realizar os melhores encontros na minha exclusiva companhia, de trabalhar as milhares de emoções que compõem cada centímetro branquelinho que me cobre.
De outro lado, sempre imaginei que a parte boa daquilo ali fosse me autoconhecer, promover encontros comigo mesma, significar sensações que a vida deixa em nós pela estrada afora. E poucas coisas no mundo têm mais a ver comigo do que isso, do que a necessidade de mergulhar em mim mesma, de realizar os melhores encontros na minha exclusiva companhia, de trabalhar as milhares de emoções que compõem cada centímetro branquelinho que me cobre.
Me dou com a novidade, fico bem em tocar o novo, me orgulho de mim mesma quando quebro alguma idéia pré-concebida. E já se vão alguns meses que deixei de resistir e entendi que devia a mim mesma uma nova experiência, principalmente interior. Me lembro como se fosse ontem da minha primeira consulta, das almofadinhas coloridas de um consultório que parece tudo, menos médico.
Na minha frente a voz e o olhar doce daquela moça até então estranha, com quem eu nem imaginei que eu fosse criar laços tão puros e afetuosos. Com quem eu imaginei menos ainda que fosse ter condições de expor tantas fraquezas, de escancarar tantos defeitos, de tocar tantas situações que a memória esconde até de mim mesma para não ter que passar por lá.
Minha querida I. abre todas as minhas janelas. Semana sim, semana não lá estou eu assentada com os pézinhos cansados para cima e passo ali com minha abridora de janelas alguns minutos do dia, onde ela, mas principalmente eu mesma tenho acesso irrestrito a lugares perigosos, a sensações, imagens e significados que me põe em alto risco.
Minha doce abridora de janelas não fica satisfeita em abrir apenas janelas. Ela abre as portas dos quartos, da despensa, ela abre os closets, os armários. Ela abre a geladeira e o banheiro. Ela abre as torneiras e os ralos. E eu que me vire, porque ali sou obrigada a me deparar com detalhes doloridos e às vezes já esquecidos que compõe a minha história e minha vida.
Quem nunca fez terapia deve estar pensando: “Cruzes, não vou querer fazer esta terapia das trevas não”. Calma, é faxina. A poeira que ficou debaixo do tapete, aquele tanto de porcaria que existe no ralo, tudo de indigesto que pairava por ali há dias, às vezes há meses e muitas vezes há anos... É hora de organizar, de limpar. As cartas vão para mesa, eu para frente do espelho.
E não, não vou dizer que viver e re-viver alguns momentos de nossas vidas seja exatamente confortável. Também não vou dizer que a gente não queira simplesmente deixar algumas coisas esquecidas em algum canto escuro. Não, enxergar de frente o que há de impuro, imperfeito e fora de lugar em mim não é a melhor experiência do mundo, dar de cara com nossos maiores inimigos internos dá um medo danado. Mas lá não existe opção. É necessário passar por estes lugares, única forma de significar cada uma das experiências boas ou ruins que a vida me deu, para fazer e refazer as velhas ou novas escolhas.
Ali, naquela sala pequena, a sensação é de que cabe o mundo. Eu, normalmente na minha vida não choro. “Tá”, choro vendo campanhas publicitárias. Choro quando pergunto sobre a história da vida daquelas criancinhas que vendem chicletes no Tizé. Choro vendo filme sobre amores eternos. Choro quando vejo vídeos de cãeszinhos e bebês no youtube. Choro de alegria também. Mas dificilmente choro pelas minhas fraquezas, pelas minhas lutas e crises. E detesto chorar em público. Detesto que saibam ou vejam que eu chorei, que algo me tira o otimismo quase inocente que eu tenho em torno de viver. Detesto ser a menina das lágrimas ao invés da menina dos sorrisos.
I. tenta desmitificar um pouco isso, tenta me fazer entender que eu vivo recheada de emoções e minhas lágrimas ali são só o transbordar. Esta compreensão é minha mesmo, mas acho que é o que ela quer que eu sinta. A permissividade integral que tenho ali para chorar. Sempre vou para lá pensando quanto tenho que agradecer, como minha vida é boa e satisfatoriamente incompleta, como me acho bem tocando minha intensidade e como preciso de entender todos os dias o sentido desta coisa toda. E penso que não há janela (ou porta, closet, ralo) que ela abra que vá me fazer chorar. Sempre faz. Sempre choro. Nunca é tristeza. Sempre é bonito. Sempre é esvaziando. Sempre é entendendo, compreendendo.
Bom. Eu achava que abrir janelas só tinha a função de deixar o sol entrar. Minha I. me faz lembrar que há sempre muita coisa para sair antes de outras novas entrarem. Que assim seja, então.
Hoje é aniversário daquela que começou sendo lanterninha, deixou passar luz da frestinha da janela e cada dia mais deixa espaço para entrar toda luz do universo para que a minha vida tenha a clareza que eu definitivamente preciso para viver com o mínimo de tropeços possível. Parabéns para minha doce e querida abridora de janelas, que eu espero que faça sessões por skype para que as janelas do apartamento da minha nova cidade estejam abertas mesmo no inverno que já vem chegando por lá.
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